PSD, o partido que gosta de queimar líderes (análise)

26 nov 2021, 16:36
Passos Coelho, Pedro Santana Lopes e Rui Rio

Nenhum outro partido despede líderes com tanta facilidade. São 18 presidentes em 47 anos. Rio até já é recordista de longevidade

Em janeiro de 2018, no dia do último debate entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes, então candidatos à liderança do PSD (dessa vez, Rio não recusou os frente-a-frentes…), Miguel Relvas deu uma entrevista ao Público em que sentenciava vida curta para quem quer que fosse o vencedor das diretas do sábado seguinte. 

"Vamos ter um líder para dois anos. Se não ganhar será posto em causa”, vaticinava Miguel Relvas. Enganou-se.

O barão social-democrata errou mas percebia-se então a sentença: os mandatos dos presidentes do PSD são sempre de dois anos, e uma derrota nas legislativas costuma ter como consequência o afastamento do líder ou, no mínimo, uma nova disputa interna. 

Por essa altura, era incerto quem seria o sucessor de Pedro Passos Coelho. Tanto Rio como Santana reclamavam vantagem nas previsões para as diretas, que foram, de facto, muito disputadas (apenas 3.484 votos de diferença, num total de 42 mil votantes).

Mas ainda as urnas não estavam abertas, e já o Expresso desse sábado, 13 de janeiro, apresentava a grelha de partida para a sucessão de quem viesse a vencer as eleições. Ao contrário do que a propaganda de Rui Rio fez passar, com a ajuda de alguns comentadores, os opositores internos de Rio não se posicionaram a partir do momento em que este foi eleito - essa pole position estava feita, e publicada, antes de se conhecerem os resultados, e apresentava oito potenciais futuros líderes do PSD, quem quer que fosse o vencedor da disputa entre Rio e Santana. Tinha a ver com a natureza do PSD, não com o nome do líder que a eleger nessas diretas.

Máquina de triturar líderes

Toda a história do PSD é uma história de triturar líderes. Quem perde eleições costuma ir borda fora. E vários foram borda fora sem sequer terem a oportunidade de perder eleições. O PSD é, de longe, o partido que mais vezes mudou de líder na história da nossa democracia.

Essa lista de oito nomes (então publicada pelo autor deste texto) acabou, no essencial, por confirmar-se. Quase todos os nomes que lá estavam acabaram por se fazer ouvir como críticos da liderança social-democrata. Três deles candidataram-se mesmo contra Rui Rio nas eleições posteriores (Luís Montenegro, Miguel Pinto Luz e Paulo Rangel). Dois continuam a alimentar a hipótese de virem a ser candidatos (Jorge Moreira da Silva e Pedro Duarte). Outro acaba de estabelecer-se como um nome incontornável para o futuro (Carlos Moedas). Só dois dos nomes não deram qualquer sinal de interesse por uma disputa da liderança do PSD: José Eduardo Martins afirmou-se como crítico nos media mas pouca presença partidária, e Pedro Passos Coelho limita-se a gozar do estatuto e a deixar passar o tempo - se tiver a oportunidade de voltar, não precisará de muito trabalho de sapa.

Quanto à previsão de Miguel Relvas, quase acertou: Rio perdeu as legislativas e a sua liderança foi contestada. Teve dois adversários pela frente, o que significa que a oposição interna se dividiu entre Montenegro e Pinto Luz - o que beneficiou Rio, que assim conseguiu contrariar a regra de que líder que perde é líder que sai. Perdeu as europeias de 2019, e depois as legislativas do mesmo ano, e voltou a perder as autárquicas deste ano - e continua a resistir, sendo já o quarto líder mais longevo da história do PSD.

