Especialistas portugueses adiantaram à CNN Portugal que várias unidades hospitalares estão já a analisar a eventual ligação entre a covid de longa duração e as mortes prematuras
O Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla original) está a analisar uma possível ligação entre mais de 100 mortes e a covid de longa duração, conhecida por long covid, detetada em pacientes cujos sintomas se mantêm três meses após a recuperação.
Segundo o estudo, ao qual o Politico teve acesso, e que analisa os certificados de óbito de vários pacientes que morreram no país ao longo dos últimos dois anos, existe uma possível relação entre as duas situações.
Não existe ainda uma identificação clara sobre se estas pessoas teriam outras condições de saúde associadas, mas, em vários casos, é possível estabelecer uma relação que indica o agravamento do estado de saúde após a long covid.
Especialistas portugueses admitem mortes por long covid
O diretor do serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Curry Cabral admite que é natural que existam mortes relacionadas com a long covid. Fernando Maltez lembra à CNN Portugal que esta condição pode afetar vários sistemas, muitas vezes até de forma simultânea. "Havendo um envolvimento de um quadro de long covid com sintomas em sistemas como o cardiovascular é natural que dentro destes casos existam casos de mortalidade."
"Estes resultados não me surpreendem", acrescenta o especialista, referindo-se ao estudo do CDC.
De resto, Fernando Maltez dá mesmo exemplos, lembrando que um envolvimento do sistema cardiovascular, por exemplo, pode resultar em casos de ataques cardíacos, tromboses ou acidentes vasculares cerebrais, o que aumenta consideravelmente o risco de morte.
O coordenador do gabinete de crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos realça à CNN Portugal que há muito que pede um programa nacional para a long covid. Filipe Froes aponta a falta de planeamento dirigida a esta condição e admite que seja natural que a mesma venha a resultar na morte de alguns pacientes, uma vez que debilita a saúde das pessoas.
“Nós temos muitos doentes em long covid e é possível que alguns morram no decurso dessa condição. Quem tem estes doentes presencia, muitas vezes, uma diminuição profunda e significativa da reserva funcional que, certamente, é um fator para uma morte mais prematura”, afirma.
Para o pneumologista, que sabe de casos que apontam para suspeitas de mortes no decurso da long covid, é natural que uma condição que causa deterioração do organismo possa provocar mortes: “A long covid diminui a reserva funcional, contribui para uma deterioração da homeostasia e pode ter contribuído para mortes mais prematuras.”
“Sabemos que qualquer doença que diminui a reserva fisiológica contribui para uma morte mais prematura”, acrescenta, referindo-se a um aumento da fragilidade dos doentes.
Por isso mesmo, refere Filipe Froes, é necessária a implementação de um programa nacional para lidar com a situação. “Se houvesse um programa seria muito mais fácil estudar a evolução da long covid.”
No entanto, para o médico, existe um ponto ainda mais importante: “Sabermos o que fazer para minimizar a long covid e reabilitar mais depressa essas pessoas para uma vida ativa.”
Investigações em Portugal
A coordenadora da área de enfermagem na Clínica de Atendimento Pós-covid do Hospital Curry Cabral, um dos centros de referência para o acompanhamento da doença, revela que já existem alguns estudos semelhantes a decorrer em Portugal, ainda que sejam localizados. À CNN Portugal, Neuza Reis garante que ainda não foram registadas mortes relacionadas com a long covid naquele hospital, onde doentes vêm sendo analisados para vários problemas relacionados com a condição, incluindo a mortalidade, desde a primeira vaga.
"Até agora não temos casos descritos que fundamentem mortes por long covid", indica.
Apesar de os estudos serem feitos por diferentes hospitais, a enfermeira explica que se está a avançar para a partilha de dados entre unidades, naquilo que poderá vir a ser um estudo multicêntrico, tal como fez o CDC.
"Já começamos a falar entre os profissionais de todos os centros, mas não existem ainda diretrizes para o fazer", acrescenta Neuza Reis, que acompanha vários doentes com covid-19 desde 2020 e que já recebeu dezenas de casos de pessoas com long covid.
De resto, no Hospital Curry Cabral o acompanhamento é feito ao milímetro, fazendo-se vários exames para aferir se a condição em causa será mesmo long covid. É a fase diagnóstico, que é complicada, uma vez que os problemas têm de ser analisados e descartados um a um antes de se confirmar um diagnóstico de long covid.
A importância da vacinação
Sabe-se que a long covid pode aparecer a todas as pessoas, mas também já se sabe que, quanto mais severa for a fase aguda, maior tendência terá aquela pessoa a desenvolver a condição pós-covid. Por isso mesmo, Fernando Maltez e Filipe Froes destacam a importância da vacinação, que não só vai atenuar a infeção, mas também vai impedir uma forma mais grave da doença.
"Este estudo é mais um argumento para reforçar a importância da vacinação", destaca o infecciologista, que vinca que a long covid pode aparecer até em crianças.
Também o pneumologista sublinha a importância da prevenção, lembrando que a melhor forma de o fazer é através da vacinação. "Sabemos que a long covid está associada à infeção. Portanto, se a vacinação previne a infeção, diminui o número de pessoas com covid-19", logo, o potencial de pessoas que podem desenvolver a condição pós-covid.
A long covid é uma condição diagnosticada a pessoas que tiveram uma infeção por covid-19 e que continuam a manifestar sintomas três meses após a infeção. Ainda existem muitas coisas que os especialistas não sabem, mas já estão estabelecidas relações entre esta condição e problemas nos mais variados sistemas do corpo humano.
Desde problemas de coração a respiratórios ou psiquiátricos, que Fernando Maltez diz serem os mais comuns, também existem pessoas que podem apresentar queixas intestinais, do aparelho reprodutor ou de outros. A lista de sintomas de long covid vai para lá de 30.
Onde ainda se sabe menos é sobre a real fatia de população afetada e o tempo que a condição pode durar. Fernando Maltez lembra que existem estudos que apontam que 10% das pessoas com covid-19 desenvolvem long covid, mas sinaliza que outros apontam para uma percentagem bem maior, na casa dos 25%. Um dos mais recentes estudos, publicado pelo CDC, aponta para uma prevalência de 20% de long covid em doentes que tiveram fase aguda.
O mesmo desconhecimento é válido para a duração da condição, sendo que existem relatos que apontam para doentes que ainda tinham sintomas ao fim de dois anos, apesar de o mais comum ser o desaparecimento dos sintomas na totalidade ao fim de alguns meses.