Na parte I da entrevista ao Maisfutebol, João Carlos Teixeira apresenta-nos a filosofia de jogo de Arne Slot, próximo treinador dos «reds», com quem trabalhou no Feyenoord. O neerlandês sempre foi «honesto» com o médio luso e, apesar de lhe ter dado poucos minutos, conseguiu conquistá-lo nos treinos
João Carlos Teixeira fez as malas na reta final da formação e deixou o Sporting para assinar pelo Liverpool. Estreou-se sob a mão de Brendan Rodgers, mas é de Jürgen Klopp que guarda as melhores memórias, embora tenha andado emprestado nas divisões inferiores inglesas para ter um «upgrade» físico.
Regressou a Portugal em 2016, pelas portas do FC Porto, um clube que o fez sentir a pressão de ganhar e onde encontrou um dos melhores balneários da carreira, apesar da relação atribulada com Nuno Espírito Santo.
Não chega a jogar com Sérgio Conceição, mas ainda sofreu na pele a dureza da pré-época, antes de ser emprestado ao Sp. Braga. Esteve durante três épocas a viver na terra natal, cumpriu o sonho de ser pai, mas voltou a aventurar-se no estrangeiro.
Nos Países Baixos, trabalhou com Arne Slot, um treinador mais reservado que irá ocupar a vaga deixada por Klopp. O neerlandês desde cedo destacou-se pela variedade de exercícios nos treinos e pela postura com os jogadores, o que o pode ter ajudado a conseguir superar Ruben Amorim no lote de candidatos à pesada herança de Anfield.
Em entrevista ao Maisfutebol, João Carlos Teixeira recordou várias fases da carreira. Entre elas, a passagem pelo Feyenoord, onde trabalhou com Slot. Nesta parte I, o médio luso detalha o trabalho do treinador neerlandês e projeta o futuro do Liverpool pós-Klopp.
PARTE II: «Quem não estivesse no peso certo, sofria bastante com Conceição»
PARTE III: «Ninguém conhecia o Aursnes. Ele começa a jogar e "ui, quem é este jogador?"»
PARTE IV: João Carlos Teixeira em Xangai: «Existem coisas muito estranhas que nem sei o que são»
Maisfutebol - Compreendeu a saída de Jürgen Klopp nesta altura ou apanhou-o de surpresa?
João Carlos Teixeira - Apanha toda a gente de surpresa, ninguém esperava que saísse, mas é compreensível. Ele deu o motivo do cansaço e é compreensível. É muito tempo ao serviço do clube, muita pressão, muitas viagens, muitas conferências de imprensa… Numa equipa grande como o Liverpool, onde ganhar é obrigatório – e ele também elevou a fasquia lá – o cansaço é evidente.
Na altura do anúncio, surgiram vários nomes, como o Xabi Alonso, que mais tarde disse que ia ficar no Leverkusen…
E o Ruben Amorim.
Exato. Depois de Xabi Alonso, centraram-se em Amorim e Arne Slot. Há aqui um padrão?
O padrão é que os três ganham, são três treinadores jovens, que são inovadores e frescos no processo de aprendizagem, mas o mais importante é que são treinadores vencedores. São modernos e isso é um ponto comum. O Liverpool procura alguém para ficar lá muitos anos.
Entende este fenómeno à volta de Ruben Amorim? Parece que não há um jogador que não goste dele.
Nunca trabalhei com o Ruben, mas entendo este fenómeno. Nota-se que é alguém que sabe lidar bem com os jogadores e que os trata com respeito. Tem bons processos e terá uma boa voz de liderança, acabando por conquistar os jogadores assim. Depois, tem outra parte muito importante: ganha. Ao ganhares, o grupo fica mais forte.
Esse é um perfil que encaixa nos clubes grandes de Inglaterra?
Sim. Mais cedo ou mais tarde, acho que vai acontecer.
Trabalhou vários anos com Klopp e meia época com Arne Slot. Klopp gosta muito de intensidade e pressão alta. Ao nível do estilo de jogo, são treinadores parecidos?
Acho que taticamente são parecidos. Têm personalidades muito diferentes, mas em termos de jogo não é assim tão diferente. É muita intensidade, muita pressão e muito jogo ofensivo. São idênticos nisso, em querer um jogo rápido, com posse de bola. Não é tanto como uma equipa de Guardiola, que dá muitos toques na bola até chegar à outra baliza, é um jogo mais trabalhado. Com eles, se tiverem de chegar em dois ou três jogos, vão fazê-lo.
Em Portugal temos a ideia de que no futebol neerlandês há muitos golos e as equipas têm problemas na defesa. Pode ser uma dificuldade para ele?
Quando estive com ele no Feyenoord, tínhamos uma equipa muito boa e marcávamos muitos golos. Éramos organizados defensivamente, mas corríamos alguns riscos. Às vezes, ficava um para um atrás. Por exemplo, ficava um avançado contra um central e o outro central estava à frente com o número 10, não existia o dois para um. Arriscava-se quase homem para homem para fazer uma pressão forte. Obviamente, a Premier League não é como nos Países Baixos. Na Premier, todas as equipas conseguem magoar-te. Ele vai ter de se adaptar por aí, mas acredito que tem noção disso.
Vimos o impacto da saída de Klopp pelas imagens da despedida. Suceder a uma pessoa que era adorada desta maneira não será fácil.
Não será fácil, mas ele não vai querer ir para lá tirar o lugar do Klopp. Vai chegar lá, querer fazer o seu trabalho bem feito e acredito que vai, à sua maneira, conquistar os adeptos como fez o Klopp. O Slot é mais calmo, mais tranquilo, o Klopp é mais apaixonado e sempre vibrou com os adeptos, que o adoram por essa conexão. Quando a equipa precisava e ele pedia ao estádio para apoiar, aquilo tornava-se num autêntico inferno. Não se ganhava há muito tempo no Liverpool e foi campeão da Premier League e da Champions.
Arne Slot também é um treinador muito próximo dos jogadores?
O Klopp é mais de abraço, de toque. O Arne também é brincalhão e fala com os jogadores, mas tem o seu jeito mais tímido. Não é igual ao Klopp em termos de personalidade.
Houve algo que o marcou em Arne Slot?
Só tenho coisas positivas a dizer dele, apesar de não ter jogado muito. Aprendi muito com ele nos treinos. Sempre foi muito honesto e frontal, que é algo que os jogadores apreciam.
Chegou a dizer que, apesar de não ter jogado muito com ele, tinha a certeza de que ia ser um grande treinador.
Claramente. No treino, a explicar os exercícios, tinha um treino dinâmico, intenso…. Tens muitos exercícios com o mesmo fim, mas ele não procurava ser repetitivo, de ser sempre o mesmo exercício todas as semanas, para não cansar o jogador. Surpreendeu-me pela positiva. Não fazia ideia de quem ele era quando chegou ao Feyenoord, mas aprendi muito com ele.
Já comparou Klopp a Conceição. Há algum treinador português com quem poderia comparar Slot?
Dos que tive, diria Abel Ferreira ou Luís Castro. Talvez mais Abel.