À frente de Rio com mais tempo de chefia do partido, só: 

  • Cavaco Silva, com 9 anos e 9 meses (1985-95)
  • Pedro Passos Coelho, com 7 anos e 10 meses (2010-2018)
  • Durão Barroso, com 5 anos e 1 mês (1999-2004)

O que distingue os três nomes acima de Rui Rio, enquanto presidentes do PSD? Óbvio: Cavaco, Passos e Durão ocuparam o cargo de primeiro-ministro, e o poder é sempre um bom cimento das lideranças partidárias (mas há exceções, como demonstram Pinto Balsemão e Santana Lopes). 

18 líderes no PSD; 10 no PS

O PSD é, de longe, o partido com mais mudanças de liderança nestes 47 anos de democracia. Como dizia o outro, é fazer as contas para os quatro grandes partidos fundadores do regime:

  • Rui Rio é o 18º presidente do PSD.
  • Dá uma média de um presidente a cada 31 meses (isto é, pouco mais de dois anos e meio para cada um);
  • António Costa é o 10º líder do PS
  • A média é assim de 56 meses de cada liderança socialista (o que equivale a mais de quatro anos e meio);
  • Francisco Rodrigues dos Santos é o 8º presidente do CDS
  • Cada líder dos centrista permanece em média 70 meses (quase seis anos);
  • Jerónimo de Sousa é o 3º secretário-geral do PCP
  • Três desde a legalização do partido, em 1974. Dá, em média, uma invejável longevidade de 188 meses a cada líder (isto é, mais de 15 anos).

Não é defeito, é feitio 

Por muito que Rui Rio se queixe de que os críticos internos não lhe deram sossego na liderança, isso não é novidade. Não é defeito da sua liderança ou dos seus opositores, é feitio do partido. A história do PSD é feita de conspirações permanentes, crises por tudo e por nada, traições rocambolescas, ruturas estrepitosas e cisões dramáticas.

Talvez não seja de espantar, tendo em conta que, desde os primeiros tempos, a estabilidade nunca foi uma caraterística do partido: foi o primeiro, na nossa democracia, a mudar de nome - nasceu em 1974 como Partido Popular Democrático (PPD) e mudou de nome em 1976 para Partido Social Democrata (quase só Santana Lopes ainda se lhe refere pela sigla completa de PPD-PSD).

Quando o partido mudou de nome, já tinha testemunhado uma grande cisão, e tinha mudado de liderança duas vezes. A cisão foi no primeiro congresso, em Aveiro, entre uma ala mais esquerdista (ou social-democrata, liderada por Mota Pinto e Sá Borges), e a ala mais moderada, capitaneada por Sá Carneiro. E as mudanças de liderança deveram-se a Sá Carneiro, o vencedor desse braço de ferro. 

 

Carisma e instabilidade com Sá Carneiro

Francisco Sá Carneiro, o carismático e muito temperamental fundador, militante nº1 e primeiro líder dos “laranjas”, abandonou o cargo em 1975, pouco depois das eleições para a Assembleia Constituinte. A saída foi forçada por razões de saúde, mas também motivada por circunstâncias políticas que lhe davam poucas ganas de continuar à frente do partido - eram os tempos do PREC e até no PSD se viviam tempos de excessiva exaltação esquerdista. Enquanto Sá Carneiro andou por Londres e Madrid em tratamentos e manobras políticas à distância, o partido foi dirigido por Emídio Guerreiro, velha figura republicana, com um passado de resistência à ditadura, inclusive pela luta armada (foi fundador da LUAR), e que faria mais sentido encontrar em qualquer partido à esquerda do PPD. 

Durou quatro meses a liderança interina de Emídio Guerreiro, o que não impede que tenha a sua foto na galeria dos presidentes do PSD. Sá Carneiro retomou o seu lugar em setembro de 1975, a tempo das primeiras eleições legislativas, nas quais o PPD se confirmou como segundo maior partido, atrás do PS. A democracia dava os primeiros passos, e a autoridade dos líderes fundadores não era abalada por resultados eleitorais. 

