O assistente técnico que fez mais de 50 jogos pelo Benfica

28 abr 2022, 09:10
Luís Carlos

Luís Carlos trabalha para a Câmara no Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António e não esquece o passado na Luz: «Tudo piorou quando foram buscar os ingleses»

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Luís Carlos teve uma ascensão meteórica. Em junho de 1997, estava a ajudar o Nacional na fase final do campeonato da II Divisão B, o terceiro escalão do futebol português. Oito meses depois, surgia no onze do Benfica para um clássico com o FC Porto no Estádio das Antas.

O esquerdino que brilhou com as camisolas de Oriental, Nacional e Salgueiros teve uma passagem agridoce pelo clube da Luz. Arrancou da melhor forma, fez meia época de bom nível, agarrou a titularidade com Graeme Souness e chegou à seleção nacional. Porém, foi perdendo espaço.

23 jogos de janeiro a maio na temporada 1997/98, 21 na época seguinte e apenas dez sob o comando técnico de Jupp Heynckes. Em 2000, terminou a ligação ao Benfica com um registo de 54 jogos, um golo e seis assistências.

A caminho dos 28 anos, Luís Carlos procurou a felicidade em outras paragens, sem voltar a alcançar um nível elevado: representou Estrela da Amadora, Atlético e Estoril até rumar ao Beira Mar de Monte Gordo, clube em que viria a terminar a carreira, em 2007.

Depois de algumas experiências como treinador no futebol algarvio, o antigo jogador começou a trabalhar para a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António no Complexo Desportivo da cidade, como assistente operacional, em 2012.

«Acabei a carreira como jogador do Beira Mar de Monte Gordo, depois voltei, e fiquei como treinador em definito na temporada 2007/08. Fizemos história no clube, com a subida à II Divisão B, mas acabei por sair à terceira ou quarta jornada da época seguinte, porque o clube estava já com muitos problemas nos pagamentos», começa por explicar, ao Maisfutebol.

Luís Carlos ainda passou por outros dois clubes como treinador, mas o futuro apontava em outra direção: «Estive no Moncarrapachense nos últimos meses de uma época e depois no Castromarinense, que era uma realidade diferente, na primeira distrital. Fizemos uma época boa para o clube que era, ficámos no quarto lugar.»

«Nessa altura comecei a trabalhar e comecei a ficar sem tempo para o futebol, porque estava a falhar com a família. Acabei por me afastar. Depois, tive uma altura em que não arranjava trabalho, nem no futebol, nem fora dele. Nunca fui de pedir nada a ninguém, mesmo como treinador, nunca foi do meu feitio, apesar de conhecer muita gente», salienta o esquerdino.

O antigo jogador do Benfica viria a reencontrar a estabilidade no Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António, ao serviço do Câmara: «Comecei na Câmara em 2012/13. Inicialmente era como assistente operacional e agora tenho a categoria de assistente técnico.»

O Complexo Desportivo - dotado de um estádio, nave desportiva, piscina, pavilhão e centro de ténis e padel - recebe com regularidade clubes e atletas das mais diversas modalidades. Luís Carlos está diariamente no espaço, a garantir que tudo corre como o planeado.

«Os clubes ou atletas fazem as reservas e nós temos de tratar das condições de treino, das ocupações do espaços de treinos, dos balneários, da logística diária, etc. É interessante porque eu só estava ligado ao futebol e nestes últimos anos tenho aprendido muito sobre todo o tipo de desportos»

Nélson Évora, por exemplo, tem estado a utilizar as instalações do Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António. Mas saberá o atleta olímpico que foi recebido no espaço por um antigo jogador de futebol do Benfica?

«No início apanhei algumas pessoas que estranhavam quando me viam a trabalhar aqui: ‘então jogou no Benfica e na seleção e agora está aqui?’ Mas também apanho muita gente conhecida, sobretudo quando vêm cá as seleções jovens. Já apanhei o João Vieira Pinto, o Humberto Coelho, o Filipe Ramos, o Ricardo. E também apanhei o Cantona, quando veio cá ver um Mundialito», frisa.

Aos 49 anos, Luís Carlos sente-se feliz. Como assistente técnico, tem de desempenhar as mais variadas funções no Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António, das verdadeiramente relevantes às menos vistosas, mas gosta do que faz.

«É um trabalho de que gosto muito. A nossa grande função é garantir que está tudo preparado quando os atletas chegam e tem sido uma aprendizagem. Trabalho muito ao ar livre, contacto com desportistas e estou num local de eleição. Lembro-me de ir estagiar com o Benfica para Vale do Lobo e não tem estas condições, apenas a vantagem de ter um hotel ao lado. É o que falta aqui», refere.

Natural de Castro Daire, o antigo jogador fixou-se no Algarve e não está arrependido. Nos tempos livres, ainda vai queimando calorias ao serviço dos veteranos do Beira Mar de Monte Gordo.

