Polícia brasileira deteve quatro militares e um polícia suspeitos de planearem a operação "Punhal Verde e Amarelo", que previa morte do recém-eleito presidente Lula da Silva e do seu vice Geraldo Alckmin. A ideia era impedir a esquerda de tomar o poder e, pelo meio, permitir um golpe de Estado
O plano chamava-se "Punhal Verde e Amarelo" e deveria ter sido executado a 15 de dezembro de 2022 com o assassínio do presidente eleito Lula de Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin. O objetivo era "extinguir a chapa presidencial vencedora do pleito de 2022", de acordo com as mensagens trocadas pelos suspeitos, que usavam o nome Jeca para se referirem a Lula, enquanto Alckmin era chamado de Joca. O plano também incluía a execução do juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que era chamado de “Professora”.
O plano acabou por não se concretizar mas esta terça-feira a Polícia Federal (PF) brasileira deteve cinco suspeitos de integrarem uma organização criminosa que, segundo as investigações, planeava um golpe de Estado em 2022 para impedir a tomada de posse de Lula.
Os detidos preventivamente na Operação Contragolpe são:
- Mário Fernandes: general na reserva, foi secretário executivo da secretaria-geral da Presidência no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em março deste ano foi demitido pelo Partido Liberal do gabinete do deputado federal Eduardo Pazuello, do Rio deJaneiro. Nessa altura, já era investigado no inquérito que apura o planeamento de um golpe de Estado para reverter o resultado das eleições de 2022. Por ser alvo de investigações, Mario não poderia exercer função pública.
- Hélio Ferreira Lima, natural do Rio de Janeiro, tenente-coronel do Exército Brasileiro.
- Rafael Martins de Oliveira, major do Exército Brasileiro, conhecido como JOE, com formação em forças especiais.
- Rodrigo Bezerra de Azevedo, major do Exército Brasileiro, mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro.
- Wladimir Matos Soares, polícia federal.
Os quatro primeiros, militares, são elementos dos "kids pretos", um grupo de militares formados pelo Curso de Operações Especiais do Exército Brasileiro, treinados para atuar em missões sigilosas e em ambientes hostis e politicamente sensíveis.
Segundo a Folha de São Paulo, os suspeitos utilizavam a aplicação Signal num grupo nomeado "Copa 2022", onde cada um utilizava o nome de uma seleção (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana), de forma a não serem identificados. "Copa 2022" é também o nome de um documento que o suspeito Rafael Martins Oliveira enviou por WhatsApp ao também militar Mauro Cid, na época ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro. À CNN Brasil, investigadores disseram que o ex-tenente-coronel participou nas reuniões.
De acordo com o relatório da polícia, agora divulgado pelos meios de comunicação brasileiros, os interlocutores estariam a juntar mais pessoas do Rio de Janeiro para apoiar a execução das ações clandestinas que seriam realizadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022. Inicialmente, Rafael Martins tentou passar o documento a partir da aplicação UNA, utilizada pelo Exército Brasileiro. Depois, encaminhou-o por WhatsApp.
Já num disco externo pertencente a Mário Fernandes foi encontrado um documento de Word com o nome “Fox_2017.docx” que, segundo a PF, continha "um verdadeiro planeamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco". Os suspeitos terão detalhado os recursos humanos e bélicos necessários, com uso de técnicas operacionais militares avançadas, e criação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, a ser integrado pelos próprios investigados para gerir conflitos institucionais posteriores.
O designado como “Punhal Verde e Amarelo” previa que para execução do presidente Lula, "considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico" seria a mais indicada, lê-se no relatório da PF.
Existiria ainda um quarto alvo, chamado de Juca, citado como "iminência parda do 01 e das lideranças do futuro gov", de modo que a sua neutralização desarticularia os planos da "esquerda mais radical". Mas a Polícia Federal não conseguiu identificar quem seria o alvo.
Os agentes realizaram buscas em três endereços e deram cumprimento a 15 medidas cautelares diversas da prisão - proibição de manter contacto com os demais investigados; proibição de se ausentar do país, com entrega de passaportes no prazo de 24 horas; e a suspensão do exercício de funções públicas. O Exército Brasileiro acompanhou o cumprimento dos mandados nos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas e Distrito Federal.
Criar o ambiente propício a um golpe de Estado
O relatório da PF mostra que a organização, que planeava matar o então presidente recém-reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tinha também o objetivo de “incitar” a população de direita a resistir em frente aos quartéis do Exército para criar o ambiente “propício” para um golpe de Estado. Através de vários canais, sobretudo nas redes sociais, a organização fazia ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, e divulgava fake news sobre possíveis fraudes nas eleições de 2022, que resultaram na derrota do então presidente Jair Bolsonaro.
De acordo com a PF, os factos criaram o ambiente propício para o “florescimento de um radicalismo”, que resultou no episódio que ficou conhecido como 8 de Janeiro, quando manifestantes invadiram e vandalizaram os prédios dos Três Poderes, e no atentado à bomba realizado no mesmo local, em 13 de novembro de 2024.
Em fevereiro, uma operação relacionada essa tentativa de golpe de Estado resultou na detenção de militares do Exército e um ex-assessor da Presidência, com buscas que visaram uma série de aliados de Bolsonaro. O ex-presidente foi um dos alvos dos 33 mandados de busca e apreensão naquela operação, chamada Tempus Veritatis (hora da verdade), sendo obrigado a entregar o passaporte.
Nos últimos meses, a polícia brasileira, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal avançaram com investigações e punição dos executores dos atos, mas as autoridades ainda não chegaram a uma conclusão sobre a participação ou não do ex-presidente Jair Bolsonaro na sua instigação. Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, Bolsonaro poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.