Os 24,3% do PPD não abalaram a liderança de Sá Carneiro, mas a agitação interna sim. Em abril de 1977, menos de dois anos depois de ter retomado a direção do partido, Sá Carneiro voltou a demitir-se, em discordância com boa parte dos barões e deputados social-democratas. Considerava que a sua própria direção política quer dar uma direção demasiado conciliadora com o PS, de Mário Soares (que chefiava um governo minoritário), e com o Presidente da República, que tinha tendência para uma presidencialização do regime que Sá Carneiro recusava. Sem o apoio da sua equipa para declarar guerra aos inquilinos de Belém e de São Bento, o líder laranja bateu com a porta, sendo substituído interinamente por Sousa Franco. 

Com o líder interino, o PSD negoceia entrar numa grande coligação, que incluiria também o CDS, para além, claro do PS. O PSD acaba por ficar de fora e ajuda a derrubar o Governo Soares. O CDS acaba por fazer coligação com os socialistas. A liderança de Sousa Franco (que entretanto fora legitimada no congresso do Porto, em janeiro de 1978) acaba em abril, um ano depois de ter começado. Um discurso em que Sá Carneiro parte a loiça toda e exige um PSD mais polarizador e menos contemplativo com Soares e Eanes é a gota de água.

Sá Carneiro prepara-se para voltar à liderança, mas há um compasso de espera em que Menéres Pimentel assegura outra chefia interina do partido.

Convém notar que, dos 18 rostos que o PSD apresenta na sua galeria de presidentes, cinco assumiram o cargo de forma interina, e desses só um (Sousa Franco) se viu religitimado em congresso. Os restantes foram Emídio Guerreiro e Menéres Pimentel, já referidos acima; Nuno Rodrigues dos Santos, quando Pinto Balsemão se demite; e Rui Machete após a inesperada morte de Mota Pinto. 

Sem essas lideranças interinas, o PSD contaria “apenas” 13 presidentes - ainda assim, mais do que a concorrência. Já agora, convém notar que um dos 10 secretários-gerais do PS também o foi de forma interina (António Macedo, que dirigiu o partido entre a saída de Almeida Santos e a eleição de Vítor Constâncio, em 1985-86).

O regresso de Sá Carneiro, em 1978, foi o definitivo. Perdeu metade do seu grupo parlamentar nesse ano (na crise das “opções inadiáveis”, que representou o culminar das tensões com a linha mais moderada que Sousa Franco protagonizava), mas não se voltou a demitir. Liderou o partido numa tentativa falhada de fazer um grande acordo com o PS de Soares e, depois, numa abordagem bem-sucedida para uma coligação com o CDS, que ficaria para a história como AD. Quando ia de vento em popa, essa liderança terminou em tragédia no acidente de Camarate.

"De vitória em vitória até à derrota final"

Seguiu-se Francisco Pinto Balsemão que, tal como Rui Rio por estes anos, se viu em permanente conflito com um ruidoso grupo de críticos internos, onde se destacavam nomes como Cavaco Silva, Eurico de Melo, Marcelo Rebelo de Sousa ou Helena Roseta. Balsemão venceu todas as disputas internas, num processo que ficaria conhecido como “de vitória em vitória até à derrota final”. E esta foi inflingida, não pelo PSD (apesar de inúmeros golpes palacianos - incluindo um embaraçoso pedido de demissão apresentado por Marcelo, que era ministro dos Assuntos Parlamentares), mas pelo CDS, o parceiro de coligação na AD.

Balsemão demite-se do cargo de primeiro-ministro, e ainda tenta manter-se à frente do PSD… mas o partido vira-lhe as costas e deixa-o sem espaço de manobra. Ninguém se entende e é cozinhada uma estranha liderança tricéfala, com Nuno Nascimento Rodrigues à frente de uma troika que também incluía Eurico de Melo e Mota Pinto.

