Três dias de luto pela morte de Isabel II: entre a "justa homenagem" e a "decisão pacóvia", a polémica está instalada

16 set 2022, 17:12

A rainha de Inglaterra vai ter direito a uma homenagem do Governo português que se equipara à de chefes de Estado como Mário Soares ou Jorge Sampaio. E há já partidos que estão contra

Três dias de luto nacional pela morte da rainha Isabel II: a homenagem do Governo português à monarca britânica vai decorrer nos dias 18, 19 e 20 de setembro, mas a decisão já está a gerar celeuma. 

A homenagem está ao nível do que aconteceu com chefes de Estado nacionais, como Jorge Sampaio (2021) e Mário Soares (2017), ou outras figuras de renome do país como Eusébio (2014) e Amália (1999). O mesmo luto também aconteceu no caso das vítimas dos incêndios de outubro de 2017 e no das vítimas do fogo de Pedrógão Grande no mesmo ano. Por outro lado, supera o que foi decretado após a morte de outras personalidades desde antigos Presidentes, casos do marechal António de Spínola (dois dias em 1996) e do marechal Costa Gomes (dois dias em 2001), ao Nobel José Saramago (dois dias em 2010) ou ao célebre realizador Manoel de Oliveira (dois dias em 2015). 

A decisão foi aprovada quinta-feira em Conselho de Ministros e justificada pelo Executivo, em comunicado, como "uma justa homenagem" à monarca que "marcou a segunda metade do século XX e o primeiro quartel do século XXI". “Sua Majestade a Rainha Isabel II do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte marcou profundamente a segunda metade do século XX e o primeiro quartel do século XXI. Assim, neste momento de prolongado e profundo luto no nosso mais antigo Aliado, entende o Governo declarar o luto nacional nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2022", lê-se na nota divulgada.

Mas, para o Bloco de Esquerda, os argumentos apresentados pelo Governo de António Costa não colhem. Numa publicação partilhada no Twitter, o líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, criticou a decisão, que considera "ridícula e pacóvia". O deputado defende que este luto nacional "não representa o sentimento popular e republicano". "O Governo português declara três dias de luto nacional pela morte de Isabel II. É tanto ridículo como pacóvio", vinca nessa mensagem.  

Também o PCP, numa resposta enviada à CNN Portugal, considera que se trata de "uma decisão injustificada".

"Certamente temos mais a ver com Isabel II do que com o imperador Hirohito”

A decisão de decretar três dias de luto nacional após a morte de um chefe de Estado estrangeiro não é inédita, mas é preciso recuar algum tempo para constatar exemplos idênticos. Questionado pela CNN Portugal, o comentador de política Sebastião Bugalho começa por lembrar isso mesmo: nota que o país já decretou três dias de luto nacional nos casos de Nelson Mandela (2013), Anwar Al Sadat, presidente do Egito, em 1981, de Samora Machel, presidente de Moçambique, em 1986, e do imperador Hirohito do Japão, em 1989. Por isso, o luto pela morte da rainha britânica parece-lhe "a coisa mais normal do mundo".

“Olhando em retrospetiva, parece-me a coisa mais normal no mundo e certamente temos mais a ver com Isabel II do que com o imperado Hirohito”, acrescenta.

Sebastião Bugalho considera que “aquilo que define uma personalidade histórica de dimensão é o facto de ela ser incomparável” e que esse era o caso da rainha, que morreu no dia 8 de setembro, aos 96 anos.  

Já sobre o facto de, nos últimos anos, o mesmo período de luto nacional ter sido decretado após a morte de chefes de Estado como Jorge Sampaio ou Mário Soares, o comentador defende que "os lutos não podem ser torneios de figuras incomparáveis”. “Esta ideia de andarmos num torneio de personalidades históricas ignora o facto de termos tido chefes de Estado de grande dimensão e de termos sido aliados de personalidades de dimensão igualmente extraordinária”, vinca.

Bugalho vai mais longe e, numa farpa direta às vozes dissonantes, afirma: “As pessoas que são incomodadas com o luto são as únicas que estão a perder tempo com ele." 

