Meganegócios no futebol português: perguntas, respostas e ideias

31 dez 2015, 00:35
Benfica e NOS

O Maisfutebol foi tentar esclarecer os contornos dos contratos televisivos celebrados pelos três «grandes» do futebol português. O que se sabe, o que mudou e o que pode mudar. A opinião dos economistas sobre os valores históricos alcançados por Benfica, FC Porto e Sporting. Ao todo são mais de 1300 milhões de euros nos cofres dos maiores emblemas

O Sporting foi o último dos chamados «três grandes» a anunciar um novo acordo relativo aos direitos televisivos. Os leões acordaram com a operadora NOS um contrato de 446 milhões de euros
, válido por 10 épocas desportivas, ao mesmo tempo que renegociou o contrato que já vigorava com a PPTV
por 69 milhões, perfazendo um total de 515 milhões.
 
Antes já os rivais tinham anunciado acordos parecidos. O Benfica adiantou-se aos restantes, celebrando no início deste mês um acordo também com a NOS no valor de 400 milhões de euros, por um período de 10 anos. Os dragões decidiram aceitar a proposta da Altice, dona da PT, por 457 milhões de euros, válida também para os próximos 10 anos.

Ao todo, foram pouco mais de 1300 milhões de euros investidos pelas duas operadoras, que vão encher os cofres dos maiores emblemas nacionais, embora com inícios e vertentes diferentes. Aqui pode encontrar os detalhes dos vários negócios.

Ora, uma vez que o assunto ainda é recente e as próprias entidades envolvidas deixaram muitas pontas soltas sobre os acordos celebrados, o Maisfutebol fez um esforço para tentar ir ao encontro das principais dúvidas dos leitores.

Como tal, falou com dois economistas sobre o assunto e tentou obter respostas sobre várias temáticas: as contas dos clubes, que contempla a afirmação dos «grandes» como um caso à parte dos restantes clubes, o estado do futebol português após estes acordos, e o futuro do mercado audiovisual em Portugal.

António Samagaio, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) de Lisboa, e Paulo Reis Mourão, professor de Economia da Universidade do Minho, analisaram as implicações destes contratos inéditos.
 
Que impacto têm estes valores para os clubes em causa?

Começando pelo início. Que os valores são astronómicos e até invulgares para os portugueses já se sabe, mas desconhece-se para já o impacto que este encaixe terá nas contas dos clubes.

«Creio que tem dois efeitos, direto e indireto. A receita vai aumentar, disso não há dúvidas. Indiretamente há dois elementos bastante importantes. Uma vez que os contratos têm a duração que têm, isto vai conferir maiores garantias aos credores das SAD (Banca, empréstimos obrigacionistas). Vão ver o seu risco de crédito diminuir», começou por explicar António Samagaio, sublinhando:

«Os clubes podem aproveitar estes contratos para chegar à Banca e conseguir refinanciar a dívida, e outro tipo de empréstimos, que oferecem maiores garantias de crédito.»

Quem ficou mais a ganhar?

Desde o primeiro contrato celebrado entre Benfica e NOS, os principais rivais não tardaram em entrar na corrida, apresentando consecutivamente propostas superiores – embora os números não sejam tão simples assim – criando uma espécie de competição para ver quem «sacaria» mais dinheiro. Mas afinal quem lucra mais? Com base no que se conhece, a explicação não é fácil.

«Os clubes vão ver as receitas aumentar nos próximos anos, não sendo neste momento possível quantificar o ganho em si, face à situação atual. Mas há aqui uma ideia que é visível. Quem fica a perder com isto é a Olivedesportos, que tinha os direitos televisivos através da PPTV. Perde o negócio que tinha durante muitos anos, com esta guerra entre Altice e NOS», frisou o economista do ISEG.

O que é que estes contratos representam a mais para os três «grandes» comparativamente aos que já tinham?

«Os três “grandes” ficam a ganhar face à situação atual», disso Samagaio não tem dúvidas, ainda assim é impossível, neste momento, avaliar as mais-valias destes negócios para além daquilo que parece óbvio.