Carlos Alberto da Mota Pinto tinha-se desfiliado do PPD nos primeiros tempos do partido (em rutura com Sá Carneiro) mas voltou entretanto, depois de ter chefiado um dos governos de iniciativa presidencial. Em 1983, a sua participação da troika de líderes interinos foi o passo que o levou à consagração como presidente do PSD. Também não teve uma presidência sossegada, apesar de o PSD estar no poder. 

Mota Pinto era o nº2 do governo do Bloco Central, liderado por Soares, e essa coligação era execrada por muito do baronato laranja - Cavaco e Eurico continuavam ativos na oposição interna, mas também Marcelo, Santana Lopes e Durão Barroso, entre muitos outros. Apesar dessa guerrilha, em 1985 Mota Pinto preparava-se para relegitimar o seu poder em congresso, quando morreu repentinamente. 

Uma anormalidade chamada Cavaco

Seguiu-se outra liderança interina (Rui Machete), e chegamos ao célebre congresso da Figueira da Foz, em maio de 1985, quando Aníbal Cavaco Silva, ex-ministro das Finanças de Sá Carneiro e líder efetivo da oposição interna ao Bloco Central, vai supostamente fazer a rodagem do carro novo e volta a Lisboa como presidente do PSD. Não houve acaso nenhum nesta vitória, que estava a ser preparada há muito tempo, e que lançou Cavaco para dez anos como primeiro-ministro e quase tanto tempo como “homem do leme” laranja: nove anos e nove meses, um recorde que continua por ultrapassar.

além de muitos anos a preparar essa subida ao poder, Cavaco soube agregar boa parte das tendências do PSD. O facto de ter provocado de imediato eleições legislativas - fazendo cair o governo do Bloco Central -, em que foi eleito primeiro-ministro, ajudou a consolidar o poder interno. A coincidência de governar com os primeiros “milhões da Europa” também ajudou. A inesperada maioria absoluta de 1987, oferecida de bandeja por uma moção de censura aprovada por toda a oposição, fez o que faltava para garantir a Cavaco uma década de liderança praticamente incontestada.

Tratou-se de um longo intervalo na normalidade laranja. No PSD, lembre-se, a normalidade são lideranças curtas e convulsão mais ou menos permanente. 

Rei morto, rei posto

Foi assim, em estado de turbulência partidária permanente, que viveram quase todos os líderes do pós-cavaquismo, numa sucessão de nomes que começa com Fernando Nogueira. Ei-los, não por ordem cronológica, mas por ordem crescente de longevidade à frente do PSD:

  • Luís Filipe Menezes, 8 meses e 8 dias (2007-08)
  • Pedro Santana Lopes, 9 meses e 10 dias (2004-05)
  • Fernando Nogueira, 1 ano, 1 mês e 11 dias (1995-96)
  • Manuela Ferreira Leite, 1 ano, 10 meses e 19 dias (2008-2010)
  • Luís Marques Mendes, 2 anos, 6 meses e 4 dias (2005-07)
  • Marcelo Rebelo de Sousa, 3 anos e 1 mês (1996-99)

As lideranças de Menezes e Santana foram montanhas-russas, com a agravante de que Santana era primeiro-ministro. Santana nunca teve “estado de graça”, apesar de ter chegado à liderança do partido enquanto herdeiro escolhido por Durão Barroso para a chefia do Governo. Nem isso travou a guerrilha levada a cabo por Cavaco Silva e outros barões, como Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes ou Pacheco Pereira.

Apesar das tentativas de Santana para resistir, a pressão de parte do PSD, aliada a uma opinião pública que zurzia a tempo inteiro no chefe do Governo, acabaram por ditar a sua queda, empurrado pela decisão do Presidente Jorge Sampaio de convocar eleições antecipadas. A copiosa derrota nessas eleições, permitindo a Sócrates a única maioria absoluta do PS, pôs um ponto final no seu curto reinado.

Ao contrário de Santana, Menezes decidiu deitar a toalha ao chão, ao fim de meio ano de tumulto no PSD. Tal como Santana, não teve um dia de “estado de graça”. Depois de surpreender tudo e todos ao derrotar Marques Mendes nas primeiras eleições diretas do PSD, Menezes surpreendeu até os seus mais leais apoiantes ao decidir bater com a porta.

