Novos "monos" publicitários de Lisboa são um "problema" de segurança rodoviária que "dificilmente pode ser legal"

Nuno Mandeiro , Notícia atualizada
6 set, 07:00

Os lisboetas têm visto serem erguidos ecrãs pretos de dimensões consideráveis um pouco por toda a cidade e, esta semana, na 2.ª Circular, os condutores já puderam assistir a autênticos anúncios de televisão enquanto se deslocavam. Lisboa está a ser invadida por painéis publicitários LED de grandes dimensões que estão a levantar críticas e dúvidas a quem os vê

São um "problema rodoviário" que pode pôr em risco a segurança dos condutores e "dificilmente serão legais". O alerta parte de especialistas ouvidos pela CNN Portugal sobre os novos painéis publicitários LED que estão a ser colocados por toda a cidade de Lisboa com um tamanho mínimo de oito metros quadrados. Surgem como cogumelos e, só na capital, haverá pelo menos 125 destas instalações.

Nas redes sociais, os lisboetas classificam-nos de "monstruosidades", dizem que "são proibidos por lei" e recordam os acidentes na A1, no Prior Velho, junto ao outdoor de grandes dimensões que tinha sempre "as meninas da Triumph", na fachada da própria empresa.

Um dos casos mais notórios é a 2.ª Circular, uma das vias rodoviárias mais movimentadas do país, com mais acidentes e onde a Câmara Municipal de Lisboa instalou um conjunto de novos radares de controlo de velocidade há dois anos e três meses.

Estes novos painéis luminosos podem ser um mais um fator de risco para o aumento da sinistralidade, podendo mesmo "perturbar a atenção do condutor, prejudicando a segurança da condução", consequentemente violando o artigo 5.º do Código da Estrada referente à sinalização.

Painel de publicidade LED instalado na 2.ª Circular em ambos os lados da via rodoviária. (Fonte: Tiago Donato)

Depois de ver imagens dos painéis em questão, o advogado João Massano, que é presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados diz que perante o que viu “dificilmente poderei afirmar que aquilo é legal", entendendo que viola o Artigo 5.º do Código da Estrada.

"Todos temos visão periférica e sempre que algo sai fora do normal de um dos lados é inato que a nossa atenção siga esse estímulo. O que é que acho? Que, além de tudo, o de facto ser um LED - que são altamente intrusivos na visão periférica - pode conduzir a distrações no trânsito”, explica João Massano.

Ponto 3 do Artigo 5.º do Código da Estrada (Fonte: Base de Dados Jurídica - BDJUR)

O advogado lembra que o Artigo 5.º do Código da Estrada proíbe a instalação "nas vias públicas ou nas suas proximidades quadros, painéis, anúncios, cartazes, focos luminosos, inscrições ou outros meios de publicidade capazes de perturbar a atenção do condutor, prejudicando a segurança da condução". "O critério é, pura e simplesmente, a possibilidade de conduzir a uma distração no trânsito e parece-me que sim, parece-me que ali não há muitas dúvidas sobre isso", explica, lembrando que é "normal que a atenção dos condutores siga o estímulo" e que "qualquer painel em LED pode conduzir a distrações no trânsito".

João Massano recorda ainda o que aconteceu no caso do painel LED do El Corte Inglês em Lisboa, que levou a Câmara Municipal a emitir um despacho que limitava a transmissão de qualquer imagem que não fosse estática a partir das 20:00, de modo a minimizar os efeitos para os moradores daquela zona da capital. No entanto, no caso atual não é conhecido qualquer despacho ou medida que limite a transmissão de anúncios publicitários nestas novas estruturas, havendo painéis a transmitir vídeos durante a noite.

Um dos maiores painéis LED de publicidade encontra-se situado entre o centro comercial Colombo e o Estádio da Luz, numa das bermas da 2.ª Circular. (Fonte: Tiago Donato)

Uma das maiores estruturas publicitárias na 2.ª Circular, encontra-se situada entre o Estádio da Luz e o centro Comercial Colombo e é um dos painéis que está a gerar mais críticas: "É mesmo um mono. Custa-me que entidade públicas incentivem este tipo de mudança, pelo menos em zonas que são realmente perigosas", critica o advogado, que lembra que foi a própria CML que, há pouco mais de dois anos, aumentou o número de radares de velocidade, naquilo que disse ser numa tentativa de mitigar o número de acidentes. "Não faz grande sentido, porque, por um lado, pretende-se controlar a sinistralidade com os radares e, por outro, criam-se focos de distração da condução ", culmina João Massano.

Pesando as duas medidas, também o Automóvel Clube de Portugal (ACP) estranha a decisão: "Não podemos estar a instalar equipamentos que, numa determinada medida, possam contribuir para a segurança rodoviária, mas depois permitir a instalação de outros que possam ser contrários a esta realidade". O ACP alerta que "poderemos enfrentar aqui um problema rodoviário" com estas novas instalações publicitárias espalhadas por Lisboa e na 2.ª Circular. Humberto Carvalho, diretor de formação do ACP, considera que "perante o que é possível observar, existe efetivamente uma situação que não parece estar alinhada com a segurança rodoviária", destacando que estes painéis "contrariam a questão da segurança rodoviária pela sua colocação, pela estrutura e também pela componente de iluminação".