«Estou com a vida estabilizada aqui, com a minha mulher e os meus filhos, sou feliz. Quando posso, continuo a jogar nos veteranos do Beira Mar de Monte Gordo. Magro? Sim, não consigo engordar. Quando jogava, até era mais forte, mas ia de férias e quando voltava diziam-me que tinha perdido massa muscular, foi sempre assim. É do meu organismo. Posso comer e beber o que quiser, que fico sempre magro»

Luís Carlos nasceu em Vila Nova, Castro Daire, em 1972. O esquerdino cresceu em Lisboa, na freguesia de Marvila, bem próximo do estádio do Oriental. Sem surpresa, foi ali que começou o seu percurso no futebol, a par de outro futuro internacional português: Costinha.

«Fiz toda a formação no Oriental, tal como o Costinha, e cheguei aos seniores. Depois de me destacar, acabei por ir para o Nacional. Curiosamente, eu e o Costinha chegámos a assinar pelo Leça do Rofolfo Reis, estivemos lá um mês, mas depois o Oriental pediu muito dinheiro por nós e acabámos por ir para o Nacional, onde fizemos uma grande época e subimos à II Liga», recorda.

Da II Divisão B ao Salgueiros, Benfica e Seleção

Pela mão de Jorge Mendes, Costinha foi do Nacional da Madeira para o AS Monaco. Luís Carlos, igualmente cobiçado, assinou pelo Salgueiros e chegou à Liga, a poucas semanas de celebrar o 25.º aniversário.

«Os seis meses que estive no Salgueiros, com o mister Carlos Manuel, foram os mais espetaculares da minha carreira. Tínhamos uma equipa excelente e correu-me tudo bem. Fui muitas vezes o melhor em campo surgiram muitos clubes interessados a meio da época», diz. O Benfica ganhou a corrida pelo esquerdino.

«O Jorge Mendes falou-me do Mónaco, do Corunha, também havia o FC Porto, mas quando ele tocou no nome do Benfica, eu arrumei logo o assunto: ‘nem precisas de dizer mais nada’. Sou benfiquista e aquilo para mim era o sonho.»

«Curiosamente, assinei pelo Benfica e no dia seguinte o Carlos Manuel assinou pelo Sporting. Mal assinou, ligou-me para ir para lá, mas tive de lhe dizer: ‘mister, não dá, acabei de assinar pelo Benfica’. Cumpri um objetivo de carreira e fiquei lá dois anos e meio, mas foi a pior fase da história do Benfica, com o Vale e Azevedo como presidente», desabafa.

Luís Carlos chega ao Benfica em dezembro de 1997 e pega de estaca. Dias depois, é lançado por Graeme Souness no onze para o clássico com o FC Porto, no Estádio das Antas (2-0, dois golos de Artur).

Karel Poborsky à direita, Kandaurov ao centro, Luís Carlos à esquerda. O técnico escocês não perdeu tempo e apostou nos reforços do inverno, importantes para uma boa segunda volta da equipa encarnada, que garantiu o 2.º lugar no campeonato.

«Joguei praticamente sempre. Naquele tempo, faziam contratos por objetivos, eu teria de fazer 17 jogos como titular até final da época e a verdade é que fui dos poucos a atingir o objetivo, superei esse número. A segunda volta correu-me bem e cheguei a ser o melhor em campo em vários jogos», diz o esquerdino.

Na sequência de uma bela temporada 1997/98, Luís Carlos cumpriu outro grande objetivo de carreira: representar a seleção nacional de Portugal. «Fui chamado para um particular com Moçambique, nos Açores, e joguei 44 minutos. Recebi a notícia da convocatória pelo Shéu e ao início nem queria acreditar. Foi uma alegria imensa. Posso não ter um currículo muito vasto, mas consegui realizar esses sonhos, joguei no Benfica e na seleção.»

«Ainda fui chamado para os jogos com Roménia e Eslováquia em outubro de 1998, de apuramento para o Euro 2000, mas aí não joguei. Deu-se a coincidência de ter sido convocado também o Costinha, que fez comigo a formação no Oriental. Estive com Figo, com Rui Costa, enfim, com toda essa geração que foi ao Europeu», salienta.

O verão de 1998 correu bem a Luís Carlos, com a presença no jogo particular entre Portugal e Moçambique, mas a realidade do Benfica estava a mudar. Depois de Scott Minto e Brian Deane, Graeme Souness aumentou a quota britânica com Gary Charles, Steve Harkness, Michael Thomas, Mark Pembridge e Brian Deane.