Fernando Nogueira, o homem a quem calhou a ingrata tarefa de suceder a Cavaco, cumpriu o papel que sempre cabe aos que vêm depois de líderes muito carismáticos: nada mais do que um líder de transição. A derrota nas legislativas contra António Guterres selou o fim da sua carreira política, quase toda feita na sombra de Cavaco.

Eleita após a desistência de Menezes, Manuela Ferreira Leite entrou em funções com duas eleições no horizonte de um ano: europeias e legislativas. O PSD triunfou nas primeiras (na que foi a estreia de Paulo Rangel como cabeça de lista às europeias), mas foi derrotado com um fraco resultado nas legislativas de 2009, em que Sócrates perdeu a maioria absoluta, mas manteve o poder. Em circunstâncias muito parecidas com as de Rui Rio, Ferreira Leite entendeu que não tinha condições para se manter à frente do partido - não se demitiu, cumpriu o mandato quase até ao fim (não chegou aos dois anos de liderança), mas não se recandidatou.

Em 2007, Luís Marques Mendes tinha tudo para se manter em funções como líder do PSD. Controlava a máquina partidária, fazia o trabalho de formiguinha na oposição à maioria absoluta de Sócrates, ousava até fazer acordos de regime com o PS, como o Pacto da Justiça. Estava tão confiante na sua força interna que em 2006 propôs - e concretizou - uma alteração de estatutos para a eleição do líder em diretas, acabando com a tradicional eleição em congresso. Era uma alteração exigida por gente como Santana Lopes ou Luís Filipe Menezes. 

Mendes foi, em 2006, o primeiro líder eleito em diretas, sem concorrência. Mas, aberto esse precedente, Menezes viu a sua oportunidade de chegar à chefia do partido. Em 2007, o então autarca de Gaia tornou-se o principal crítico de Marques Mendes, desafiando-o a convocar novas diretas. Mendes, sempre metódico e ponderado, cometeu o erro de aceitar o desafio, confiante de que seria reeleito. Não foi.

Marcelo, o líder que morreu na praia

Nesta galeria de líderes mais ou menos efémeros, Marcelo Rebelo de Sousa é um caso de estudo: aguentou uma longa travessia do deserto como líder de um partido de oposição, enfrentou e venceu diversos desafios à sua liderança, com congressos extraordinários plenos de dramatismo, conseguiu que o partido aceitasse, a muito custo, a primeira AD após a AD original de Sá Carneiro - tendo, do lado do CDS, Paulo Portas, antigo inimigo de estimação do PSD -, e após tudo isso… demitiu-se sem disputar eleições legislativas.

Marcelo entrou em funções após a primeira vitória eleitoral de António Guterres, e tinha tudo para ser a alternativa a Guterres nas legislativas de outubro de 1999. Porém, abandonou a chefia do PSD em março desse ano, a três meses de europeias e a menos de sete meses das legislativas.

Marcelo não caiu devido à oposição interna protagonizada por Santana Lopes e Durão Barroso, entre muitos outros. Nem por causa dos sucessivos problemas nas suas direções partidárias, com demissões estrondosas de vice-presidentes (como Pacheco Pereira) e de secretários-gerais (um deles, Rui Rio). Não foi, sequer, o seu estilo frenético a liderança a traí-lo. 

Foi o parceiro de coligação. Portas estava, então, em modo de sobrevivência, sob suspeita por causa das suas ligações à Universidade Moderna, que se tornara o epicentro de um escândalo nacional. A coligação PSD-CDS com que Marcelo queria apresentar-se às europeias e às legislativas começou a esboroar-se mal foi assinada. O seu primeiro comício foi também o último.

