Rui Tavares quer provar que o sal não é mau para a saúde do país

21 jan 2022, 20:54

Livre arrancou o dia em Braga com uma visita a uma sapataria ecológica para colocar o tema da "economia circular" na campanha. Mas, sem arruadas nem contactos com a população, rapidamente Rui Tavares deu corda aos sapatos e rumou a Aveiro onde do plástico passou para as dragagens na ria de Aveiro. Tudo em prol do ambiente, sustentabilidade e regionalização, três das bandeiras do partido

Estamos em época de exames e a prova disso são as bibliotecas cheias na Universidade de Aveiro. Ao longo das mesas compridas, que servem de poiso a oito estudantes de cada vez, cabeças enfiadas nos apontamentos, computadores portáteis, máquinas calculadoras científicas e gráficas a debitar resultados complexos, papéis com apontamentos a fixar. Ali, a visita de Rui Tavares, o líder do partido Livre, que está prestes a acontecer, não é tema de conversa, nem assunto de agenda. Apenas os exames que se aproximam.

No CICFANO - Complexo Interdisciplinar de Ciências Físicas Aplicadas à Nanotecnologia e à Oceanografia,o ponto de encontro da campanha do Livre é uma conversa com o professor João Dias, diretor do departamento de Física. Pelo campus, poucos estudantes davam conta da presença de Rui Tavares e comitiva que ali se encontravam - e a reunião apenas esperou pelos jornalistas para começar.

Rui Tavares, que hoje vestiu a capa de professor (bem como na maior parte dos dias do ano, já que é docente), sentou-se à mesa ladeado por Joana Filipe, cabeça de lista pelo círculo eleitoral de Aveiro, cidade de onde é natural, e ao longo de mais de uma hora ouviu o académico falar sobre os problemas da ria de Aveiro: dragagens, sedimentos, salinidade e assoreamento foram os temas trazidos à conversa e que permitiram ao candidato falar de ambiente, sustentabilidade e regionalização, três bandeiras do partido.

"Falámos de dois temas, um mais de impacto regional, mas com importância nacional evidente, que tem a ver com o ecossistema e com toda a importância estruturante que a Ria de Aveiro tem tido desde tempos seculares para não só a construção de toda a nacionalidade para a sua economia, para a indústria ligada à pesca do bacalhau, para a internacionalização do país, para os fluxos migratórios, e por aí fora. E também o impacto das alterações climáticas no território nacional (entendido como um todo), em particular a subida do nível das águas do mar e que impacto é que isso pode ter na população".

População aveirense que o candidato do partido da esquerda europeísta teve pouco contacto nesta visita à cidade, mas da qual mostrou estar bem informado - ou não fosse historiador -, lembrando os tempos em que as salinas eram local de trabalho para muita gente e que, atualmente, por ser um "trabalho muito duro, não foi continuado".

"A Ria de Aveiro tem uma enorme importância para o país e toda a região no seu entorno, desde a importância turística, agrícola, industrial. (...) O declínio da extração do sal na ria de Aveiro, era uma atividade humana que era positiva para a manutenção dos ecossistemas e para a preservação da ria. E, como o sal baixou de valor e é um trabalho muito duro que, de geração a geração, não foi continuado, significa que deixou de haver uma manutenção da ria que tem impacto sobre a navegabilidade da ria e sobre o potencial turístico que a ria pode ter, também sobre outros aspectos, de aproveitamento ecológico - aquacultura - e convoca-nos a fazer uma reflexão e a planear investimentos vultuosos na ria que poderiam contar com fundos europeus, se fossem bem desenhados", afirmou o mandatário por Lisboa, abanando a bandeira da sustentabilidade sem meter os pés nas salinas, ali a escassos metros, na Marinha da Troncalhada.

Sal, sódio e baterias de carros elétricos

Já a menos de 10 quilómetros está a Renault Cacia, fábrica do Grupo Renault - que produz órgãos e componentes para a indústria automóvel desde 1981 - que  Rui Tavares trouxe à conversa para explicar como não vale a pena apostar no lítio quando há sal em abundância em Portugal que pode, "se calhar", ser aproveitado para utilizar nas baterias de carros elétricos.

"Não vale a pena esburacar em lugares em Portugal quando temos que fazer investigação que Universidades como a Universidade de Aveiro podem fazer para iniciar o processo de revalorização de um recurso natural - o sódio - que temos em abundância na ria de Aveiro. Que, quando as coisas atingirem uma escala industrial, pode ser depois extraído que permitam a Portugal posicionar-se bem na fileira das baterias elétricas. E depois, não nos esqueçamos que esta região de Aveiro já é uma região que o pólo da indústria automóvel - estamos a pensar na Renault de Cacia, que nos componentes para a indústria automóvel sempre foi muito importante, gerando muito emprego, e portanto podemos ter um pólo de veículos elétricos e ao mesmo tempo ajudar a revalorizar um ativo que por sua vez permite valorizar a ria de Aveiro com vantagens económicas".

