Vários anos de atraso e uma máquina vinda da China. É com isto que Lisboa conta para evitar uma catástrofe como a de Valência

13 nov, 18:58

Combater os eventos extremos provocados pelas alterações climáticas e reduzir as inundações e cheias na cidade são apenas alguns dos objetivos

Quem mora em Lisboa e olha para o que aconteceu em Valência, onde mais de 200 pessoas morreram à passagem da depressão DANA, não consegue deixar de pensar no mesmo. E se fosse cá?

A ideia de evitar um cenário semelhante deu origem ao Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL).

Quando e como?

Trata-se de uma ideia já velhinha (ver linha do tempo) e que não estará pronta, mesmo no melhor dos cenários, antes de 2030. De resto, e segundo a Câmara Municipal de Lisboa, a última versão prevê um período de execução entre 2016 e 2030.

O objetivo, esse, é desenvolver uma série de ações para proteger a cidade das "cheias e inundações associadas a fenómenos extremos de precipitação, preparando-a para os desafios do futuro". A versão mais recente prevê os seguintes pontos:

  • melhoria do conhecimento da rede de saneamento existente;
  • reforço e reabilitação da rede de saneamento existente;
  • construção de bacias de retenção;
  • construção de dois grandes túneis de drenagem para transvase de bacias.

Isto para conseguir outras quatro coisas: preparar a cidade para os eventos extremos provocados pelas alterações climáticas, reduzir significativamente as inundações e cheias e os consequentes custos sociais e económicos, criar infraestrutura que permite a reutilização de águas para lavagem de ruas, regas de espaços verdes e reforço de redes de incêndio e fechar o ciclo urbano da água - permitindo diminuir a “fatura” da água potável.

A construção prevê uma lógica 100-100. Aguentar com uma chuvada tão forte que só ocorre de 100 em 100 anos e garantir um tempo de vida útil à infraestrutura desses mesmos 100 anos. Durante esse tempo espera-se que a estrutura consiga desviar os caudais excessivos causados por grandes chuvas, mitigando os impactes sociais, económicos e ambientais das inundações.

Para atingir esses objetivos há quatro pilares, os chamados "vetores de atuação":

  1. Controlo na origem - através da construção de Bacias de retenção/infiltração e trincheiras drenantes;

  2. Transvase de bacias - Construção de 2 túneis com diâmetro interno de 5,5 metros e extensão total de cerca de 6 quilómetros;

  3. Reforço/reabilitação da rede de saneamento de maiores dimensões (doméstica e águas da chuva);

  4. Melhoria do conhecimento da rede de saneamento de Lisboa e do seu funcionamento.

Para que serve?

A própria Câmara Municipal de Lisboa reconhece que "situações de inundações são frequentes" na capital, nomeadamente em zonas críticas como a Rua de Sta. Marta/S. José, a Baixa e Alcântara.

"Estes fenómenos têm tendência a agravar-se devido à crescente ocupação do território e ao efeito das alterações climáticas", escreve a página que se destina a explicar o PDGL ao pormenor.

"Face a esta realidade é de extrema importância implementar soluções que eliminem/reduzam os impactes sociais, económicos e ambientais associados às cheias e inundações", acrescenta a mesma página.

Dois grandes túneis

Tudo isto assenta na construção de dois grandes túneis, um a ligar Monsanto e Santa Apolónia (cerca de cinco quilómetros), o outro a ligar Chelas ao Beato (cerca de um quilómetro).

Têm ambos 5,5 metros de diâmetro interno e desenvolvem-se em profundidade, na maior parte do traçado muito abaixo das edificações da cidade e das infraestruturas existentes. Apenas nas zonas de vale da cidade (coincidentes com a Rua de Santa Marta e Avenida Almirante Reis) e junto ao rio essa profundidade é diminuída.

Uma das ideias originais passava por utilizar o Martim Moniz para este efeito, mas a existência de um parque de estacionamento subterrâneo nessa mesma zona impediu a obra.

Assim, estes dois túneis vão captar a água recolhida nos dois pontos altos (Monsanto e Chelas), além de outros pontos de captação, para depois a conduzirem diretamente ao meio recetor, que será o rio Tejo, onde os túneis vão desembocar em Santa Apolónia e no Beato. Entre os pontos de captação a meio da "viagem" estão zona críticas como Avenida da Liberdade, Rua de Santa Marta e Avenida Almirante Reis.

Para esta obra conta-se com a Oli, uma tuneladora vinda da China que é crucial em todo o processo.

Que zonas são afetadas?

Em Campolide, na zona da Quinta do Zé Pinto, é onde está instalado o maior estaleiro da empreitada, que vai permanecer ali durante todo o tempo contratualizado. Uma intervenção que não tem implicações diretas na circulação rodoviária, não obrigando ao corte ou desvio de trânsito. Vai decorrer em horário contínuo até junho de 2026.

Duração prevista: setembro/2022 a junho/2026

Na interceção da Avenida da Liberade com a Rua Alexandre Herculano está um estaleiro cuja permanência vai ser faseada para minimizar as interferências com a mobilidade. É ali que está a ser construído um poço de vórtice, o que exige uma maior área. A Câmara Municipal de Lisboa garante que estão garantidos acessos às garagens, estacionamentos reservados a mobilidade reduzida e lugares de estacionamento exclusivo a moradores.

Já os passeios laterais junto aos edifícios ficam livres, enquanto a calçada artística será levantada, catalogada e a sua reposição será feita com o apoio dos Mestres Calceteiros.