Na mesma linha, o comentador de política da CNN Portugal Rui Calafate defende que o luto nacional por causa da morte da rainha Isabel II se justifica dado que Inglaterra “é o nosso aliado mais antigo”. Por outro lado, nota que “Isabel II é uma figura que até em Portugal desperta o maior respeito e admiração”, sublinha. Rui Calafate considera que este tipo de decisões suscitam sempre críticas e lembra que também houve quem estivesse contra “quando declararam um luto nacional de três dias pela morte do Eusébio”.

Já Helena Ferro Gouveia mostra-se surpreendida com as repercussões que este anúncio está a gerar nas redes sociais. A especialista em assuntos internacionais e comentadora da CNN Portugal considera que a decisão "é absolutamente normal face à morte um chefe de Estado" e lembra que já aconteceu noutras ocasiões. Mais, Ferro Gouveia acrescenta que o luto nacional "não tem implicação nenhuma" a não ser a bandeia a meia haste. 

"Confrangedor" e" injustificável"

Mafalda Anjos, por seu lado, acha que a decisão é "injustificável". A diretora da revista Visão e comentadora da CNN Portugal utiliza mesmo a palavra "confrangedor" para se referir ao caso. "Acho injustificável - e mesmo confrangedor - termos, em Portugal, três dias de luto nacional pela morte da rainha de Inglaterra. O mesmo que Mário Soares e Amália, mais do que os nossos Saramago, Paula Rego, Carlos do Carmo ou Eunice Muñoz", escreveu nas redes sociais.

Questionada pela CNN Portugal, a comentadora sublinha que "o facto de outros chefes de Estado estrangeiros terem recebido os mesmos três dias de luto não justifica esta decisão". Mafalda Anjos defende que "más opções não devem fazer precedente numa matéria que tem de ser avaliada a cada momento". 

"Infelizmente, acho que revela um certo provincianismo com os temas da coroa que perdura e que não se compreende numa República e, já agora, com um governo socialista", acrescenta. 

O luto nacional estende-se a todo o país e é decretado pelo Governo. Apesar de não obrigar ao cancelamento de eventos e festividades, é habitualmente isto que acontece por uma questão de respeito. A Iniciativa Liberal, por exemplo, anunciou esta sexta-feira que decidiu adiar para outubro as jornadas parlamentares que estavam marcadas para a próxima segunda e terça-feira por coincidir com dias do luto nacional pela morte da rainha Isabel II.

Até agora, o maior período de luto nacional - cinco dias - foi decretado em 1980, com o caso Camarate e a morte do então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, e do ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa.

Recorde alguns dos acontecimentos e personalidades que tiveram direito a luto nacional decretado pelo Governo: 

Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa (1980) - 5 dias

Jorge Sampaio (2021) – 3 dias

Mário Soares (2017) - 3 dias

Amália (1999) - 3 dias

Eusébio (2014) – 3 dias

Vítimas do incêndio de Pedrógão Grande (2017) – 3 dias

Vítimas dos incêndios de outubro de 2017 – 3 dias

Vítimas de acidente de autocarro na Madeira (2019) – 3 dias

Nelson Mandela (2013) – 3 dias

Papa João Paulo II (2005) – 3 dias

Atentados 11 de Setembro (2001) – 3 dias

Tempestade na Madeira de 2010 – 3 dias

Acidente ferroviário de Alcafache( 1985) – 3 dias

Imperador Hirohito do Japão (1989) – 3 dias

Entre-os-Rios (2001) – 2 dias

Marechal António de Spínola (1996) – 2 dias

Marechal Costa Gomes (2001) – 2 dias

José Saramago (2010) – 2 dias

Manoel de Oliveira (2015) – 2 dias

Paula Rego (2022) – 1 dia

Eunice Muñoz (2022) – 1 dia

Carlos do Carmo (2021) – 1 dia

Eduardo Lourenço (2020)  – 1 dia

Gonçalo Ribeiro Telles (2020) – 1 dia

Vítimas da pandemia (2020) – 1 dia

Agustina Bessa-Luís (2019) – 1 dia

Freitas do Amaral (2019) – 1 dia

Vítimas de queda de árvore na Madeira (2017) – 1 dia

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