Decisões por um golo, heróis e polémicas: quais foram os campeonatos mais marcantes?

26 mai 2023, 08:14
Clássico Benfica-FC Porto

Liga 2022/23 decide-se na última jornada. As memórias das decisões mais disutidas, nas escolhas de João Nuno Coelho, sociólogo e investigador

Agora é de vez. O campeão decide-se neste sábado, a partir das 18h, na Luz e no Dragão. Benfica-Santa Clara e FC Porto-V. Guimarães. Dois campos, um título em jogo com vantagem do Benfica e o FC Porto a dois pontos, na última jornada. O desfecho da 89ª edição da Liga vai determinar qual será o seu lugar numa história que teve muitas decisões sobre a meta. Quais foram as mais marcantes? João Nuno Coelho, sociólogo e investigador da história do desporto, faz esse exercício com o Maisfutebol. Escolhe três. Mas a viagem puxa mais memórias e mais decisões cheias de histórias.

Um em cada três campeonatos decidiu-se na derradeira jornada. Só uma vez o líder mudou – aconteceu ao Belenenses, em 1955. O que diz muito sobre a Liga portuguesa, começa por observar João Nuno Coelho: «Há muitos campeonatos decididos na última jornada, embora normalmente quem vai à frente não vacile muito. O facto de só ter havido uma vez uma mudança de líder na última jornada diz muito sobre o nosso campeonato e provavelmente diz bastante até sobre a nossa própria realidade mais social, mais abrangente,.»

«Além de 1955 há dois campeonatos que foram decididos por golos. E na verdade apenas por um golo. Portanto, esses campeonatos são os mais equilibrados de que há memória», continua João Nuno Coelho, introduzindo as suas escolhas: a Liga de 1947/48, que ficou conhecida como Campeonato do Pirolito, por se ter decidido a favor do Sporting num único golo, e a de 1958/59, com FC Porto e Benfica na corrida e talvez a mais dividida e discutida da história, associada para sempre no imaginário coletivo ao árbitro Inocêncio Calabote.

As decisões em cima da meta eram recorrentes nos primeiros tempos da Liga. Também, nota o investigador, porque eram campeonatos com menos equipas e bem mais curtos. «Nomeadamente nos anos 30 e 40, era natural que a decisão chegasse à última jornada. No primeiro campeonato, ainda campeonato da Liga em 1934/35, houve um jogo decisivo na última jornada, um Sporting-FC Porto, em que bastava um empate ao FC Porto. Em 1938/39, por exemplo, foi mais dramático. Foi o primeiro campeonato nacional e na última jornada o FC Porto recebia o Benfica. Ao FC Porto chegava o empate e o Benfica tinha de ganhar. Nos últimos minutos o Benfica marcou um golo que foi anulado. Acabou por ser decidido por um golo e ainda por cima com essa questão do golo anulado, que levantou imensa polémica na altura.»

Os anos 50, continua João Nuno Coelho, foram particularmente férteis em decisões dramáticas na última jornada. «Houve uma sequência louca no momento de viragem do ciclo, depois do tetra do Sporting. Temos em 1955 o campeonato que o Sporting deu ao Benfica. Em 56 o FC Porto ganha o campeonato na última jornada. Tem de vencer a Académica, a 15 minutos do fim está 0-0 e acaba por ganhar por 3-0. Na época seguinte, em 1957, dá-se o inverso. O Benfica tem de ganhar na última jornada à Académica em casa para ser campeão e ganha também. Em 1958 o FC Porto e o Sporting chegam à última jornada empatados e o Sporting é campeão com os mesmos pontos do FC Porto. E em 59 é o Calabote. Cinco campeonatos, todos eles decididos na última jornada. E a favor de diferentes equipas. O FC Porto ganhou dois, o Benfica ganhou dois e o Sporting um. Foi uma época de um equilíbrio enorme.»

