Combate aos incêndios deve ser exclusivo dos bombeiros, diz presidente da Liga

Agência Lusa , AM
12 fev 2022, 10:57
António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (MIGUEL A. LOPES/LUSA)

António Nunes defende ainda a continuidade dos bombeiros voluntários e critica que a Guarda Nacional Republicana esteja envolvida no combate aos incêndios florestais, considerando que há “uma concorrência desleal”

O novo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) defendeu que o combate aos incêndios florestais deve ser entregue exclusivamente aos bombeiros, os quais devem deixar de ser comandados pela Proteção Civil. Em entrevista à agência Lusa, um mês após ter assumido a presidência da LBP, António Nunes disse que, no âmbito do combate aos incêndios florestais, apenas falta entregar esta matéria “exclusivamente aos bombeiros”.

“O que se deve fazer é entregar o combate aos bombeiros. Se há 64 helicópteros para combater os incêndios, tem de haver 64 equipas de bombeiros abordo dos helicópteros”, frisou.

António Nunes considerou que os bombeiros não precisam de mais meios e que os combatentes existentes são “praticamente suficientes”, podendo apenas existir “um ou outro ajustamento”.

O que é necessário, defendeu, “é mais organização” e que cada instituição tenha o seu papel.

Comandados pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil podem combater os incêndios florestais diversos agentes de proteção civil, como bombeiros voluntários, sapadores florestais, elementos da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro da GNR e Força Especial de Proteção Civil.

António Nunes considerou que “a melhor organização” passa por devolver aos bombeiros a sua anterior estrutura de comando operacional, ou seja, passarem a ter um comando operacional autónomo.

“Devolver o comando aos bombeiros, entregar as forças de intervenção na área do socorro aos bombeiros e os bombeiros vão dar bem conta disso sem nenhuma burocracia. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil que tem uma direção nacional de bombeiros deve continuar a tratar de todos os aspetos administrativos, isso é deles e está bem entregue”, disse.

António Nunes sugeriu que este novo modelo podia até ser testado em alguns distritos durante a próxima época de fogos.

“Todos os anos são bons para fazer experiências desde que haja capacidade de organização e trabalho”, afirmou, frisando que há comandantes “disponíveis para se fazer a experiência em quatro ou cinco distritos”.

Mostrando-se otimista com esta nova organização do modelo de combate aos fogos, o presidente da LBP afirmou que ainda há tempo para se trabalhar neste projeto, uma vez que ainda se está em fevereiro.

O presidente da LBP defendeu igualmente que 1.200 elementos da GNR vocacionados para o combate aos incêndios deviam passar para os bombeiros.

António Nunes manifestou confiança nos bombeiros, garantindo que “os combatentes sabem combater fogos” e que a sua formação “é boa”.

No entanto, alertou que os bombeiros não têm capacidade para evitar incêndios como os de 2017.

“Podemos evitar mortes. Podemos ter capacidade para diminuir as vulnerabilidades. Temos capacidade para avaliar os riscos, ter capacidade para atenuar os riscos e as vulnerabilidades, mas não temos capacidade para evitar os desastres. Esses estão escritos na história e vão continuar a estar”, disse.

Na entrevista à Lusa, o presidente da LBP falou ainda da atual situação de seca que o país atravessa, considerando que devem ser tomadas medidas de emergência após a posse do Governo para prevenir situações que possam ocorrer.

“Se nós não tomarmos medidas antecipadamente de realização de um conjunto de tarefas que podem passar muitas das vezes por fazer alguns investimentos. Por exemplo, se nós queremos combater bem os incêndios florestais e se há albufeiras em que está em crise a utilização de aeronaves de asa fixa temos que reforçar os helicópteros e temos que fazer bacias de retenção no meio da floresta. Portanto há medidas de prevenção essas sim que têm que ser feitas e devem ser pensadas e no imediato”, disse.

Bombeiros voluntários vão continuar a existir

O novo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) defendeu que os bombeiros voluntários vão continuar a existir, apesar de ter admitido que há uma crise no voluntariado, sendo por isso necessário criar mais incentivos. António Nunes admitiu ainda que existe uma crise no voluntariado, mas que não é um problema apenas dos bombeiros.

No entanto, ressalvou que esta crise no voluntariado não está a condicionar o funcionamento nos bombeiros.

Segundo a LBP, atualmente há cerca de 30.000 bombeiros voluntários inscritos nas associações humanitárias, 15.000 na reserva e outros 15.000 no quadro de honra, o que totaliza cerca de 60.000 pessoas.

“Há uma crise [de voluntariado], nós gostávamos de ter mais. Por isso é que é necessário trabalhar os incentivos ao voluntariado”, sustentou, dando como exemplo, chamar crianças para as escolas de cadetes e infantes dos bombeiros, compensar as entidades patronais que empregam voluntários, aumentar os valores dos seguros, pagamento de propinas, creches e passes sociais.

António Nunes disse que os incentivos ao voluntariado devem ser iguais em todas as regiões do país.

Dos cerca de 30.000 bombeiros voluntários no ativo, cerca de 10.000 são trabalhadores das associações humanitárias e fazem parte das equipas de intervenção permanente, do transporte de doentes não urgentes e das ambulâncias do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

O presidente da LBP defendeu também que as corporações devem ter um sistema misto, entre profissionais e voluntários, sistema que existe atualmente.

