Entre José Mourinho e Xabi Alonso há uma profecia para cumprir

11 mai 2023, 09:02
Xabi Alonso e José Mourinho (Foto Elisa Estrada/Getty Images)

Roma-Bayer Leverkusen marca o reencontro entre o treinador português e o ex-jogador em que ele viu maior potencial como treinador. Em seis meses, o basco mostrou-se bem à altura das expectativas

José Mourinho treinou muitos jogadores, enormes jogadores. E quando um dia lhe pediram para apostar num deles para vir a ser um treinador de sucesso, ele escolheu Xabi Alonso. Agora vão estar ambos no banco como adversários, a discutir um lugar na final da Liga Europa.

De um lado o veterano Mourinho, aos 60 anos o treinador com mais presenças em meias-finais europeias – vai para a 12ª, somando Liga dos Campeões e Liga Europa. O técnico que procura o seu sexto título europeu e que tenta levar a Roma ao segundo triunfo continental seguido, depois de vencer a Liga Conferência na época passada.

Do outro o estreante, o antigo médio que foi um modelo de classe e elegância como jogador, campeão do mundo e bicampeão da Europa, duas vezes vencedor da Champions. E que aos 41 anos, na primeira experiência ao mais alto nível como treinador, em três dezenas de jogos no banco transformou o Bayer Leverkusen e levou-o da zona de despromoção ao sexto lugar da Bundesliga e a uma meia-final europeia pela primeira vez em mais de 20 anos.

O duelo entre os dois trouxe à memória o que Mourinho disse sobre Xabi Alonso há quase quatro anos. No final de 2019, o treinador português contou que nenhum dos seus jogadores dizia que queria vir a ser treinador, mas que se tivesse de apostar em alguém apostaria em Xabi Alonso. Até começou por notar que ambos têm origens comuns. Como Mourinho, Xabi Alonso cresceu com um pai jogador e mais tarde treinador – Periko Alonso foi internacional espanhol, figura da Real Sociedad e do Barcelona.

«Nasceu com um pai jogador, cresceu com um pai treinador»

«O pai dele era treinador, portanto ele teve um crescimento semelhante ao meu. Nasceu com um pai jogador, cresceu com um pai treinador. Depois tornou-se jogador. Claro, muito melhor do que eu. Tornou-se um jogador de topo», disse Mourinho em 2019 numa entrevista à plataforma do jogo de simulação de treino de que é o principal rosto - e à qual por sinal também está agora associado Xabi Alonso.

«A posição dele em campo e o conhecimento dele do jogo são muito fortes», continuou Mourinho: «Depois, jogou em Espanha, em Inglaterra e na Alemanha. E foi treinado por Guardiola no Bayern, por mim próprio no Real Madrid, pelo Ancelotti no Real Madrid, pelo Benítez no Liverpool. Por isso, acho que se juntar tudo isto, o Xabi tem condições para ser um treinador muito bom.»

Xabi Alonso nunca esqueceu o primeiro encontro com Mourinho

Xabi e Mourinho começaram por ser adversários, um em campo com a camisola do Liverpool e outro no banco do Chelsea. Tiveram duelos memoráveis - «super batalhas», como lhes chamou o antigo médio. Xabi recordou como o estilo de Mourinho mexia com os rivais, mas provocava sentimentos mistos. «Ficamos grrr… Mas ao mesmo tempo temos a sensação de que ele é bom», disse numa entrevista à Skysports em 2016.

Em 2010, juntaram-se no Real Madrid. O primeiro encontro foi marcante. Xabi Alonso recordou-o assim. «Ele vinha do Inter, nós vínhamos do Mundial que ganhámos na África do Sul e encontrámo-nos em Los Angeles. No primeiro encontro, ao fim de cinco minutos, já sabia porque é que ele estava ali e porque é que era tão bom.»

Xabi diz que lhe «aconteceu o mesmo» com Guardiola e acrescentou que os dois treinadores, embora tão diferentes em tantas coisas, têm mais semelhanças do que se possa pensar. «Em termos de personalidade têm muitas semelhanças. Ligam-se muito com os jogadores», explica, destacando «a forma como são capazes de passar a mensagem que querem aos jogadores e como conseguem conectar-se com eles e expressar a ideia que têm.»

