Como tornar-se um grande mestre de xadrez? Os melhores do mundo explicam

CNN , Sana Noor Haq (artigo originalmente publicado em outubro de 2021)
20 jul 2022, 10:00
Magnus Carlsen. (AP Photo/Jon Gambrell

Esta quarta-feira, celebra-se o Dia Internacional do Xadrez. Ficam aqui algumas dicas para quem leva a modalidade mesmo a sério

Não se pode ser o melhor jogador de xadrez, o 1º do ranking, sem planear várias jogadas antecipadamente.

"Tenho uma regra simples na vida, se queres lutar contra o campeão em qualquer coisa -- fá-lo na prática", gracejou Magnus Carlsen num tweet depois de ter sido anunciado que uma versão de uma app de 10 anos de si mesmo ia defrontar o ex-campeão mundial de boxe Manny Pacquiao num jogo de xadrez de caridade, a 1 de outubro do ano passado.

Jogador de xadrez perspicaz, Pacquiao também estava muito consciente do desafio que enfrentava. "Combati com alguns adversários duros no ringue, mas nunca enfrentei ninguém como @magnuscarlsen num jogo de xadrez", disse Pacquiao, na altura.

Desde que venceu o antigo campeão do mundo Anatoli Karpov para conquistar o título de Grande Mestre aos 13 anos, o norueguês Carlsen tornou-se conhecido pela vantagem psicológica que tem sobre os seus adversários.

"Acho que ser mentalmente flexível é muito importante durante o jogo", diz Carlsen à CNN Sport. O norueguês, juntamente com Anish Giri e o prodígio polaco Jan-Krzysztof Duda, refletia sobre o segredo para se tornar um Grande Mestre de xadrez.

"As condições vão mudar durante o jogo, algo que pensamos que estava certo pode não estar certo, a situação passar do ataque [para] a defesa", acrescentou Carlsen.

"Portanto, ser capaz de resistir a essas mudanças sem perder o foco e também sem perder a compostura é muito, muito importante."

Giri é o jogador de xadrez nº 1 do ranking dos Países Baixos. Tal como Carlsen, acredita que ter a capacidade de manter a concentração em longos períodos e permanecer mentalmente ágil, é a chave para o sucesso no xadrez.

"A concentração é muito, muito importante durante o jogo [...] porque acontece que o xadrez é realmente implacável", diz Giri à CNN Sport.

"Apenas alguns segundos de perda de concentração e uma decisão precipitada pode arruinar todo o jogo. E por isso é importante manter a concentração ao longo do jogo e para isso é preciso, claro, estabilidade mental."

Uma centelha de ambição

Carlsen tem memórias antigas de dedicar horas de treino à modalidade.

Aos cinco anos, o pai ensinou-lhe a jogar xadrez, mas só mais tarde é que o seu passatempo se tornou um ofício pleno.

Quando terminou o ensino primário, passou o ano seguinte a viajar pela Europa para jogar xadrez, recolhendo vários elogios e acabando por ganhar o primeiro lugar na lista de classificação da Federação Internacional de Xadrez (FIDE) em 2010.

"Quando era miúdo, tinha sempre de jogar contra jogadores mais fortes do que eu", diz Carlsen.

"Mas algo aconteceu quando tinha 16, 17 anos. Estava a jogar contra os melhores jogadores do mundo, a minha mentalidade mudou um pouco. Então agora, eu preciso de ser o mais forte. Preciso de ter a mentalidade mais forte para levar a melhor. E acho que depois de mudar essa mentalidade, passei de um dos melhores jogadores a alguém que podia ser realmente o melhor."

Jogar contra adversários que tinham mais experiência do que o Carlsen valeu a pena.

Em 2012, venceu o London Chess Championship pela terceira vez, mas ganhou fama nesse mesmo ano, quando a sua classificação aumentou para 2861, batendo o recorde da lenda russa Garry Kasparov de 2851 -- que se mantinha invicto desde 1999.

A corrida meteórica de Carlsen foi precursora do seu feito mais importante até à data, quando venceu o Grande Mestre de xadrez indiano Viswanathan Anand para se sagrar campeão do mundo aos 22 anos.

"Acho que há muitos fatores que podem decidir se vamos tornar-nos jogadores de xadrez muito fortes, até um Grande Mestre ou um dos melhores jogadores do mundo", diz.

"Para mim, pessoalmente, tem sido dar tempo ao tempo, obviamente. E acho que nunca poderia ter chegado longe no xadrez sem os níveis de desenvolvimento, repito, isso tem sido o que tem sido o que me tem motivado [...] todos estes anos, e assim que perder isso, eu desisto."