A desconfiança entre as partes era insuportável. Do PSD não se ouvia uma palavra de solidariedade em relação a Portas. Este, acaba por dar uma entrevista à televisão em que fica à mostra a total desconfiança entre os dois “parceiros” de coligação. Sem AD e sem capacidade de mudar de rumo no último momento, Marcelo desistiu.

Rio tem o recorde de resistência

Como se assinalou acima, só os presidentes do PSD que chegaram ao poder conseguiram mais longevidade. Foi assim com Sá Carneiro e Cavaco, e assim foi com Durão e Passos Coelho. Com exceção de Sá Carneiro, que morreu na tragédia de Camarate, todos estes saíram pelo seu próprio pé. Sem derrotas internas, mas empurrados pelos sinais que o eleitorado lhes dava.

No final da sua segunda maioria absoluta, Cavaco acumulava derrotas nas autárquicas e nas eleições europeias, e era evidente o seu esgotamento eleitoral. Durão Barroso viu abrir-se a saída para a presidência da Comissão Europeia após uma pesada derrota da coligação PSD-CDS numas europeias. E Passos, depois da vitória de Pirro nas legislativas de 2015, viu um cartão vermelho na pesada derrota do PSD nas eleições autárquicas de 2017.

Rui Rio é, em toda esta história, um caso excecional de resistência. Já leva 3 anos e 10 meses de liderança sem qualquer vislumbre de poder. Pelo contrário, o PSD perdeu todas as eleições nacionais que disputou desde Rio é líder. 

Esse é, talvez, o seu maior feito: na história do PSD nunca alguém se manteve à frente do partido durante tanto tempo estando na oposição. E, se conseguir vencer nas diretas deste fim de semana, ganha mais um mandato de dois anos. Num partido que gosta tanto de queimar líderes, é obra. 

Estranha forma de vida

Será que o PSD já não é o que era? O que justiçará esta vertigem, ao longo de décadas, para trocar de líder com mais frequência do que o PS, o outro grande partido de poder? E estará isso a mudar?

A politóloga Marina Costa Lobo relaciona esta história com vários fatores. Antes de mais, o nosso sistema político, no qual “as eleições se têm tornado, tendencialmente, uma escolha entre primeiros-ministros”. Apesar da geringonça ter atenuado esta característica, “não a eliminou, na medida em que os dois principais partidos continuam a dominar os dois blocos políticos, a esquerda e a direita, ao contrário do que ocorre na maior parte dos países europeus.”

"Os líderes não costumam resistir a uma pesada derrota eleitoral, tanto no PS como no PSD", diz Marina Costa Lobo.  No PSD, Passos Coelho não resistiu sequer a uma vitória que não lhe permitiu governar. 

Ora, tendo em conta que “os eleitores também se guiam pela simpatia pelo líder, ou seja, têm em consideração as suas avaliações dos líderes quando decidem em que partido votar”, Marina Costa Lobo considera que “à direita, a importância do líder para o PSD revelava-se maior, porque os eleitores de direita viam menos diferenças ideológicas entre PSD e CDS, comparando com as diferenças ideológicas à esquerda, que eram percepcionadas, até à geringonça, como sendo maiores.” Daí que, durante muitas décadas, houvesse uma pressão maior sobre o líder social-democrata, o elemento que fazia a diferença entre propostas pouco diferenciadas. 

Continuará a ser assim? É o que saberemos em janeiro. “Na eleição de 2022  iremos verificar se o voto de direita se mantém disponivel para apoiar o grande partido do bloco, com hipóteses de formar governo, agora que apareceram novos partidos à direita”.

Pinto Balsemão dizia há dias que haver disputa de liderança no PSD é sinal de um partido “vivo”. “É bom que os partidos estejam agitados, é sinal que não adormeceram”, disse o homem que foi uma das vítimas da vivacidade do PSD. Desse ponto de vista, triturar líderes talvez não seja um mau sintoma. É, pelo menos, uma prova de vida. Por muito que seja uma estranha forma de vida. 

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