O árbitro português que está a combater os incêndios no Chile

14 fev 2023, 09:05
Rui Ventura (Direitos Reservados)

Rui Ventura é árbitro na Liga e rumou a Concepción integrado numa equipa de 144 portugueses para ajudar a combater as chamas: «Já começaram a dizer que tenho de mostrar o cartão branco ao pessoal e eu digo que o que quero mesmo é mostrar o cartão vermelho aos incêndios»

«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Rui Ventura é árbitro há cerca de duas décadas. Já esteve no futebol, mas há sete anos, desde que ascendeu à principal Liga de futsal, passou a apitar apenas nas quadras.

Mas por estes dias a missão do nelense de 39 anos, bombeiro há 25, é outra.

Rui integra o contingente de 144 pessoas que Portugal destacou rumo ao Chile, à Província de Concepción, na região de Bío-Bío, para ajudar no combate aos incêndios florestais. É perito da gestão de fogo rural do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e está entre a equipa coordenada pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e composta por operacionais desta, da GNR, do ICNF, das corporações de bombeiros da região de Lisboa e Vale do Tejo e do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

O relógio marca as 08h45 locais (11h45 em Portugal). É a primeira manhã de trabalhos, depois da chegada no domingo. Rui Ventura fala ao Maisfutebol a partir de Concepción, a 500 quilómetros da capital Santiago, onde a comitiva portuguesa está instalada para ajudar a combater a onda de incêndios no centro-sul do país, que já tirou a vida a pelo menos 24 pessoas, destruiu cerca de 1.500 casas e consumiu 417 mil hectares.

«Foi-me feito o convite para ingressar nesta missão, também para acompanhar a força de Bombeiros Sapadores Florestais do ICNF. Chegámos a Santiago à hora de almoço, viemos para Concepción e chegámos por volta da meia-noite ao aquartelamento, onde vamos ficar», conta, antes de detalhar os planos do dia.

«Estamos a preparar a análise de incêndios, a verificar tudo o que se passa no país, para depois ir para as missões, para os incêndios que estão ativos. Estamos a organizar a nossa logística, com materiais, bagagens e fazer a análise de tudo o que está a passar-se no país», refere.

É o início de «cerca de 15 dias» previstos de missão. Para Rui, «talvez a mais importante na carreira». O cenário testemunhado, nas primeiras horas, é de preocupação.

Bombeiro combate incêndio nos últimos dias em Santa Juana, província de Concepción, na região de Bío-Bío (Matias Delacroix/AP)

«Vários incêndios assolam o Chile, com potencial grande. Têm causado muitos danos em pessoas, houve mortes e percebemos que as pessoas estão preocupadas. Eu já passei um bocado por esse cenário aí, participei nos grandes incêndios em Portugal. É um cenário semelhante ao que tivemos em Portugal em 2017, só que ainda mais grave, com mais incêndios. Estou motivado e empenhado para colaborar e para que Portugal também seja bem representado nesta missão. Fomos muito bem recebidos no aeroporto, as pessoas no Chile receberam-nos entusiasticamente, agradeceram a nossa presença. Por onde temos passado, as pessoas têm-nos salvado, batido palmas, é sinal confiam no nosso trabalho e que sabem bem da nossa importância no país», afirma.

Uma vida entre a arbitragem e os quartéis

Pelo seu atual papel no ICNF, Rui Ventura está na reserva do corpo dos Bombeiros de Canas de Senhorim. Porém, e apesar de nesta altura não poder estar no ativo, o oficial bombeiro tem histórias «marcantes» em cerca de 20 anos na profissão. «Já tive um acidente grave nos bombeiros e também já me aconteceram coisas bonitas: já salvei uns companheiros que trabalhavam comigo num incêndio, infelizmente depois aí também fiquei gravemente queimado, mas são histórias que acontecem nesta nossa vida.»

Em paralelo, a arbitragem.

«Sou árbitro C1 de futsal, estou na primeira Liga. Sou árbitro quase há 20 anos. A arbitragem foi um gosto, porque eu tirei o curso de professor de Educação Física na Guarda e neste momento é o distrito onde sou árbitro. Sempre mantive a minha carreira na Guarda e foi um gosto que nasceu já há algum tempo. Nunca me desliguei da arbitragem, sempre me dediquei à arbitragem também como sendo profissional, não é muito fácil», relata.

Um «gosto» que, até no Chile, o leva a procurar como poder treinar, no meio do combate aos fogos.

«Mesmo aqui já andei a arranjar uma estratégia para tentar perceber se consigo treinar, conciliar o treino com o trabalho que vou ter. É desgastante, mas faz parte da minha paixão que é a arbitragem, que assumo como profissional. Vou ter provas, ainda não percebi se consigo estar presente, porque vamos ser avaliados em março. Ou seja, é difícil complementar o meu trabalho neste momento, aqui no Chile, com a arbitragem, mas vou tentar preparar-me ao máximo. Tenho de fazer um esforço redobrado aqui. Não vou estar a arbitrar, mas no meu pensamento está que tenho de – e por aquilo que a arbitragem me merece – tentar dar o meu melhor para nunca defraudar aquilo que é a arbitragem e o meu papel como árbitro», frisa.

Cartão branco aos operacionais, cartão vermelho aos incêndios

Rui sublinha que o seu percurso na arbitragem se manteve ligado sempre à Guarda pelo «respeito pelas pessoas». Tanto que também é fundador e o atual presidente do Núcleo de Árbitros de Futebol e Futsal Serra da Estrela (NAFFSE).

«O carinho pelas pessoas da Guarda levou-me, por uma questão de respeito, a nunca deixar de ser árbitro na AF Guarda, que represento. E o pessoal aqui [no Chile] já sabe que eu sou árbitro, têm andado aqui até na brincadeira comigo e tento também passar esta veia para prestigiar o que é a arbitragem na Guarda e a arbitragem nacional», nota.

Uma brincadeira, no meio de uma missão séria, em que quer mostrar, acima de tudo, o «cartão vermelho» aos fogos no país sul-americano.

«As pessoas já entenderam que eu sou árbitro, até já começaram a dizer que eu tenho de mostrar aqui o cartão branco ao pessoal depois. E eu digo-lhes que, neste momento, o que eu quero mesmo é mostrar o cartão vermelho aos incêndios no Chile e que, no fundo, a nossa missão seja digna, honrada e que o povo, no final, fique com o momento em que nós, portugueses, chegámos ao Chile e ajudámos nesta causa. Para eles é terrível e sentimos isso nas pessoas que nos receberam», constata.

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