«Havia muitos problemas no Benfica, chegámos a ter ordenados em atraso, ou recebíamos muito tarde, mas os jogadores sempre se deram bem. Tudo piorou quando foram buscar os ingleses. Não por serem os estrangeiros, mas porque tiraram lugar a portugueses e não eram melhores»

O médio não coloca todos os jogadores britânicos no mesmo patamar, ainda assim: «O Minto era bom jogador, o Brian Deane tinha uma certa idade mas era bom jogador. Só que chegaram entretanto o Gary Charles e o Harkness, que não tinham qualidade nenhuma para jogar o Benfica, o Michael Thomas e o Dean Saunders, que já estavam na reta final da carreira, e o Mark Pembridge.»

Luís Carlos termina a época com 21 jogos nas competições nacionais, um golo e duas assistências. O galês Mark Pembridge, concorrente direto, faz 28 jogos, incluindo oito na Liga dos Campeões (três golos marcados).

«Certos jogadores britânicos não vieram acrescentar nada, mas vieram porque na altura o Vale e Azevedo ganhava comissões. Quanto ao Pembridge, muitos jogadores e até dirigentes não percebiam como era possível eu não jogar para jogar ele. Enfim, foi uma pena não ter apanhado um treinador português no Benfica. Saí uns meses antes de chegar o José Mourinho», lamenta.

O Benfica terminou o campeonato 1998/99 na terceira posição, Graeme Souness foi despedido e Vale e Azevedo apostou no categorizado Jupp Heynckes para promover nova revolução no grupo, numa altura em que o cinto ia apertando cada vez mais.

Luís Carlos fez apenas dez jogos sob o comando técnico de Heynckes, escapando ao pesadelo de Vigo, os 7-0 que ficaram marcados na história (jogou apenas na segunda mão com o Celta, na Luz).

No final da temporada, concluída com novo terceiro lugar, a saída de um jogador do Benfica provocou uma revolução na Segunda Circular: João Vieira Pinto foi dispensado e acabou por assinar pelo rival Sporting.

Igualmente com a guia de marcha na mão, Luís Carlos não se conteve e defendeu o compatriota, figura do clube encarnado. «O Jupp Heynckes foi pouco homenzinho», atirou o esquerdino, publicamente, enquanto definia o seu futuro imediato.

«O João Pinto foi empurrado do Benfica. Chegámos a passar férias juntos e sei que já queriam empurrar o João Pinto para fora do clube na altura do Souness. Assisti a várias peripécias ao longo desse tempo, quiseram metê-lo no Corunha, tentaram fazer com que ele se sentisse mal no Benfica, foi horrível.»

Até hoje, o antigo jogador não encontra explicações para a dispensa: «O João sempre deu tudo pelo Benfica e não cabe na cabeça de ninguém mandar embora um jogador com aquela dimensão. Até cheguei a dizer que só se fosse para ir buscar um novo Eusébio. Enfim, desabafei em público, os jornais chegaram a dizer que o Benfica ia meter-me um processo, mas não houve processo porque acabei por sair do clube.»

Luís Carlos tinha assinado por três épocas e meia pelo Benfica. Saiu ao fim de dois anos e seis meses. «O clube transmitiu-me que não contava comigo. Nessa altura, tinha o Marítimo, tinha o Belenenses que me propôs um contrato de quatro ou cinco anos, mas escolhi ir para o Estrela da Amadora. Se calhar não fiz a melhor opção, mas foi por causa do Quinito, um homem espetacular, dos melhores que conheci no futebol. Tínhamos boa equipa, mas infelizmente descemos de divisão», lamenta.

«Fiz 11 jogos nessa época e estava a caminho dos 29 anos, mas achei estranho porque foi difícil encontrar clube. Até fiquei a questionar-me o porquê de isso ter acontecido. Enfim. Acabei por ir para o Atlético, da II Divisão B, que tinha o Pacheco como treinador. Depois estive dois anos no Estoril e até correu bem, porque subimos duas vezes, primeiro à II Liga e depois à Liga», afirma.

Em 2004, já com 32 anos, o esquerdino teve a possibilidade de regressar ao primeiro escalão. Porém, a porta do Estoril fechou-se e Luís Carlos rumou ao Algarve. Até hoje: «O Ulisses Morais não contou com alguns jogadores para a subida do Estoril à Liga e eu fui um deles. Foi nessa altura que aceitei um convite do Rodrigues Dias, que tinha sido meu treinador no Oriental, para assinar pelo Beira Mar de Monte Gordo», recorda.

De Castro Daire a Marvila, de Marvila a Monte Gordo. Foi no Algarve que Luís Carlos criou raízes para a vida.

«Não me arrependo nada das opções de carreira que tomei, até porque foi aqui que conheci a minha mulher. Claro que podia ter tido uma carreira melhor, mas atingi o maior clube português, cheguei à seleção nacional, portanto fico feliz pelo seu percurso», remata.

(artigo originalmente publicado às 23h50 de 27-04-2022)

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