Mas, para que tudo isto aconteça, para que se tire "partido económico, social, cultural" da ria de Aveiro e que todos os seus recursos naturais sejam aproveitados é preciso duas coisas que, na ótica de Rui Tavares são fundamentais: vontade comum (e política) e regionalização.

"Falta-nos a dimensão intermédia, que é a regionalização. A Agência Portuguesa do Ambiente está lá em Lisboa, há queixa de que não há dados sobre a ria, dados esses que são baratos de obter e de conseguir. Há falta de interesse político que é difícil ter, mas é um interesse político que seria mais fácil de convocar se tivéssemos um nível médio de administração como existe noutros países. É um debate da regionalização que estamos preparados para ter", assegura. Mais uma bandeira agitada, desta vez a da regionalização, na qual o partido apresenta duas propostas no seu programa eleitoral: uma de reorganização no âmbito da coesão territorial e outra de que o processo de regionalização deve ser sujeito a referendo.

Estudantes sem tempo

Herbert Middleton caminhava na companhia de duas colegas pelo campus da Universidade de Aveiro, durante o intervalo de uma aula do Mestrado de Materiais e Dispositivos Biomédicos. Nem de propósito, discutia sobre em quem votar no próximo dia 30 (ou 23, já que votam antecipadamente), quando se apercebeu da presença dos jornalistas e questionou quem ali estava. Ao saberem que se tratava de Rui Tavares, entraram os três no CICFANO, espreitaram e voltaram a sair.

Curiosidade ou vontade de votar no Livre? "Parece-me interessante, o partido, acho que estiveram bem nos debates e acho que têm um programa muito positivo para os estudantes. Ainda estou indeciso porque, apesar de estar em Aveiro, voto no distrito de Faro, portanto tenho de ver se o meu voto vai servir para alguma coisa, se vou votar para eleger um deputado ou se vai ser só mais uns por cento no final".

O jovem estudante mostra ter os partidos estudados, como quem está em época de exames e não quer ir a recurso, mas para si o dia de reflexão é já amanhã e Herbert diz que não está "completamente contente com nenhum partido" e por isso tem colocado tudo na balança, os pontos que gosta e os que consegue "ignorar", sempre com o sentido de voto à esquerda. 

"Sinto que todos os partidos têm uma falha. Por exemplo, o Bloco de Esquerda e a CDU, gosto muito deles, mas têm tendência antieuropeia - e, acho que não faz muito sentido estarmos a sair da União Europeia, até porque estamos a ver o que está a acontecer com o Brexit". 

Confrontado com a indecisão deste estudante, Rui Tavares diz que "vale a pena votar no Livre em todos os círculos eleitorais" e o principal rosto do Livre diz ter encontrado "muitos estudantes como este". Não em Aveiro, certamente, porque, nem Herbert nem as colegas esperaram que a reunião terminasse para que pudessem conversar com o candidato, nem outros estudantes que por ali passaram abordaram Rui Tavares. Ou o contrário.

Uma campanha com poucas pessoas

E se em Aveiro, Rui Tavares não fez arruadas, não distribuiu flyers, nem contactou com a população - o diretor de campanha do partido garantiu à CNN Portugal que essa parte da campanha foi assegurada pela distrital -, em Braga o cenário foi idêntico. Na cidade do Minho, o líder do Livre visitou apenas a loja de calçado ecológico Zouri, que utiliza, como uma das matérias-primas, plástico recolhido na costa portuguesa.

Acompanhado pela diretora executiva da marca, Adriana Mano, Rui Tavares conheceu o calçado ecológico 100% nacional, feito com materiais sustentáveis e totalmente vegan, construídos com materiais recolhidos na costa portuguesa (como plásticos e redes de pescadores), mas também com folhas de ananás, folhas de maçãs e algodão 100% orgânico.

Ali, onde quis chamar a atenção para a economia circular e para a economia do conhecimento, Rui Tavares elogiou a resiliência dos dois únicos trabalhadores do projeto que “une várias linhas de pensamento” do partido e que dá nova vida a materiais que muitas vezes acabam por poluir mares, rios e afluentes.

“Trata-se de trazer tecnologia para a indústria que já existe em Portugal, não deixar perder o conhecimento de manufaturas e de pequenas empresas familiares que em Portugal trabalham há gerações nestas áreas e, com isso, incorporar mais valor no produto que é feito em Portugal”.

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