A história do português que montou um negócio milionário de máscaras da China

1 dez 2021, 08:00

Empresário que tinha negócio de brindes publicitários decidiu apostar no mercado das máscaras e passou de uma faturação de cinco milhões de euros para 100 milhões. Lourenço Rosa, que já importou mais de mil milhões deste material, fornece hospitais, autarquias e hipermercados. Agora prepara-se para criar uma fábrica de luvas em Grândola.

Mil milhões de máscaras. A estimativa sobre o número de material de proteção que já vendeu é feita por alto, após uns segundos de reflexão. Lourenço Rosa, 44  anos, geria uma empresa de brindes quando, no início da pandemia, decidiu aproveitar as ligações à China que já tinha. Passou também a importar máscaras. Com o país fechado, organizou tudo a partir de Lisboa, com ajuda dos parceiros asiáticos.

Agora, passados vinte meses de importações a partir de vários países do Oriente, os números são reveladores: a empresa, que costumava faturar cinco milhões de euros por ano, acumulou 100 milhões desde que o Sars-Cov-2 chegou a Portugal. Hoje, abastece com material médico os hipermercados do país – como o Continente, o Pingo Doce ou o Lidl – e os principais hospitais, sejam públicos ou privados.

Mas voltemos a março de 2020. Nessa altura, começava-se a sentir o pânico de uma doença desconhecida quando o gestor passou a receber pedidos de ajuda, por ser conhecida a sua ligação à Ásia, por causa do seu negócio de brindes. “As pessoas sabem que tenho algum jeito para fazer importações do Oriente. Muita gente começou a consultar-me, a ver se tinha facilidade em mandar vir máscaras, luvas, viseiras”, recorda, sabendo que quem está habituado ao mercado chinês, já ouviu que crise e oportunidade se escrevem com a mesma palavra.

 

Lourenço Rosa. Foto D.R.

“Quando o mundo fechou e se gerou um pânico generalizado, arriscámos muito. Rapidamente começámos a trazer material hospitalar para Portugal”. De uma amiga enfermeira a hospitais, passando por câmaras municipais e empresas de todo o país; o passa-a-palavra fez o seu trabalho, numa altura em que toda e qualquer resposta exigia urgência.

Se os novos produtos a importar eram uma novidade, a rota nem por isso. Há muito que a Enerre, dedicada aos brindes publicitários, fazia negócios no outro lado do mundo. “A empresa foi fundada pelos meus pais há 45 anos. E eu vou à China três ou quatro vezes por ano de há 20 anos para cá”, conta. O que ninguém imaginava é que uma pandemia mundial se transformasse num negócio de milhões.

Soluções de recurso: duplicar salários e fretar 60 aviões

No início, a situação não foi fácil, uma vez que havia uma preocupação muito grande com a doença. "Os nossos trabalhadores queriam ficar em casa por precaução", recorda, explicando a estratégia que assumiu: "Tomámos uma decisão: para aqueles que ficaram na empresa, quase duplicámos o ordenado".  A razão era simples, diz: "Precisávamos de pessoas que nos ajudassem com essa logística de distribuição”.

Se do lado português a operação estava assegurada, o verdadeiro desafio estava a mais de 9.200 quilómetros de distância. “Com idas à China há 20 anos, as pessoas respeitam-nos. Sempre tive lá os meus agentes, para garantir que as encomendas embarcavam”. Por isso, parecia tudo encaminhado para que as primeiras nove paletes de material médico pudessem cruzar o mundo. Só que a transportadora deixou logo o aviso: não era possível garantir que chegasse tudo a Portugal dentro de três ou quatro dias. “Reagi logo, porque já tinha compromissos assumidos”. A solução foi fretar um avião.

Foi o primeiro dos 60 aviões que Lourenço Rosa e a Enerre já fizeram chegar do Oriente com material médico. Cada avião custa, em média, 700 mil euros. "E leva 500 ou 600 paletes”. Os receios foram muitos no início, sobretudo por causa de eventuais paragens em outros países e roubos de material. “Parecia o faroeste”, garante.