«Só os clubes é que podem dizer essa variação entre os ganhos. Olhando para as contas, há sempre rubricas que não são reveladas. As contas não individualizam, por exemplo, as verbas relativas à publicidade. Anteriormente esses contratos não eram conhecidos, então é difícil dizer se ganham mais ou menos», referiu.

Com a alienação das televisões dos clubes, qual dos três sai mais prejudicado com este acordo?

«São projetos em fase diferenciadas», neste ponto os dois economistas estão de acordo, mas há de facto diferenças.

«A BTV apresentou lucros no último exercício, mas a partir do momento em que há transferência de jogos da equipa principal e da Premier League para a NOS, o valor da BTV é completamente esvaziado. Foi uma jogada estratégica da direção para reforçar o aumento de receitas e foi bem conseguida na altura», considerou Samagaio.

1300 Milhões de euros é o montante total do investimento feito pelas operadoras. Qual o motivo que leva empresas a fazer um investimento destes em menos de um mês.

Os contratos celebrados vão injetar muito dinheiro nos cofres dos clubes, mas as operadoras envolvidas nestes contratos parecem ter confiança de que vão recuperar o investimento. Como? Os especialistas explicam.

«É o reconhecimento do futebol como veículo para fornecer pacotes de conteúdos que agradem aos espectadores. Reconhecem que futebol é uma mais-valia para as televisões. Já acontece noutros países e mostra que o futebol é um bom negócio. Falamos de operadoras com mercado internacional, e isso facilita o investimento já feito. Em África e França, onde elas estão presentes, há muitos portugueses, e o futebol é o elo de ligação entre as comunidades. Isso ajuda a recuperar o investimento», indica Samagaio.

Paulo Reis Mourão partilha da mesma opinião no que toca à «expansão do negócio para os países da lusofonia», mas considera também que «serve para mostrar que têm a confiança de uma grande marca» que, neste caso, são os clubes em causa. O professor da Universidade do Minho alerta também para a chegada do «streaming», que poderá ser um mercado a explorar pelas operadoras, aproveitando estes contratos para reservar para si um produto potencialmente aliciante para entrar nesse setor.

De que forma vão depois recuperar esse dinheiro? (fala-se na venda a outros países, mas é possível também um aumento do preço de subscrição?)

«É importante saber como é que o mercado vai ficar em 2018. Não me parece plausível que os consumidores portugueses, para ver jogos, tenham de pagar a dois operadores diferentes. Vai levar a que as duas operadoras tenham de chegar a um entendimento e têm dois anos para chegar a esse entendimento sobre a comercialização dos conteúdos. O dinheiro não estica e infelizmente estamos num país onde o salário médio é baixo», pensa Samagaio.

Porque é que a PPTV decide renegociar nesta altura um contrato já firmado com o Sporting, tendo em conta que no final do mesmo irá perder os direitos para outro operador?

Esta questão dividiu os especialistas, por tratar-se de uma questão de foro interno da empresa, ainda assim Paulo Reis Mourão arriscou um possível cenário: «A PPTV está a associar-se a uma grande marca para depois também sair valorizada.»

Nos 69 milhões de euros comunicado pelo Sporting, relativo à PPTV, está só compreendida a verba adicional eventualmente negociada, ou o valor total do acordo que já vigorava?

Esta é uma dúvida presente nas entrelinhas do acordo dos leões com os «vizinhos» da NOS, parafraseando o técnico Jorge Jesus, mas António Samagaio aponta aquilo que considera ser o cenário mais plausível.

«Parece-me que é o valor global e não um acréscimo face aquilo que estava a receber. Se dividíssemos isto por três épocas dava 23 milhões por época, o que já seria um valor superior aquilo que o Benfica vai receber na primeira época. Parece-me portanto o valor global que fica agora com a PPTV», reitera.

Que impacto tem este negócio no mercado nacional? É da opinião de que deveria existir um mecanismo regulador, com intervenção do Governo, como em Espanha?

Aqui ao lado, a liga espanhola está a experimentar pela primeira vez uma política de centralização dos direitos de transmissão, mas os principais emblemas do campeonato, Real Madrid e Barcelona, continuam a arrecadar verbas muitíssimo superiores aos restantes. Em Portugal opta-se agora pela negociação individual. Como ficam as coisas?