“Portugal do ponto de vista da cobertura geral não está muito mal e se calhar tem padrões ao nível da Europa”, considerou, referindo que não se deve acabar com o voluntariado nos bombeiros.

“Não acho por duas razões. A primeira diz respeito à alma do povo. Assistimos muitas vezes, mesmo aqueles que não são bombeiros, que quando existe algum acidente vão ajudar. O povo português gosta de ajudar, tem esse princípio, está na sua génese, está no seu ADN e, portanto, eu acho que todos aqueles que, ao longo dos anos, e muitos estão vivos, que deram o seu melhor aos bombeiros voluntários e que hoje se isso acontecesse teriam uma mágoa muito grande. Essa é uma razão que diria histórica, de ADN do povo português e de relação da sociedade e dos valores da sociedade que o povo português sempre cultivou. A segunda razão é económica”, disse.

António Nunes explicou que Portugal não é um país rico e profissionalizar todos os bombeiros teria um custo muito elevado.

“É só fazerem as contas. Certamente que os bombeiros voluntários vão continuar a existir”, estimou, frisando que devem existir equipas de bombeiros profissionais, mas não na totalidade.

GNR e a "concorrência desleal" 

O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) criticou que a Guarda Nacional Republicana esteja envolvida no combate aos incêndios florestais, considerando que há “uma concorrência desleal”.

“Uma coisa é a GNR com os seus homens e mulheres que merecem o nosso respeito e a nossa admiração pelo trabalho que fazem em prol da segurança do país. Outra coisa completamente diferente é para o mesmo local ou para uma circunstância de concorrência entre duas entidades que deviam ser complementares”, disse António Nunes, em entrevista à agência Lusa.

António Nunes, que assumiu a presidência da LBP há um mês, explicou que foi decidido há uns anos que o combate inicial de um incêndio florestal podia ser feito tanto por elementos da GNR, através da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro (que inicialmente se chamava Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS), como bombeiros.

O responsável considerou que, como Portugal não tem recursos financeiros avultados, a melhor solução é cada entidade desempenhar o seu papel.

“Aos bombeiros o que é socorro, salvamento e combate a incêndios, à GNR e a PSP aquilo que é ordem pública. Se cada um fizer o seu papel, isto tudo corre bem”, disse, sustentando que há “uma concorrência desleal”.

António Nunes ressalvou que a LBP “não tem nada contra a GNR”. No entanto, vincou: “Quando existem postos da GNR que não estão abertos ou não têm o número de elementos necessários para apoiar os bombeiros nas ações quando há acidentes rodoviários, mas aparecem para combater aquilo que é a génese da nossa ação que é o combate aos incêndios, nós dizemos que há de facto uma concorrência que não deve ser feita porque não há necessidade”.

O responsável defendeu que os 1.200 elementos da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro deveriam ser entregues aos bombeiros e não estar na alçada de uma força de segurança.

No âmbito das florestas, considerou que a GNR deve ter as funções de vigilância, levantamento de autos por falta de limpeza dos terrenos e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve manter o seu trabalho de abrir aceiros, caminhos de contenção e verificar tudo aquilo na área da prevenção.

“Todos são bem-vindos. Mas cada um tem o seu papel e o papel dos bombeiros é quando há um incêndio, uma ignição irem nos helicópteros combater e fazerem a primeira intervenção, fazer o ataque ampliado e extinguir o incêndio”, disse.

António Nunes afirmou igualmente que, quando há um acidente automóvel, a GNR ou a PSP controlam o trânsito, enquanto os bombeiros prestam socorro, transportam os doentes para os hospitais, retiram as viaturas do local e lavam o piso.

“E se for preciso a Proteção Civil está lá para coordenar todas estas forças presentes. Se isto se passa no acidente rodoviário, ferroviário, aéreo, industrial e num fogo urbano porque é que não se passa na floresta, qual é a diferença”, questionou.

"Proteção Civil é suficiente"

António Nunes questionou também a criação de várias entidades para a prevenção e combate aos incêndios.

“Porque é que criámos um sistema com a AGIF [Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, ICNF, GNR, bombeiros sapadores florestais, privados, câmaras municipais, juntas de freguesia, baldios. Sabe o que é que isso dá? Quando se chega à altura do apuramento das responsabilidades a única pessoa que está sentada no banco dos réus neste momento é um comandante”, disse, referindo-se ao julgamento do incêndio de 2017 em Pedrógão Grande.

António Nunes considerou inacreditável que num incêndio com aquela dimensão apenas esteja a ser julgado o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande.

Na entrevista à Lusa, o presidente da LBP disse ainda que vai ter um “relacionamento excelente” com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e com a AGIF, considerando que é necessária a cooperação entre todas as entidades.

No entanto, levantou “algumas dúvidas” sobre a necessidade da existência da AGIG, organismo criado após os incêndios de 2017, frisando que a única entidade com funções de coordenação é a ANEPC.

“A Proteção Civil é suficiente, mas admito que o Governo possa ter outro entendimento. Não me parece que seja necessária a existência da AGIF juntamente com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas”, concluiu.

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