As regiões polares da Lua albergam crateras que são suficientemente frias para permitir a criopreservação passiva
Um grupo de cientistas concebeu um plano para salvaguardar as espécies da Terra num biorepositório criogénico na Lua.
Destinado a salvar espécies em caso de catástrofe na Terra, o plano recorre a crateras que estão permanentemente na sombra e, por isso, são suficientemente frias para permitir a preservação criogénica de material biológico sem recurso a eletricidade ou azoto líquido, segundo a investigação de um grupo liderado por cientistas do Smithsonian, publicada na semana passada.
O artigo, publicado na revista BioScience, baseia-se na criopreservação bem sucedida de amostras de pele de um peixe e descreve um método para a criação de um biorepositório que manteria seguras amostras de outras espécies.
"Inicialmente, um biorepositório lunar teria como alvo as espécies em maior risco na Terra atualmente, mas o nosso objetivo final seria criopreservar a maioria das espécies na Terra", diz Mary Hagedorn, uma criobióloga de investigação no Instituto Nacional de Zoologia e Biologia da Conservação do Smithsonian (NZCBI) e principal autora do artigo.
"Esperamos que, ao partilhar a nossa visão, o nosso grupo possa encontrar parceiros adicionais para expandir o debate, discutir ameaças e oportunidades e conduzir a investigação e os testes necessários para tornar este biorepositório uma realidade".
A ideia do biorepositório lunar é inspirada no Cofre Global de Sementes em Svalbard, no Ártico norueguês, que armazena mais de um milhão de variedades de sementes com o objetivo de salvaguardar a diversidade das culturas.
Em 2017, o cofre foi ameaçado por uma inundação de água de degelo do permafrost, o que evidencia os perigos colocados pelas alterações climáticas, segundo o comunicado.
Embora as células vegetais possam ser armazenadas nas condições do Ártico, as células animais têm de ser mantidas ainda mais frias, pelo menos a -196 graus Celsius, para serem preservadas.
Para atingir as temperaturas exigidas na Terra, é necessário um fornecimento de nitrogénio líquido, eletricidade e pessoal humano.
Mas, na eventualidade de uma catástrofe mundial, o fornecimento de qualquer um destes três elementos poderia ficar vulnerável, pondo em perigo o biorepositório proposto.
Para reduzir este risco, Hagedorn e a sua equipa pensaram em como a criopreservação poderia ser conseguida de forma passiva, o que é impossível na Terra, e foram parar à Lua.
As regiões polares lunares albergam crateras que, devido à sua orientação e profundidade, estão permanentemente na sombra e podem atingir temperaturas tão baixas como -246 graus Celsius.
A equipa considerou então como bloquear a radiação que danificaria o ADN das amostras e propôs armazená-las no subsolo ou dentro de uma estrutura com paredes feitas de rochas lunares. É necessária mais investigação para estudar os efeitos da exposição à radiação nas amostras criopreservadas, bem como os efeitos da microgravidade, segundo o comunicado.
"Não estamos a dizer que se a Terra falhar - se a Terra for biologicamente destruída, este biorepositório não terá importância", explica Hagedorn no comunicado.
"O objetivo é ajudar a compensar as catástrofes naturais e, potencialmente, aumentar as viagens espaciais. A vida é preciosa e, tanto quanto sabemos, rara no universo. Este biorepositório proporciona uma outra abordagem paralela para conservar a preciosa biodiversidade da Terra", acrescenta.
Rob Brooker, diretor de ciências ecológicas do Instituto James Hutton, na Escócia, que não esteve envolvido na investigação, afirmou que o documento "é um artigo interessante e provocador que realça a perda da biodiversidade da Terra e a necessidade crítica de aumentar os nossos esforços de conservação da natureza".
"No entanto, uma grande preocupação é que o custo e o esforço envolvidos no estabelecimento de um recurso deste tipo na Lua seriam muito substanciais e prejudicariam os esforços de conservação em curso, incluindo o cumprimento dos compromissos e planos internacionais existentes para proteger a natureza", diz Brooker à CNN.
Sally Keith, professora sénior de Biologia Marinha na Universidade de Lancaster, que não esteve envolvida na investigação, tem preocupações semelhantes.
"A abordagem alargada oferece uma experiência de pensamento interessante e pode conduzir a um desenvolvimento tecnológico inovador, mas tenho dificuldade em ver a sua utilização na luta urgente para minimizar a rápida perda de biodiversidade", refere à CNN, acrescentando: "Quantas florestas, recifes de coral e lagos de água doce poderiam ser mais bem conservados neste momento, pelo custo do lançamento de uma nave espacial para a lua?