Para o ACP, existem três fatores de risco inerentes a estas recém-instaladas estruturas publicitárias tanto na 2.ª Circular como nas outras artérias no centro da capital. Primeiro, a localização e dimensão, porque estão "demasiado próximos da via, eventualmente, com conteúdos e mensagens que não são controlados e podem constituir um fator de distração muito forte para o condutor"; depois o facto de serem estruturas rígidas ao lado de uma via rodoviária, que "podem, em casos de despiste, ser um fator agravante em termos de lesões e ferimentos para o condutor e para os passageiros, sobretudo nos veículos de duas rodas"; e em terceiro, por serem "eminentemente luminosos", tendo a "capacidade de captar a atenção dos condutores e, sobretudo até em períodos noturnos, também de retirar alguma capacidade, dependendo da sua colocação, para que o condutor possa identificar a sinalização rodoviária".

Painel publicitário de grandes dimensões situado na saída da A1/entrada da 2.ª circular, sentido norte-sul. DreamMedia - empresa responsável pela infraestrutura - diz ser o maior outdoor digital em Portugal. O painel tem 25 metros de comprimento e oito de altura. (Fonte: Tiago Donato)

Os painéis estão a ser progressivamente ligados, sendo que na última semana já começaram a transmissão de publicidade nalguns dos que estão localizados na 2.ª Circular, via em que estão presentes cerca de uma dezena destas estruturas com formatos diversos e dimensões. 

João Massano reforça que "o facto de as coisas estarem na rua não significa que sejam legais" e sublinha um caso que lhe parece mais arriscado, um painel colocado numa via rápida como a 2.ª Circular, ainda para mais à saída de uma autoestrada.

O painel a que João Massano se refere é o Lisbon Gate, como foi batizado pela empresa responsável DreamMedia. É o maior painel publicitários no país com 25 metros de comprimento e oito de altura, como destaca a empresa DreamMedia detentora de apenas seis spots publicitários na capital. Está situado a escassos metros do quilómetro 0,1 da A1, a maior e mais movimentada autoestrada do país, e logo à entrada da 2.ª Circular, na fronteira entre os Olivais e o Prior Velho, que separa os concelhos de Lisboa e Loures. As restantes infraestruturas da capital pertencem à JCDecaux e resultaram do concurso público para a concessão da exploração publicitária da cidade. O mesmo contrato que já gerou polémica devido às novas paragens de autocarro e que renderá aos cofres de Lisboa 8,3 milhões de euros anuais, durante 15 anos.

Durante a noite, para além do impacto visual do LED é ainda possível verem-se as luzes azuis que adornam toda a estrutura que suporta o painel, (Fonte: Daniel Driga)

A CNN Portugal contactou a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), o IMT e a PSP numa tentativa de perceber se foram ouvidas neste processo e qual foi o parecer dado, mas até à hora de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta. 

Humberto Carvalho lembra que nestes casos é necessário o parecer favorável do IMT [após a publicação deste artigo, ACP reconheceu confusão e explicou que o parecer teria de ter sido dado não pelo IMT, mas pela Administração rodoviária – antigas Estradas de Portugal e atuais Infraestruturas de Portugal] que "é quem vai determinar a questão da segurança rodoviária", sendo que o regulador tem o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o caso. "Não havendo qualquer pronuncio em 10 dias, o processo é deferido de forma tácita", explica o diretor de formação do ACP.

Painéis publicitários LED estão espalhados por toda a cidade de Lisboa, como se pode ver em Benfica. (Fonte: Tiago Donato)

Contactada pela CNN Portugal, o gabinete do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas justificou que "a atual situação resulta do contrato público para a "instalação e exploração publicitária de mobiliário urbano" que foi vencido pela empresa JCDecaux em 2017 e que, só no último ano, começou a ser implementado".

"Dar nota de que na sequência do referido concurso, estava também definido a instalação de 125 painéis digitais de grande formato", destaca o atual executivo da CML, explicando que "a opção da 2.ª Circular era uma das vias preferenciais que constava do caderno de encargos e um dos eixos definidos no concurso para a colocação de painéis de grande formato". Este é o mesmo contrato em que estavam incluídas as polémicas paragens de autocarro da capital, mas que não contempla o Lisbon Gate da DreamMedia.

O gabinete de Carlos Moedas termina a resposta realçando que "o atual Executivo ficou assim “refém” de um concurso e de opções que foram tidas em 2017", altura em que era o PS que detinha o controlo da autarquia. Os vereadores socialistas negam as acusações e falam na "opacidade" inerente a todo este processo.

O ACP garante que "não existe a menor dúvida que a publicidade, mensagens ou outro tipo de elementos que, estando muito próximos da via, ou com mensagens, ou conteúdos que pretendam chamar a atenção dos condutores, podem na sua génese ser contrários à segurança rodoviária", lembrando que este não é um problema exclusivo de Lisboa e já está a acontecer em vários concelhos do país.

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