“Corremos muitos riscos. Até porque chegou uma altura em que houve problemas de logística. Quando a Covid-19 disparou na Europa, todos os países mandavam vir aviões. E os principais aeroportos da China colapsaram. As equipas não conseguiam abastecer os aviões. Havia sete mil camiões à volta dos aeroportos de Guangzhou e eles não tinham capacidade para carregar”. Para contornar o problema, a equipa de Lourenço Rosa teve de pensar pequeno: começou a fazer a operações em aeroportos secundários, de cidades de província, onde não havia tanta afluência.

Equipa cresceu com a nova dinâmica causada pela pandemia (Foto: Enerre)

Oportunidade de 100 milhões

“Chegámos a ter batedores no aeroporto de Lisboa. Havia escolta policial do material, até chegar aos hospitais. Fazíamos logo a separação no aeroporto”. As memórias estão frescas para Lourenço Rosa, mesmo que o ritmo do negócio seja atualmente bem mais calmo.

A Enerre mudou desde então. A empresa de brindes, passou de uma faturação de cinco milhões de euros por ano para 100 milhões. Hoje abastece com material médico o setor privado mas também o Estado, incluindo as autarquias: as estrututuras públicas têm recorrido ao catálogo com mais de 80 referências da empresa na hora de comprar máscaras, batas, luvas, fatos de macaco ou viseiras. O balanço disponível no portal Base, o sistema que centraliza a informação sobre os contratos públicos, dá conta de 31,5 milhões em compras públicas à Enerre desde o início da pandemia.

As máscaras foram, no primeiro momento, a prioridade. Mas também isso mudou. “Não estamos dependentes das máscaras e não nos queremos limitar aos produtos da pandemia. Queremos fornecer um hospital de tudo o que possa existir. Por exemplo, luvas e seringas. São sempre precisas, haja ou não pandemia”, sublinha o gestor. Com a consciência de que as margens dos primeiros meses “são completamente diferentes de hoje em dia”.

Enerre começou a produzir as próprias máscaras, por exigência de clientes nacionais (Foto: Enerre)

Produção própria: das máscaras às luvas biodegradáveis

China, Malásia ou Turquia. São três dos destinos a partir dos quais a Enerre desenvolveu a sua estratégia de importação nos últimos meses, sem abdicar da qualidade dos produtos. “O Infarmed é muito rígido com a aprovação. Um hospital não compra nada sem avaliar o produto. Nos primeiros tempos qualquer coisa servia, mas hoje não”.

Mas, mesmo com a experiência no Oriente, há clientes que preferem o que é nacional. E isso fez Lourenço Rosa arregaçar as mangas e, com um “apoio bom” do Portugal 2020, montou uma fábrica de máscaras num dos armazéns da empresa em Lisboa. São máscaras cirúrgicas, médicas e de alto nível de proteção para zonas de cuidados intensivos. “Mas não temos a produção ou os preços do Oriente. Fabricamos 40 mil máscaras por dia. Uma fábrica na China fabrica um milhão”.

O gestor está ainda a projetar uma nova fábrica de luvas em Grândola, com cerca de 100 empregados, que deverá começar a laborar em 2023. “Um dos nossos projetos é tentar ter luvas biodegradáveis”, revela.

Apesar do sucesso Lourenço Rosa insiste que o negócio dos produtos médicos é ainda “complementar”. Mesmo que ele pese a maior fatia da faturação. Os brindes publicitários, que a pandemia colocou em segundo plano, continuam a ser a prioridade. Lourenço Rosa não quer esquecer de onde vem a Enerre, hoje com 80 trabalhadores. “É uma paixão de família. Foi aqui que a minha família construiu tudo o que tem”.

Apesar de a pandemia ter mudado a história da sua empresa, o dono da Enerre anseia o seu fim. “Sinceramente, queria que isto acabasse já. Não é vida para ninguém. Tenho filhos e não quero que eles vivam com este horror”.

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