O alegado "claro aumento da criminalidade em Lisboa" tem provocado trocas de acusações entre um autarca do PS e Carlos Moedas e entre Carlos Moedas e o anterior governo PS. E Carlos Moedas já pediu mais polícias - mas para Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, esse pedido de Moedas acarreta riscos: por um lado, todas as outras populações podem vir a pedir para si um reforço idêntico; por outro lado, é "um erro" utilizar-se o tema da insegurança para construir "narrativas" políticas. Entretanto, a PSP já garantiu que "tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o ano passado
O tema da insegurança está a ser utilizado para fazer política e isso é perigoso. “É um erro continuar a alimentar-se este tipo de narrativas, porque elas fazem crescer o próprio sentimento de insegurança”, afirma o comissário Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, ao mesmo tempo que critica o constante passa-culpas dentro do poder local em Lisboa.
Nas últimas semanas, os moradores da freguesia de Santa Maria Maior, que engloba os hiperturísticos bairros de Alfama, Baixa, Chiado, Castelo e Mouraria, têm pedido à junta de freguesia e à autarquia para que reajam àquilo que sentem ser um aumento da criminalidade violenta no coração da capital.
O ponto mais intenso ocorreu há cerca de duas semanas quando o presidente da junta de freguesia, o socialista Miguel Coelho, promoveu uma reunião com moradores no Hotel Mundial, no Martim Moniz. Lá, como descreve o próprio à CNN Portugal, “40 pessoas - entre comerciantes que perderam todos os clientes e residentes alvos de assaltos, ameaças e agressões - explicaram que este já não é um problema de perceção, é um problema de vítimas”.
E o assunto rapidamente foi alavancado por Carlos Moedas, que, depois dessa reunião, assumiu que “há um claro aumento de criminalidade” em Lisboa e atribuiu-o, entre outras coisas, à inexistência de suficiente policiamento na região. “Pedi ao Governo na altura (do PS) e continuo a pedir hoje 200 polícias municipais, obtive apenas 25. Também precisamos de mais agentes da PSP na rua e isso é uma responsabilidade do Governo.”
Logo a seguir, a PSP negou que tal aumento exista, sublinhando até que "tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o ano passado”. Então como se explica as versões dos autarcas? O comissário Bruno Pereira refere que a “dimensão é subjetiva”, mas que em relação aos tipos de crimes mais violentos eles quase sempre são relatados às autoridades. Admite, porém, que possam “existir alguns crimes menos graves” que não estão a ser refletidos na mesma estatística.
No entanto, aponta, a solução não é um polícia em cada esquina. “Grande parte do problema da perceção da criminalidade surge através do meio ambiente que as pessoas frequentam”, afirma. “Quem vê lixo no chão, quem vê sem-abrigos, toxicodependentes, falta de iluminação nas ruas de Lisboa pode percecionar uma realidade mais violenta, mesmo que esteja perante cenários iguais.”
“Marginais que muitas vezes batem nos moradores”
O presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior destaca que as pessoas que moram nesta zona sentem que não são ouvidas e que as estatísticas não mostram a realidade de medo que muitas descrevem. “Nós ouvimos as queixas, apresentamo-las, mas como junta de freguesia estamos dependentes da ação da Câmara Municipal”. O socialista condena também o facto de Moedas pedir mais policiamento sem promover mudanças que são da sua competência.
“Falta uma rede de iluminação pública e de videovigilância que não se foque apenas na rota turística da freguesia. É necessário também que a atividade dos bares e das lojas de conveniência tenha horários conscritos. Se não se fixar horários, há uma sobrecarga de gente, levando ao aproveitamento por marginais que muitas vezes batem nos moradores.”
Outra das razões que aponta é o facto de no território existirem muitas zonas abandonadas, especialmente na Mouraria e em Alfama, onde o cenário de casas devolutas é expressivo. “Tornaram-se sítios de consumo de drogas.” Há uma semana, a junta de freguesia apresentou um plano para instalar uma esquadra de proximidade, mas até ao momento, afirma Miguel Coelho, ainda não foi inaugurada. “Esperemos que respondam”.
“Todos queremos mais polícias, mas Carlos Moedas tem de tomar medidas de apaziguamento”, afirma o autarca de Santa Maria Maior. O pedido de maior policiamento nesta zona de Lisboa levou também a ministra da Administração Interna a mostrar-se preocupada e a garantir, na última semana, que existirá um reforço do policiamento no verão.
Já Bruno Pereira alerta que a política de reforço de policiamento por si só é incapaz de resolver o problema e cria ainda outro: a possibilidade legítima de todas as outras populações pedirem para si um reforço idêntico. E ainda um risco: “Não podemos ter um Estado policiado”.
Dessa forma, refere ainda algumas soluções que deviam estar a ser impostas pelo poder político. “O mundo da noite acarta sempre um risco maior de aproveitamento de criminosos da vulnerabilidade das vítimas, no entanto limitar os horários por igual não é justo, pelo que seria mais sensato penalizar apenas aqueles bares ou restaurantes que permitem que os seus clientes estejam na via pública com copos de vidro ou que não recolham as esplanadas”.