A redução de velocidade traz benefícios na redução de acidentes, mortes e emissões de gases poluentes. Como? João Dias, especialista em dinâmica de acidentes rodoviários, explica
Reduzir a velocidade da marcha é sinónimo de mais filas e demoras? João Dias, professor do Instituto Superior Técnico e especialista em dinâmica de acidentes rodoviários, acredita que não há motivos para ansiedade.
“Reduzindo a velocidade de circulação, não se aumenta necessariamente o congestionamento”. E porquê? Porque a circularem a maiores velocidades, os condutores precisam de uma maior distância de segurança para conseguirem parar o carro. Ao reduzir-se a velocidade, e com necessidade de menos espaço para travar, “a via permite acomodar muitos mais carros”. Fica então a garantia: “Reduzir de 30 para 50 não afeta drasticamente, não causa congestionamentos”.
E os acidentes?
A redução da velocidade em 10 quilómetros por hora (km/h) proposta pelo Livre foi aprovada pela maioria de vereadores da oposição, mas o presidente da Câmara, Carlos Moedas, já veio dizer que se recusa a pôr em marcha as alterações antes de saber o impacto para a cidade. A Ordem dos Engenheiros está disponível para ajudar a autarquia nesse estudo e o Automóvel Clube de Portugal (ACP) vai avançar com uma providência cautelar contra as mudanças, argumentando que devem assentar em aspetos técnicos e não políticos.
Mas, seja qual for o caminho que esta proposta siga, os especialistas estão certos de uma coisa: “Quando reduzimos a velocidade dos veículos, reduzimos as consequências dos acidentes. Reduzimos a ocorrência de acidentes, mas reduzimos sobretudo a possibilidade de ocorrerem graves e mortais”, sublinha João Dias.
O balanço de 2021 da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) contabiliza, em 2021, quase 29 mil acidentes rodoviários. Estes provocaram 389 mortos, 2093 feridos graves e 33.812 feridos ligeiros. Os atropelamentos foram responsáveis por 47 vítimas mortais (12%).
“A velocidade é uma das principais causas de morte em Portugal. Entre os peões, motociclos e jovens é a principal. Todas as reduções de velocidade são benéficas para reduzir a sinistralidade”, atesta o especialista.
Quando a velocidade é menor, o consumo é maior?
A proposta do Livre prevê uma circulação máxima de 70 km/hora nas vias estruturantes, como o Eixo Norte-Sul ou a Segunda Circular. Nos eixos internos com maior fluxo – como aquele que vai do Marquês de Pombal até ao Campo Grande, passando pela Avenida da República – passaria a aplicar-se o limite de 40 km/h. Nas restantes vias, 30 km/hora.
“Há muito que sou defensor de que as cidades deviam ter um limite geral de 30. E depois terem exceções: vias de distribuição de tráfego que podem ter uma velocidade de 50, vias reservadas ao trânsito automóvel – como o Eixo Norte Sul e a Segunda Circular com 70 ou 80”, argumenta João Dias.
É essa a experiência de outras capitais europeias como Madrid ou Paris. “É reconhecido hoje em dia que menos carros significam maior qualidade de vida nas cidades”, insiste o especialista, destacando o impacto ambiental da medida.
Há a ideia partilhada de que, nas velocidades mais baixas (como o carro engrenado na primeira ou segunda mudança, o recomendado para os 30 km/hora), existe um consumo maior de combustível. Mas não é bem assim, explica o professor do Instituto Superior Técnico.
“Os automóveis evoluíram imenso em termos de emissões. Os motores têm um nível ótimo de funcionamento: a partir das 1500 rotações a gasóleo e das 2000 na gasolina. Quando o motor está a funcionar abaixo desse limite mínimo, aumentam as emissões. Para um carro relativamente moderno, as caixas de velocidade permitem que, em segunda, esteja a circular a 1500 rotações”, argumenta.
E acrescenta: “A aerodinâmica do carro tem grande importância nos consumos. E ela varia consoante a velocidade. Quanto maior a velocidade, maior a resistência do automóvel ao ar, logo maior terá de ser o consumo de combustível”.
Velocidade e contexto
Uma das vias que passaria a 30 km/hora é a Avenida de Roma, que já está rodeada por artérias onde essa velocidade máxima é uma realidade, nas chamadas “Zonas 30”. Para João Dias, ter a Avenida de Roma nesta nova velocidade é adequado. “Na atual circunstância, faz todo o sentido a circulação a 30 km/hora”, porque existem ciclistas sem uma faixa própria e muito trânsito pedonal.
Já quanto à Segunda Circular, 70 km/hora é um “valor razoável”. “O problema da Segunda Circular é que ela tem um traçado sinuoso, com entradas e saídas muito perigosas. Nessas condições, justifica-se baixar”, sublinha.