Mais de 153 mil pessoas tiveram de fugir de casa e dos incêndios que estão a cercar a cidade
“Foi quase tudo”. Nic Arnzen representava quase 5.500 residentes de Altadena, mas as suas funções deixaram de ser necessárias, já que não há localidade para as pessoas morarem. Sobrou “uma dúzia, ou assim”, diz o vice-presidente do conselho local de Altadena, falando sobre as casas que restaram da passagem do fogo, um dos muitos que estão a arrasar a cidade de Los Angeles e os arredores.
“A melhor forma de explicar é: se olharem agora para o vosso bairro e pensarem em acenar ao vosso vizinho e descer a vossa rua - imaginem que, num período de 24 horas, tudo isso desaparece”, continua Nic Arnzen, em declarações à CNN. Agora, onde “costumava ver casas”, vê “hectares de destroços e escombros”.
“Onde eu costumava ver casas, estou a ver hectares de detritos e escombros”. Entre esses estragos está a sua própria casa, também afetada pelo fogo que deflagrou na terça-feira, e que em apenas quatro dias consumiu uma área bem superior a toda a cidade de Lisboa.
Arnzen, que voltou a Altadena para filmar o que restou da localidade e mostrar as imagens às pessoas que dele dependiam, descreveu uma conversa particularmente difícil com o filho de 19 anos, que recentemente se juntou aos fuzileiros.
“Ele disse-me ‘pai, só quero ir para casa’, e eu fiz uma pausa porque não sabia como responder, ‘não há casa’”, relata o homem, claramente consternado, mas focado em garantir o bem-estar da comunidade e da família.
Arnzen é uma das 153 mil pessoas que estão debaixo de um aviso de evacuação, mesmo num cenário em que os bombeiros começam, finalmente, a conseguir alguns avanços no combate às chamas, depois de o vento ter dado tréguas.
O nível de devastação é tal que a presidente do Quadro de Supervisores do condado de Los Angeles descreve a situação em Altadena como um "cenário de guerra". "Nunca vi nada assim. Podemos ir a quarteirões onde não há casas e, depois, a um quarteirão onde se vê um pouco de combustão lenta numa árvore, mas nenhuma das casas foi afetada", descreve Kathryn Barger.
Para se ter uma ideia, o fogo de Pacific Palisades sozinho consumiu 80 quilómetros quadrados, arrastando consigo 5.300 estruturas, entrando já para a história como o terceiro fogo mais destrutivo na Califórnia, sendo que se encontra apenas 8% controlado.
A norte de Los Angeles, e até já perto da placa de Hollywood, está o fogo de Eaton, que já destruiu quatro mil estruturas. São casas, empresas e outros edifícios que acabaram completamente arrasados por outro fogo histórico - é o quarto pior do estado, estando apenas 3% contido, depois de ter consumido mais de 55 quilómetros quadrados.
São dois dos vários fogos ativos, mas são claramente os dois mais preocupantes. Juntos, com 133 quilómetros quadrados ardidos, fazem quase cidade e meia de Lisboa.
Do chão não dá para ver, mas os drones que sobrevoam a região mostram bem. Pacific Palisades, onde viviam milhares de pessoas, é pouco mais do que um monte de cinzas. Fala-se em 10 mil estruturas destruídas no total, mas é difícil imaginar que o número fique por aí.
Entre as centenas de bombeiros que combatem o incêndio, também com a ajuda possível do ar, os números dizem tudo: gastaram-se mais de 272 mil litros de água e 220 mil litros de líquido para retardar o fogo.
“Foi tudo”. Já não é Arnzen que o diz, mas Anthony Lewis. Podia ser um John Doe (como chamas os norte-americanos aos “Zé Ninguém”) qualquer, já que as histórias repetem-se e repetem-se.
Em declarações à CNN, este habitante de Altadena está preocupado com a sua vizinha, com que não consegue contactar. Dela recebeu apenas um video esclarecedor, que mostra tudo destruído.
As casas de ambos desapareceram, e Lewis mal consegue perceber que zona aparece nas câmaras. É a sua casa, era a sua casa. Mas “é mesmo a minha casa”, pensou. Sim, é, e isso confirma-se pelos três arbustos de zimbro que se veem ao fundo, meio ardidos.
Lewis vivia ali há cerca de 10 anos com a mulher e as duas filhas. Uma delas planeava celebrar o mítico 18.º aniversário na próxima semana. A festa até pode acontecer, mas não em casa, como tinham planeado.
“Sabem, o meu coração fica partido pelas pessoas que não têm acesso ao apoio”, confessa, revelando que são muitas as pessoas a oferecerem as suas casas para tudo o que for necessário. Até para a festa.
O pior de tudo é não perceber a real dimensão do que está a acontecer. Sabe-se que há 10 mortos, que há milhares de milhões em prejuízos, mas também se sabe que esses números estão em constante atualização.
A Los Angeles resta esperar que o vento acalme e permita que o inferno acabe. Depois, logo se vê.