Horas de treino

Poucos se aproximaram do brilho de Carlsen nos seus esforços no xadrez como Giri, que se tornou Grande Mestre aos 14 anos.

Tetracampeão de xadrez holandês, venceu Carlsen em 22 partidas no Torneio de Xadrez Tata Steel em 2011. Tendo conquistado inúmeras medalhas desde então, é agora o jogador de xadrez n.º 7 do ranking mundial.

Tal como o seu colega, acredita que dedicar tempo ao treino, muitas vezes em detrimento de outras atividades, é o que separa os melhores jogadores do mundo dos entusiastas do xadrez.

"Para ser um jogador de xadrez de topo, definitivamente usámos muito tempo livre. É mais fácil dizer quantas horas não passei no xadrez do que dizer quantas horas passei. Sinceramente, a dada altura, todo o meu tempo livre era ocupado com o xadrez. Claro que fazia todas as coisas que tinha de fazer como ir para a escola e outras coisas que tinha de fazer", conta Giri.

"A minha mãe às vezes pedia-me para limpar o quarto ou para lavar a loiça, ou o que quer que fosse só para me manter afastado porque era anormal o tempo passava com o xadrez quando era criança.

"Acho que isto também é necessário se se quer ser o melhor em qualquer coisa."

 

Manter um equilíbrio

Para outros, saber que têm a capacidade de se tornarem campeões é instintivo.

Duda diz que depois de ganhar o Campeonato Mundial de Sub-10 em 2008, sabia que se tornaria um Grande Mestre.

"Em geral, é engraçado, isso sabe-se quando se é jovem [...] era mais ou menos óbvio para mim que um dia iria tornar-me campeão do mundo.

Em criança, estava a caminho do sucesso, realizando sessões de treino de seis horas com o treinador na altura. Apesar de desde então ter colhido os frutos, conseguir manter esse foco desde tenra idade foi "muito difícil".

"Demora muito tempo, principalmente, temos de nos concentrar no xadrez e apenas no xadrez. Temos de participar em muitos torneios, pensar sempre no xadrez."

Tornou-se Grande Mestre aos 15 anos e ganhou uma série de prémios como concorrente júnior, incluindo o Campeonato Europeu de Sub-14.

Agora classificado como nº 15 do mundo, é conhecido pelo seu estilo criativo de jogo e capacidade de tomar decisões rápidas.

Mas mesmo sendo um adversário de alto nível, Duda diz que ser capaz de desligar-se do que o rodeia e dar toda a sua atenção à partida em questão pode ser um desafio. De tempos a tempos, diz que pontua os seus jogos levantando-se e andando, de forma a manter um equilíbrio.

"Eu diria que o meu nível de concentração é provavelmente um pouco inferior ao dos meus colegas.

"Tendo em conta a minha idade [...] Devia ser capaz de fazer uma coisa de cada vez, mas às vezes, gosto de pensar noutra coisa durante a partida.

"É preciso encontrar um equilíbrio, basicamente como em tudo na vida"

"É preciso adorar mesmo o jogo"

Embora os três Grandes Mestres tenham seguido percursos alternativos para o sucesso, o que os une é a sua fidelidade ao seu ofício.

Giri diz que tem uma paixão inalterada pelo xadrez que sustenta a sua ambição, e alimenta o seu desejo de trabalhar arduamente.

"É preciso adorar o jogo e isso costuma estar associado a qualidades-chave. Devemos estar bem para estarmos por nossa conta normalmente, estar sem outras pessoas por perto e não sentir que nos falta alguma coisa, só para nos sentirmos bem connosco, connosco e com os nossos pensamentos.

"Só para mergulhar em algo e esquecer tudo o resto."

Carlsen concorda.

"Pessoalmente, não tenho 100% de certeza de quais são as principais competências de um jogador de xadrez de topo, porque normalmente quando as pessoas me perguntam como fazemos isto e aquilo, não sei, já o faço há muito tempo e digo porque algo está bem e algo está mal", diz.

"Paciência, e ter a capacidade de ser analítico [...] aprender com os erros é importante. É importante tomar decisões rápidas e ser capaz de ter confiança nelas porque muitas vezes são baseadas em dados bastante limitados."

"É muito difícil para mim dizer se as minhas capacidades são transferíveis. Acho que o que muita gente diz é que jogar xadrez pode ajudar noutras partes da vida.

"Mas se se jogar xadrez apenas, só se será bom no xadrez. É o que sei. Até agora só tentei o xadrez, por isso é a única coisa em que sei que sou bom."

 Alvin Whitney, da CNN, contribuiu para este artigo.

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