A Associação Frente Cívica lembra que o chefe do Governo não declarou incompatibilidades, mas admitiu que havia um impedimento relativamente ao grupo Solverde que não está registado
“A lei não impede” o primeiro-ministro, Luís Montenegro, “de ter ou ser sócio de uma empresa”, explica à CNN Portugal Paulo Veiga Moura, especialista em Direito Administrativo. No entanto, para João Paulo Batalha, vice-presidente da Associação Frente Cívica, o líder do Governo “não está a cumprir a lei” já que na declaração entregue na Entidade da Transparência não indicou “atos e atividades suscetíveis de gerarem compatibilidades e impedimentos” - documento onde deveria constar, por exemplo, o trabalho que efetuou para a Solverde.
Mesmo sem o impedimento da lei e perante o facto de a empresa Spinumviva estar no nome da mulher e dos filhos, Paulo Veiga Moura considera que factualmente “o primeiro-ministro colhe os louros da empresa, porque é casado em comunhão de bens, portanto, o que a mulher ganhar através da empresa é para ele também”. O especialista lembra que a Constituição prevê que os titulares de cargos públicos tenham “imparcialidade e isenção” no exercício dos cargos, mas que “não basta ser imparcial”, “é preciso parecer imparcial”.
“Se o Governo der a concessão novamente à Solverde, vai ficar sempre a suspeita na comunidade - ainda que mereça ganhar - que ganhou porque andou a financiar o primeiro-ministro durante não sei quantos anos.” Paulo Veiga Moura entende, por isso, que a imparcialidade “está ferida”.
Contudo, para o advogado especialista em Direito Administrativo, “a questão é política, não é jurídica”, porque olhando para a Lei das Incompatibilidades a empresa detida pela família de Luís Montenegro apenas não pode concorrer a concursos públicos.
Mas comparando o caso do primeiro-ministro com o do seu ex-secretário de Estado Hernâni Dias, Paulo Veiga Moura lembra que Luís Montenegro “aceitou a demissão" de um governante “que não tinha nada". “Só tinha criado uma empresa, não tinha recebido nada de ninguém, não tinha feito nada ainda. Se aceitou a demissão é porque achava que havia fundamentos para o demitir”, considera, questionando: “O que é válido para o secretário de Estado já não é válido para ele? A imparcialidade que um secretário de Estado tem de ter não vale para o primeiro-ministro?”
"Primeiro-ministro não está a cumprir a lei"
Para João Paulo Batalha, “estamos a falar sobretudo de questões de domínio ético”, mas não só. E, na sua opinião, “o primeiro-ministro não está a cumprir a lei”.
É obrigatório os políticos entregarem uma declaração “na Entidade para a Transparência com o património, rendimentos, registo de interesses”. Antes eram várias, agora é apenas uma que reúne a informação de todas. E há um ponto que diz que “esta declaração deve incluir os atos e atividades suscetíveis de gerarem incompatibilidades e impedimentos”. E a do primeiro-ministro não inclui.
João Paulo Batalha lembra que próprio primeiro-ministro admitiu no Parlamento que tinha uma ligação de amizade com um dos responsáveis da Solverde e que não iria tomar nenhuma decisão relativa a esta empresa, pedindo “escusa”. Ou seja, “reconheceu que havia um impedimento”, recorda. “E esse impedimento devia estar registado e não está”, sublinha.
Até porque, "a única maneira de monitorizar estes impedimentos é eles estarem registados". "Portanto, o primeiro-ministro devia ter registado o grupo Solverde como cliente, como devia registar os outros clientes". E considera que, "neste sentido, temos aqui um problema de má conduta ética - no sentido de falta de registo - de falta de transparência e de falta de clareza a evitar conflitos de interesses".
Mas não só. Para o vice-presidente da Associação Frente Cívica há "um incumprimento da lei": "Um incumprimento do próprio Código de Conduta do Governo, que diz que os membros do Governo devem agir imediatamente, estou a citar de cor, para evitar sanar ou fazer cessar os conflitos de interesses." "Andamos nisto há duas semanas e o primeiro-ministro não fez nada", critica.
Pior do que a questão da lei dos solos e empresas imobiliárias, cujos negócios ficam registados, a "atividade de consultoria levanta ainda mais problemas porque é ainda mais difícil de escrutinar", indica João Paulo Batalha. Mas este "caso revela também que não temos entidades a funcionar para atalhar este tipo de problemas", diz, acrescentando que "uma entidade como a Entidade para a Transparência devia servir para recolher estes registos de interesse e património, fazer uma avaliação e aconselhar" os próprios políticos.
"O primeiro-ministro admite que a Hernâni Dias foi imprudente, mas a imprudência de Hernâni Dias não se compara com a do próprio Luís Montenegro", defende, apontando: "O secretário de Estado demitiu-se porque é relativamente fácil, apesar de tudo, substituir um secretário de Estado. O ministro não se demitiu porque é mais difícil substituir um ministro e tem um desgaste político maior para o Governo, mas o ministro não extinguiu a empresa, vendeu-a e saiu da empresa. E quando chegou ao primeiro-ministro, a ideia era não acontecer nada, não fazer nada, não resolver nada, porque o primeiro-ministro é um problema enorme substituir."
Por isso, para João Paulo Batalha, "o primeiro-ministro não tem outra solução que não seja ou vender a empresa ou extingui-la, podendo eventualmente retomá-la mais tarde quando acabar a sua carreira política".