Nessa entrevista à Sky, feita a propósito do primeiro duelo em Inglaterra entre Mourinho e Guardiola, Xabi Alonso ainda era jogador do Bayern Munique, mas a forma como fala sobre ambos e sobre as suas diferenças táticas deixa uma boa ideia sobre a sua personalidade e sobre o potencial treinador que ali estava.

No Real Madrid, Mourinho e Xabi fizeram mais de 150 jogos juntos, ganharam um campeonato - a Liga dos 100 pontos -, uma Taça do Rei e uma Supertaça de Espanha. Jogaram três meias-finais da Liga dos Campeões, mas Mourinho saiu sem ter chegado a uma final. Xabi Alonso continuou por mais uma época e festejou a conquista da 10ª do Real Madrid no Estádio da Luz, mesmo sem ter podido jogar na decisão. Depois, juntou-se a Pep Guardiola no Bayern.

Deixou de jogar em 2017 e dois anos depois iniciou o percurso como treinador de volta a casa, à frente da equipa B da Real Sociedad. Saiu no verão passado e esperou por uma oportunidade. Teve outras. Karl-Heinz Rummenigge, por exemplo, admitiu que o Bayern quis contar com ele como adjunto de Niko Kovac. Mas Xabi Alonso esperou e no início de outubro assumiu o Bayer Leverkusen, a substituir Gerardo Seoane. Estava-se a meio da fase de grupos da Liga dos Campeões e os primeiros tempos não foram fáceis. Só venceu um dos primeiros sete encontros e ao segundo jogo sofreu uma derrota pesada em casa frente ao FC Porto (3-0).

Mas quando a equipa começou a assimilar as suas ideias as coisas mudaram. O Leverkusen, que era 17º na Bundesliga quando ele chegou, está agora na sexta posição. Vinha de uma série de 14 jogos sem derrotas, que incluíram triunfos sobre o Bayern Munique e o Leipzig, antes de perder na jornada passada frente ao Colónia.

Eliminado da Liga dos Campeões, o Leverkusen começou por conseguir uma reviravolta épica frente ao Mónaco no play-off da Liga Europa, antes de afastar o Ferencvaros e o Union Gilloise para marcar lugar na meia-final. Continua agora a alimentar o sonho de conquistar o segundo título europeu para o clube, depois da Taça UEFA em 1988. Desde então chegou apenas a uma final, a Liga dos Campeões perdida para o Real Madrid em 2002. O palmarés do treinador é bem mais rico do que o do clube.

Xabi Alonso diz que aprendeu com todos os treinadores que teve, mas até garante que a sua principal referência é o seu pai. Quando assumiu o cargo no Leverkusen deixou claro que quer seguir o seu caminho. «Tive a sorte de ter pessoas muito boas em meu redor, as melhores. Ajudaram-me muito, mas é preciso manter a própria identidade», disse.

Elogios mútuos, mas só até começar o jogo

Para já, está a conseguir fazê-lo. Como notou José Mourinho na antevisão ao jogo desta quinta-feira. «O Bayer Leverkusen dele é a equipa mais forte que eu vi esta época na Europa a jogar em contra-ataque», disse o treinador português. «Se ele gosta de outro tipo de futebol, é outra coisa. Mas, entretanto, demonstra uma qualidade importante num treinador, que é o pragmatismo de jogar de forma mais adaptada aos seus jogadores.»

Na antevisão, Mourinho e Xabi Alonso também admitiram que o reencontro terá um significado especial. Com elogios mútuos e uma conclusão semelhante, curiosamente. «Vai ser um prazer revê-lo, não o vejo há muitos anos», disse Mourinho: «Tivemos sempre uma relação fantástica entre jogador e treinador. Até um pouco mais do que isso. Terei muito prazer em estar com ele antes e depois do jogo. Durante o jogo, jogar contra Xabi ou jogar contra Simone não muda nada.»

«Será um reencontro especial entre mim e o José Mourinho. Aprendi com ele a convencer uma equipa e a ser um líder», disse por sua vez Xabi Alonso: «Mas quando o jogo começar, só estarei focado no jogo.»

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