Duração prevista: fevereiro/2023 a dezembro/2025

Do outro lado da Avenida da Liberdade, entre a Rua de Santa Marta e a Barata Salgueiro, a primeira via fica cortada ao trânsito numa primeira fase, afetando a ligação à Travessa do Enviado de Inglaterra. O acesso às garagens, zona de cargas e descargas, ao Hospital de Santa Marta, serviços e comércio e praça de táxis é garantido.

Na fase intermédia, chamada Fase1.A, a mesma rua mantém-se cortada e é implementado um estrangulamento na Barata Salgueiro. Só na segunda fase o trânsito é reposto em toda a extensão da Rua de Santa Marta, mas ficando cortado na Barata Salgueiro, entre a Rua Rodrigues Sampaio e a Rua de Santa Marta. O trânsito será desviado pela Rua Rodrigues Sampaio seguindo para a Rua Alexandre Herculano e retomando no início da Rua de Santa Marta.

Duração prevista: fevereiro/2023 a julho/2025

Mais para norte, na Avenida Almirante Reis com a Rua Antero Quental, há também perturbações. A segunda fica encerrada, mas é garantido o acesso a garagens, a cargas e descargas e ao estacionamento exclusivo a moradores. Fica também garantido o acesso pedonal a ambas as zonas, sendo que a Avenida Almirante Reis, crucial na zona, mantém o trânsito.

Duração prevista: novembro/2022 a dezembro/2025

Na zona de Santa Apolónia a Rua do Museu da Artilharia ficará encerrada durante todo o período de obra. Haverá várias fases de estaleiro onde será sempre garantido o acesso aos transportes públicos - CP, Carris, Táxis - com ajustes nas suas localizações.

Duração prevista: outubro/2022 a maio/2026

No Beato inicia-se a escavação do segundo túnel. O estaleiro terá evolução por fases, tal como em outras frentes de obra, minimizando os impactes na mobilidade. A Avenida Infante D. Henrique terá alguns condicionamentos, sem se prever qualquer corte na sua circulação.

Duração prevista: janeiro/2023 a julho 2026

Ainda no túnel Chelas-Beato, a Oli, como apelidam a tuneladora, termina aqui a obra, emergindo da terra para percorrer cerca de um quilómetro desde o Beato. Aqui é Santa Apolónia.

Na zona junto à calçada da Picheleira será sempre garantida a passagem a veículos pesados de transporte e a circulação dos autocarros da Carris. Existirão constrangimentos mas o fluxo viário nunca será interrompido.

Duração prevista: janeiro/2023 a julho 2026

Linha do tempo

Por isso mesmo existe um Plano de Drenagem na cidade, mas esse mesmo plano tem atravessado uma série de entraves. Se não veja-se que a ideia original da sua criação remonta a 2004. Sim, há 20 anos, quando ainda Pedro Santana Lopes era presidente da Câmara Municipal e António Costa ainda não pensava vir a sê-lo, a autarquia fez o lançamento do plano através da Empresa Municipal de Águas Residuais-EMARLIS.

Dois anos depois, em fevereiro de 2006, o projeto é adjudicado ao consórcio Chiron/Engidro/Hidra. A andar para a frente e para trás, apenas em março de 2008, aí sim já com António Costa à frente do município, é aprovado o primeiro Plano, que propunha quatro tipos de atuação. Como diz a própria Câmara Municipal de Lisboa, “por falta de capacidade financeira não foi implementado”.

Lisboa mergulhou então num esquecimento que foi reavivado em 2014. Aí criou-se uma equipa de trabalho com a finalidade de implementar o PGDL. Sem surpresa, os dez anos que passaram desde o início acabam por desatualizar o plano, obrigando em 2015 a uma atualização do mesmo. Ainda em dezembro desse ano é aprovada proposta após consulta pública.

Seguem-se, em 2018 e 2019, a construção das bacias de retenção na Ameixoeira e no Alto da Ajuda. Em paralelo, nos mesmos anos, são lançados o primeiro e segundo concursos públicos internacionais. Ambos com 1.200 dias e com um custo total de 246 milhões de euros. O primeiro, lembra a Câmara Municipal de Lisboa, “ficou deserto”.

Em 2020 é concluída a obra na Avenida Infante D. Henrique que previa um microtúnel e cinco descarregadores. Dezasseis anos depois da primeira proposta os lisboetas veem algo concreto.

No mesmo ano, em dezembro, é adjudicado um concurso no valor de 132,9 milhões de euros a um consórcio liderado pela Mota Engil, que também conta com a SPIE Batignolles Internacion. O prazo de execução são 1.140 dias.

Em 2021 é celebrado eesse mesmo contrato e, no mesmo ano, constrói-se nova bacia de retenção, desta vez no Parque Eduardo VII.

Em julho de 2022 a autarquia consegue um contrato de financiamento no valor de 90 milhões de euros junto do Banco Europeu de Investimento.

É o ano com mais atividade. Em 12 de setembro de 2022 chega uma tuneladora H2Olisboa ao Terminal Multiusos do Beato, vinda de barco da China.

Entre setembro de 2022 e março de 2023 são realizadas cinco consignações de estaleiros: Campolide, Santa Apolónia e Beato, Avenida Almirante Reis, Avenida da Liberdade e Ruas de Santa Marta e Chelas são as zonas escolhidas.

Entre 19 e 21 de março de 2023 é transportada a pesada tuneladora H2Olisboa do Beato até ao estaleiro de Campolide. Em setembro do mesmo ano é iniciada a montagem.

Já em julho deste ano é escavado um quilómetro do túnel Monsanto-Santa Apolónia, iniciado em dezembro de 2023. Faltam muitos outros quilómetros.

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