Outra curiosidade histórica reside nos anos 60, nota, com o campeonato 1965/66 como momento marcante. «Essa era a altura em que o Sporting ganhava de quatro em quatro anos. O Benfica ganhava o tri e no meio o Sporting era campeão. Aconteceu em 62, em 66, em 70 e em 74. Em 66, o Sporting ganhou o campeonato na Póvoa, com um golo do Fernando Peres já na segunda parte. Se tivesse empatado tinha perdido o campeonato.»

Quando em meados dos anos 70 o FC Porto começou a ganhar preponderância no futebol nacional, observa João Nuno Coelho, o campeonato também teve várias decisões na negra. «Na outra mudança de ciclo aconteceu algo semelhante. Em 1978 o FC Porto ganhou na última jornada. Tinha que vencer o Sp. Braga em casa e venceu. Em 1979 tinha de vencer o Barreirense na última jornada e venceu. E em 1980 foi a decisão que o Sporting ganhou na última jornada.

Esse campeonato de 1979/80 é outro marco na história da Liga. FC Porto e Sporting chegaram em igualdade à última ronda, com vantagem dos leões no confronto direto. «O Sporting ganhou ao FC Porto em casa e empatou 1-1 nas Antas, já muito perto do final do campeonato. Mais um jogo polémico, porque o Sporting estava a ganhar por 1-0 e o FC Porto empatou de penálti. Ainda por cima com toda uma mitologia à volta desse lance, porque o António Oliveira é que marcava os penáltis e pelos vistos o Pedroto desconfiou que ele não ia conseguir marcar. E teria dito ao Romeu para ir para a recarga. Aquelas histórias que se contam, não se sabe se é verdade ou não. O Romeu diz que sim. De qualquer maneira, nesse jogo o FC Porto conseguiu manter-se na frente. E foi na jornada seguinte, quando empatou na Póvoa, que começou a perder o campeonato. O Sporting depois venceu em Guimarães, com o autogolo do Manaca, e na última jornada ganhou 3-0 à União de Leiria. E o FC Porto até perdeu em Espinho.»

São muitas as histórias e uma puxa a outra. Mas João Nuno Coelho consegue isolar três decisões em especial. E depois, para juntar à lista uma escolha já do século XXI, acrescenta uma outra. Vamos a elas.

1947/48

Sporting campeão

Sporting e Benfica chegaram à última jornada empatados, com 39 pontos

Última jornada:

Lusitano VRSA-Sporting, 1-4

Benfica-Olhanense, 2-0

«O Sporting e o Benfica disputaram o campeonato até ao fim e acabou por ser decidido por um golo, no confronto direto. O Sporting perdeu 3-1 em casa com o Benfica e depois na segunda volta, para ficar em vantagem sobre o Benfica, tinha de ganhar por mais de dois golos de diferença. Ganhou 4-1 em casa do Benfica com quatro golos do Peyroteo. E mesmo isto não tendo acontecido na última jornada, a verdade é que o campeonato só foi decidido na última jornada, porque as equipas mantiveram-se sempre empatadas até mesmo ao final do campeonato. Acabou por valer o tal golo do confronto direto entre Benfica e Sporting.»

1954/55

Benfica campeão

O Belenenses chegou à última jornada com um ponto de vantagem sobre o Benfica e dois sobre o Sporting

Última jornada:

Belenenses-Sporting, 2-2

Benfica-Atlético, 3-0

«Foi o campeonato em que o Belenenses quase conseguia voltar a ser campeão, com o Matateu, mas acabou por perder o campeonato na última jornada. Entrou na última jornada à frente, só que recebia o Sporting, que era tetracampeão nessa altura. Empatou 2-2 no Restelo, ainda por cima de uma maneira dramática. A cinco minutos do fim estava a ganhar por 2-1 e o Matateu teve um lance para fazer o 3-1. A bola não entra… Embora ainda hoje os adeptos do Belenenses digam que a bola entrou. Mas a verdade é que não foi golo. E na resposta o João Martins fez o 2-2 e entregou o título ao Benfica. Essa foi a única vez em que houve realmente uma reviravolta na última jornada.»