«Eu sou contra o que se está a passar no futebol português, não vejo que seja benéfico para o futebol português esta forma de negociação dos direitos televisivos, é o salve-se quem puder, cada um tenta obter a fatia maior deste bolo.
Os clubes pequenos serão os mais prejudicados, sobretudo aqueles que lutam pela manutenção ou caem para a segunda liga. Para o interesse de ter uma liga competitiva, claramente teria de haver uma negociação centralizada», disse Samagaio, apontando o dedo à Liga, que julga «ter sido ultrapassada pelos interesses dos três “grandes” que sobrepõem-se ao interesse de todos».

Já Paulo Reis Mourão está convicto de que o Estado não vai poder fugir a estes negócios e terá de intervir «nem que seja também no capítulo das receitas fiscais».

É verdade que, apesar do compromisso por 10 anos, há uma obrigatoriedade de renegociar sempre esses contratos ao fim de três anos? Estes contratos são ilegais?

A pergunta nasceu após as declarações de Mário Figueiredo, antigo presidente da Liga, que alegou a existência de ilegalidades na periodicidade dos contratos celebrados.

«Estamos a falar de empresas cotadas e sociedades de grande dimensão, não estou a ver que essas entidades estivessem a cometer ilegalidades. No caso do Benfica, a NOS lembra que contrato é renovável ao fim de três anos, mas no caso do Sporting já não diz. Custa-me a crer», referiu Samagaio.

Já Paulo Reis Mourão aponta outro motivo: «creio que os três anos têm a ver com o tempo de mandato das direções. Digamos que foi um número simbólico estabelecido para reforçar a confiança dos acionistas da NOS

É possível antever, com base nisto, aquilo que vai acontecer ao mercado dos media em Portugal. Onde é que as pessoas passam a ver os jogos a partir de agora?

A pergunta que todos já fizeram certamente, sobretudo porque o futuro é sempre algo que levanta muita curiosidade. Não dá para negar que estes negócios adensam cada vez mais a «bolha» onde se inserem os «grandes» e, simultaneamente, ditam um novo paradigma no mercado audiovisual português. Os economistas analisam aquilo que poderá ser o amanhã do setor.

«O mercado entrará em ebulição a partir de 2018. A partir daí haverá um braço de ferro entre as duas operadoras. Há dois elementos a decidir neste braço de ferro: primeiro o contrato da Champions League, eventualmente a Altice poderá querer entrar neste negócio. Por outro lado há as ligas estrangeiras, onde neste momento a NOS terá a Premier League. Em segundo: se os conteúdos estiverem repartidos, a exclusividade é possível se os preços fossem reduzidos. O pay-per-view trás um risco acrescido para as operadoras, porque as pessoas pagam o que querem ver», avalia António Samagaio, deixando no ar uma hipótese que considera viável.

«Acredito que as duas operadoras chegarão a um acordo para partilharem estes conteúdos e quem sabe mesmo a própria SportTV. Vai ser uma fase interessante de guerra de conteúdos audiovisuais e é bom para o mercado e para o mercado dos media em Portugal.»

Já Paulo Reis Mourão prevê um futuro com maior incidência tecnológica.

«O futuro passará sempre pela transmissão de conteúdos em espaços públicos, como os cafés, mas acredito também que pode acontecer uma personalização, como já acontece nos Estados Unidos, onde já foram criados canais exclusivos para um determinado grupo de pessoas, cujo interesse passa mais por outros detalhes, como as estatísticas dos jogadores. Acredito que passa também por atribuir aos telespectadores o poder sobre a transmissão, como por exemplo decidir em que câmaras pretendem ver o jogo», terminou dizendo o economista.

Outras dúvidas serão certamente levantadas daqui para a frente, mas para já existe uma certeza, o futebol português não mais será igual ao que era até aqui, até porque o investimento destas operadoras teima em continuar a um ritmo vertiginoso. Prova disso é que, que nas últimas horas, a NOS comunicou um acordo com mais oito clubes da Liga.

Com tanto dinheiro a circular daqui a uns tempos, provavelmente a pergunta a fazer é qual será o desfecho de tudo isto. Terá um final feliz?

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