Atraso a concorrer ao PRR leva Lisboa a endividar-se em 83 milhões para reabilitar escolas degradadas. Não é suficiente: faltam 400 milhões

2 ago 2024, 07:00
Crianças ucranianas numa aula de português (Lusa/Tiago Petinga)

No total, serão 60 as escolas alvo de obras, mas num parecer obtido pela CNN Portugal, o executivo admite que algumas escolas poderiam ter sido abrangidas pelo PRR, “o que não se verificou por ausência de reação por parte do Município”. Fonte oficial da Câmara Municipal aponta culpas a Medina e a António Costa por este atraso e diz que a autarquia vai pedir dinheiro ao novo Governo

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) endividou-se em 83 milhões de euros para assegurar a reabilitação de 60 escolas degradadas no distrito. O contrato foi aprovado e entrou para o Orçamento no início de julho, mas dentro do executivo de Carlos Moedas há quem admita que tal só foi necessário porque a autarquia não se mexeu mais cedo - e há mais um problema: será preciso gastar mais de 400 milhões para que as intervenções nos estabelecimentos de ensino fiquem concluídas. 

Num parecer da Assembleia Municipal a que a CNN Portugal teve acesso, e onde é explicado aos deputados de Lisboa o enfoque deste investimento, a vereadora com o pelouro das Obras Municipais Filipa Roseta admitiu que as “as escolas secundárias que foram transferidas para a tutela da CML em 2019 poderiam ter sido abrangidas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o que não se verificou por ausência de reação por parte do Município”. A frase foi escrita tal e qual no relatório, assinado por Luís Newton, deputado social-democrata e presidente da Junta de Freguesia da Estrela. 

Nesse documento também foi sublinhada pela vereadora a urgência de recorrer à banca privada “por obrigatoriedade de conclusão das obras até junho de 2026” e assumido um “atraso de três anos no início dos programas preliminares necessários à candidatura a financiamentos no âmbito do PRR”.

Ou seja, há dois motivos principais que levaram a Câmara Municipal de Lisboa a firmar um empréstimo com o Santander Totta para a reabilitação do parque escolar: em primeiro lugar, todo o tempo é pouco, visto que as obras têm de estar concluídas no espaço de sensivelmente dois anos; em segundo lugar, porque foi perdida a chance de este investimento estar contemplado na bazuca do PRR. 

À CNN Portugal, fonte oficial da CML assume que “lamentavelmente tornou-se inviável a candidatura a este importante financiamento europeu”. Mas culpa o antecessor Fernando Medina e o anterior Governo socialista por isso: “No início do atual mandato, em 2021, não existiam ainda programas preliminares ou funcionais para a requalificação das escolas primárias e secundárias”.

Juros de 28,4 milhões de euros

O executivo, continua, tomou a iniciativa de “dialogar com o anterior governo de forma a obter o financiamento necessário”, mas tal acabou “sem acordo alcançado”. Isto surgiu depois de em julho de 2023, António Costa e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) terem assinado um acordo que transferiu para a competência das autarquias uma série de responsabilidades com os estabelecimentos de ensino, nomeadamente a sua reabilitação. Na sequência desse pacto, o executivo comprometeu-se a financiar essas obras a 100%.

Mas o dinheiro, afirma a autarquia, nunca chegou. Mesmo depois de sucessivos relatórios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) a alertar para o estado de degradação das escolas. Em 2019, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil avisava que três em cada dez escolas de Lisboa estavam em "mau" estado. 

Uma solução poderia ter sido a utilização de fundos do PRR, mas isso também se tornou impossível por razões de tempo. “Tendo em conta que o processo de requalificação deste tipo de equipamentos tem uma demora de quatro anos, desde a fase de elaboração do programa preliminar com a direção da Escola e a comunidade escolar, até à conclusão da obra, passando pelos concursos do projeto e da obra, e o prazo do PRR termina em Junho de 2026, lamentavelmente tornou-se inviável a candidatura a este importante financiamento europeu”. 

Face a esta realidade, a Câmara Municipal recorreu ao Santander Totta para contrair um empréstimo de 83,5 milhões de euros, prevendo-se juros de 28,4 milhões de euros. No entanto, aponta a vereadora Filipa Roseta no parecer a que a CNN teve acesso, "as despesas exigidas pela requalificação do parque escolar excedem o previso no empréstimo". 

Requalificação é superior a 400 milhões de euros

Isto porque “as referidas escolas estão num estado de conservação que reflete décadas de abandono, para as quais se estima ser necessário um investimento total de requalificação superior a 400 milhões de euros”, esclarece a autarquia. “Não é possível abordar um investimento desta envergadura e complexidade com medidas avulsas”.

Neste momento, o entendimento de Carlos Moedas é o de que Lisboa não pode avançar com qualquer tipo de investimento mais global de requalificação porque o Decreto-Lei n.º 21/2019 - o que define a passagem das responsabilidades dos estabelecimentos de ensino para as autarquias - que estabelece que “as responsabilidades de construção, requalificação e modernização de edifícios escolares […] continuam a ser exercidas pelo Ministério da Educação até que seja assegurado o financiamento dessas operações de investimento”.

O presidente da Câmara vai agora tentar retomar as negociações com o novo Governo “de modo a garantir que o plano de requalificação é concretizado com a previsibilidade necessária num complexo processo de investimento”. 

O parecer foi aprovado um dia antes de a proposta ser discutida e aprovada por maioria em reunião de Assembleia Municipal no dia 2 de julho, uma das mais intensas dos últimos meses. Nessa ocasião, o executivo de Moedas viu-se atacado pelo o monárquico Gonçalo da Câmara Pereira, deputado do PPM e um dos aliados que fez parte da coligação de direita que destronou Fernando Medina. 

Num discurso que foi visto por muitos sociais-democratas e centristas como o princípio do fim da relação com o PPM, Gonçalo Câmara Pereira votou contra aquela proposta e acusou a coligação de “enxovalhar a democracia” e de lhe “desligar o telefone”. Em conversa com a CNN Portugal mais tarde, o monárquico garantiu estar a equacionar desvincular-se da solução Novos Tempos.

Política

Mais Política
IOL Footer MIN