“A morte de um filho é uma cicatriz para a vida”. Deputados em contrarrelógio para aprovar luto de 20 dias

24 nov 2021, 21:31
Comissão Permanente de Tancos

Parlamentares querem ter a mudança fechada já esta sexta-feira, antes da dissolução do Parlamento. Texto final deverá contar com novas regras também para luto relativo a filhos que morreram ainda no útero.

Pedro Bello lutou, até ao último minuto, pela vida da filha. Mas o cancro, mais forte do que a vontade da família, levou Joana aos 16 anos. Não há palavra na língua portuguesa que descreva a nova condição deste pai. “A minha forma de superar isto foi entregar-me ao trabalho. Mas sei que não é assim com a maioria das pessoas”, conta à CNN Portugal. O casamento não aguentou esta perda e a casa mergulhou num “silêncio sepulcral”.

Pedro vai sentar-se nesta quinta-feira, 25 de novembro, nas galerias da Assembleia da República, enquanto os deputados votam as nove propostas para aumentar de cinco para 20 dias o período de luto pela morte de um filho. Fá-lo enquanto pai e voluntário da Acreditar, a associação que ajuda famílias de crianças com cancro e que conseguiu colocar o tema no Parlamento, com uma petição com mais de 83 mil assinaturas.

"Dois anos depois da morte da Joana, dava por mim a ir e vir do trabalho a chorar. A cicatriz fica para a vida toda”, resume. Ainda assim, este antigo funcionário da banca garante que a passagem do luto para 20 dias vai permitir a inúmeras famílias “reorganizar” as suas vidas, arrumando os pertences do filho perdido, ajudando a apoiar outros irmãos ou mesmo a tratar da burocracia.

Os deputados têm pressa em fechar este tema antes da dissolução da Assembleia da República no final de novembro, para que esse passo não atire o tema para a próxima legislatura. Por isso, depois da votação das propostas em plenário, os parlamentares vão reunir-se logo em comissão para acertar um texto comum. O mesmo sobe, no dia seguinte, para votação final global, confirmou a CNN Portugal junto dos diferentes partidos.

Nove propostas, uma vontade

À boleia da petição da Acreditar, PS, PSD, Bloco de Esquerda, PCP, PAN, Iniciativa Liberal, Chega e as duas deputadas não inscritas fizeram entrar no Parlamento oito propostas para aumentar o período de luto parental para 20 dias, alterando o Código do Trabalho. A aprovação, neste elemento concreto, é praticamente certa. “Existe uma grande convergência entre os vários partidos”, refere José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda.

Além dos bloquistas, o PAN e as deputadas não inscritas aproveitam a oportunidade para lançar outro tema: o do luto gestacional. Para a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, a morte de um filho ainda no útero é “um luto invisível, que a sociedade nem sempre reconhece”, implicando grande sofrimento à mulher. É esperado que a esquerda se alinhe para introduzir este novo período de luto no texto comum, estabelecendo igualmente uma dispensa do trabalho até 20 dias para ambos os pais.

Luto por morte antes do parto é um dos temas trazidos para a discussão. Foto: Reuters

Já o PSD, também preocupado com o lado das empresas, insere na sua proposta uma particularidade. “A diferença do nosso projeto de lei é quem suporta estes encargos”, explica a deputada Sandra Pereira. A lei define, atualmente, que os cinco dias de luto são cobertos pela empresa. Os sociais-democratas querem agora, com o novo período, que os restantes dias sejam cobertos pela Segurança Social. Sandra Pereira explica que não haveria uma sobrecarga considerável sobre o Estado já que, em muitos casos, as famílias têm já recorrido a baixas para ter um período de luto maior pela morte de um filho.

A CNN Portugal procurou também um contributo do PS, que não foi possível até à publicação deste artigo. A proposta socialista reconhece a “manifesta insuficiência da resposta da atual legislação laboral” e cita outros exemplos europeus: se na Dinamarca é dado um período de 26 dias aos pais, há outros onde esse direito é de apenas um dia, como acontece em Itália, Malta e Eslováquia.

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