“Escandaloso.” Advogados arrasam decisão do Ministério Público de deter Manuel Pinho

14 dez 2021, 16:30

Juristas contrastam detenção do ex-ministro da Economia com a de João Rendeiro: não tem nada que ver, defendem. E criticam o Ministério Público

A detenção do antigo ministro Manuel Pinho está a gerar críticas junto dos advogados, que não percebem a justificação e o timing que levaram a que o facto tenha ocorrido agora.

O advogado Manuel Magalhães e Silva até admite que a fuga de João Rendeiro possa ter precipitado a detenção de Manuel Pinho. Para o jurista, no entanto, a medida aplicada pelo Ministério Público ao ex-ministro da Economia não se justifica.

“Não há nenhuma indicação de qualquer receio de fuga. É difícil de pensar que mais de 10 anos depois de se iniciar a investigação ainda sejam necessárias medidas deste tipo”, afirmou à CNN Portugal, lembrando que ambos o suspeito se tem mostrado disponível para colaborar com a Justiça.

O especialista em Direito Penal fala mesmo numa “situação escandalosa”, e pede que a Procuradoria-Geral da República “esclareça publicamente” qual o receio de fuga que existe em relação a Manuel Pinho.

Questionado com o facto de Manuel Pinho ter residência em Espanha, Magalhães e Silva diz que isso não justifica a alteração, frisando que o ex-ministro se tem colocado à disposição das autoridades portuguesas sempre que necessário.

“Não há nenhum elemento que justifique qualquer receio de não colaboração com a ação da Justiça”, acrescentou.

"Perversão das regras"

Da mesma opinião é Paulo Saragoça da Matta, que fala numa “perversão das regras, que não é admissível”. O advogado diz mesmo que a detenção é “absolutamente ilegal e escandalosa”.

Admitindo não conhecer o processo por inteiro, o jurista diz que isso não o impede de perceber que há algo de errado na situação, defendendo por várias vezes que a aplicação das medidas de coação não é um motivo para a detenção.

“O Ministério Público tem todo o direito de aplicar a coação. Mas deter? Manuel Pinho apresentou-se sempre voluntariamente”, diz, afastando dessa forma um eventual perigo de fuga.

Para Saragoça da Matta, nem mesmo a questão de a residência de Manuel Pinho estar localizada na cidade espanhola de Alicante pode ser um fator decisivo, relembrando a disponibilidade constante do antigo ministro para se apresentar às autoridades.

Ouvido pela CNN Portugal, o advogado vai mais longe, e diz que esta situação levanta uma questão: “Tem de ser pensada a função do Ministério Público. Estou chocado e não tenho nada que ver com o caso. Isto é da lei, é da Constituição”, acrescentou o advogado de Direito Penal.

Sobre uma eventual relação da detenção com o caso da fuga de João Rendeiro, Saragoça da Matta separa os casos, apontando diferenças, nomeadamente a colaboração de Manuel Pinho com a Justiça.

Defesa fala em "abuso de poder"

O advogado de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes, salienta que os crimes imputados ao ex-ministro são basicamente os mesmos, "apenas mudando" o juiz de instrução.

"Desde 6 de dezembro que o titular do processo é o Dr. Carlos Alexandre, que é uma pessoa encantadora como se sabe, mas que tem uma perspetiva diferente das medidas de coação", afirmou.

Sá Fernandes acusa Carlos Alexandre de "abuso de poder" e lembra que Manuel Pinho compareceu em tribunal "todas as vezes em que foi chamado".

Sá Fernandes lamentou a detenção, que considera que aconteceu porque o Ministério Público "entendeu que, mudando o juiz, tem condições para aplicar uma medida de coação que outro juiz não teria".

"A Justiça não pode funcionar assim. Acho que isto é uma situação de grave abuso de poder. O Ministério Público não pode escolher os juízes que servem melhor os seus propósitos", reafirmou o advogado, que considera que o dia de hoje é "um dia triste para a Justiça portuguesa".

Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo.

No processo EDP/CMEC, o Ministério Público imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.

O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.

O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho João Conceição, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD, e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas.

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