1958/59

FC Porto campeão

FC Porto e Benfica chegavam à última jornada empatados em pontos e no confronto direto, com vantagem portista na diferença de golos

Última jornada

Torreense-FC Porto, 0-3

Benfica-CUF, 7-1

«Em 1958/59 é a famosa história do campeonato do Calabote. O FC Porto e o Benfica entraram na última jornada empatados, também no confronto direto. É o que se passa no atual campeonato, em que se houvesse um empate ganhava o Benfica por diferença de golos, porque o confronto direto está empatado. O FC Porto entrou na última jornada com mais quatro golos. E no último jogo o Benfica ganhou 7-1 à CUF e o FC Porto ganhou 3-0 em Torres Vedras. Portanto, ficou um golo de diferença. Nesses minutos finais podia ter acontecido tudo, até porque o FC Porto marcou dois golos nos últimos dois minutos. Esse terá sido na verdade o campeonato mais disputado de todos os tempos, porque foi decidido por diferença de golos e com muitos golos marcados no último jogo. Quanto à história de o Inocêncio Calabote ter ou não prolongado demasiado o jogo do Benfica? Eu penso que desde logo houve um aspeto importante que muitas vezes não é referido. É que o jogo do Benfica já começou atrasado em relação ao do FC Porto. Portanto, e sabendo nós como versões da história mudam sempre e são sempre aumentadas, eu imagino que possa ter havido um excesso de tempo de descontos, mas essa sensação terá sido agravada pelo facto de o jogo ter começado mais tarde. Além disso houve três penáltis na primeira parte a favor do Benfica, o que também contribui para toda a narrativa e novela à volta do jogo. O guarda-redes da CUF foi substituído durante o jogo também. Portanto, terá sido uma jornada realmente esquisita. Mas provavelmente, com os anos a passarem, ainda mais mitificada se tornou. Imagino que seja as duas coisas. Há versões contraditórias. Chegou uma altura em que o Benfica estava em vantagem. E aqueles dois golos do FC Porto, acho que aos 89m e 90m, acabaram por ser decisivos. Depois, o Benfica também enviou o seu treinador-adjunto para ‘ajudar’ os treinos da última semana do Torreense. O que hoje em dia seria absolutamente impensável. Houve ali um aconselhamento especializado… Imagino que tenha sido um dia assim bastante incrível, um caso sério de emoção e de histórias, porque estava tudo dependente da diferença de golos.»

2015/16

Benfica campeão

O Benfica chegava à última jornada com dois pontos de vantagem sobre o Sporting

Última jornada

Benfica-Nacional, 4-1

Sp. Braga-Sporting, 0-4

«No século XXI, entre Sporting e Benfica em 2015/16 foi incrível. As duas equipas ganharam nove jogos consecutivos nas últimas nove jornadas. O Benfica passa o Sporting com aquele golo do Mitroglou, em Alvalade, no jogo em que o Bryan Ruiz falha aquele golo debaixo da barra. Depois o Benfica do Rui Vitória não perde um único ponto até ao fim e o Sporting também não perde nenhum ponto até ao fim. Na última jornada o Benfica tinha de ganhar ao Nacional e ganhou por 4-1, mas a verdade é que o Sporting foi sempre marcando em cima, até à última jornada. O Sporting tinha ido ganhar 3-0 à Luz e dominou o campeonato. Aliás, se há uma ou outra situação na história em que se pode dizer que houve um campeão injusto… Eu acho que campeões injustos é quase uma contradição em termos, numa prova de regularidade o campeão acaba sempre por ser justo. Mas se tivesse na minha memória de pensar num campeão que foi injusto, este era um exemplo. Não porque o Benfica não merecesse ganhar, mas porque acho que o Sporting merecia mais. O Sporting fez um campeonato absolutamente extraordinário. Lembro-me perfeitamente de o Sporting perder um jogo na Madeira com o União. Eu estava a fazer observação estatística e o Sporting teve 11 ocasiões de golo, o que é uma coisa raríssima. Onze ocasiões claras, não são aqueles remates fora da área que a bola vai ao poste. Ocasiões dentro da área, em frente ao guarda-redes, que defendeu tudo. E na única vez que o União foi lá à frente marcou um golo. Uma coisa absolutamente surreal.»

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