Partidos que votaram a favor do alargamento da licença parental argumentam que é preciso defender os “direitos de mães e bebés”, que o país tem “muito mais a ganhar do que a perder” com este alargamento e há mesmo quem vá mais longe e peça uma maior aproximação de Portugal a “bons exemplos europeus” no que toca aos incentivos à natalidade
Portugal “precisa de mais bebés”. É desta forma que a deputada da Iniciativa Liberal (IL) Joana Cordeiro defende o voto a favor do alargamento da licença parental. Postura que mantém com convicção quase um mês depois da votação, garantindo que não mudava uma vírgula no sentido de voto e na respetiva justificação. Argumenta que a curva demográfica do país não se compadece da falta de apoio à natalidade.
“E isso passa por dar a oportunidade das mães e dos pais ficarem mais tempo em casa com eles e por garantir que, cada vez mais, o pai participe no processo. É um caminho que tem de ser feito a nível de sociedade. Já hoje, nas licenças partilhadas poucos são os pais que a partilham e é preciso mudar isso”, argumenta.
Joana Cordeiro recusa a ideia de que a medida saia cara ao país e contesta os custos apresentados pelo Governo: “O Governo tem andado a atirar números para o ar. Finalmente recebemos uma estimativa. Mas eles não estão a estimar o impacto positivo futuro de ter mais bebés e nem a estimar o impacto de as crianças poderem ficar mais tempo em casa e precisarem de creche menos tempo. Nem estão a estimar o impacto de as crianças ficarem menos doentes nos primeiros meses e de os pais não terem de faltar ao trabalho para ficarem com os filhos em casa”.
Para a deputada liberal também não colhe o alerta de alguns economistas de que há o perigo de a medida vir agravar o fosso salarial entre homens e mulheres e a desigualdade no acesso ao emprego e a eventuais promoções. “Na realidade, com a licença de quatro meses, esta disparidade já existe. Vai mudar se alterarmos de quatro para seis meses? O problema já está criado”, considera.
José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda (BE), assina pelo mesmo diapasão. O argumento da desigualdade de género no acesso ao emprego não pode ser usado “para não reconhecer mais direitos”. “Então acabamos com as licenças. Estou a levar o argumento ao extremo, para lhe mostrar que não pode ser essa a linha de pensamento”, explica.
“Num sistema sexista e capitalista como aquele em que vivemos, com relações laborais precárias, os direitos parentais são usados contra os trabalhadores? A resposta é sim. Os trabalhadores que têm filhos e as mulheres que fazem valer os seus direitos são, em regra, prejudicadas? A resposta, infelizmente, também é sim. Existe discriminação com base no género e das pessoas que têm filhos? Existe. Por isso é que as mulheres grávidas, puérperas e lactantes têm especial proteção e não podem ser despedidas sem um parecer prévio da CITE”, argumenta José Soeiro, em conversa telefónica com a CNN Portugal.
Medida bem "desenhada" para minimizar desigualdades
Por isso, considera o deputado bloquista, é preciso “desenhar” a medida, de modo a minimizar as desigualdades que já são uma realidade. Mas não é a única maneira de evitar efeitos adversos de uma “medida positiva”.
“Uma das vias para evitar que isso aconteça é a via desenho das políticas, prevenindo que as mulheres não sejam discriminadas, incentivando a partilha e não permitindo a transferência dos dias de licenças e aumentando os dias obrigatórios do gozo de licença de ambos os progenitores. Ao distribuir isso de um modo mais igualitário em termos de género, já estaremos a combater a desigualdade laboral. A outra via de combate é a via repressiva e pela fiscalização das organizações com práticas discriminatórias”, considera.
“Não tenho a mínima dúvida de quem luta pela igualdade de género e de que o movimento feminista apoia o alargamento da licença”, remata José Soeiro.
Também Alfredo Maia, deputado do Partido Comunista Português (PCP), considera que um dos caminhos para combater uma eventual desigualdade laboral que a medida possa provocar passa por uma “fiscalização proativa, por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho” e por “olhar com outra atenção para os relatórios sociais das empresas e analisar as dinâmicas de mobilidade dos ativos de recursos humanos das empresas”.
“Quando votámos a favor deste alargamento, tivemos em conta as vantagens que a proposta traz para a sociedade e para a promoção da natalidade. Quanto é que a sociedade ganha em ter uma população mais rejuvenescida e quanto é que ganha em saúde mental por ter pais mais tempo em casa com os filhos? São essas contas e essas dimensões que é preciso avaliar”, considera Alfredo Maia.
A importância da discussão na especialidade
Em resposta escrita às questões colocadas pela CNN Portugal, o LIVRE reconhece que a proposta de cidadãos aprovada no parlamento apenas com os votos contra do PSD e do CDS “de facto levanta questões ao nível da paridade do gozo da licença parental o que, efetivamente, pode aumentar a desigualdade de género e, por isso, afetar o acesso ao emprego e progressão de carreiras das mulheres”. “O LIVRE espera, do ponto de vista legislativo, que estas questões possam ser supridas com o processo na especialidade. Não obstante, e de um ponto de vista extra-legislativo, importa investir em políticas públicas de promoção da igualdade de género e combate aos estereótipos de género, quer em relação às mentalidades, quer em relação ao mercado de trabalho e o impacto que a parentalidade possa, alegadamente, exercer nas empresas”, sublinha o partido.
“A parentalidade não é, nem pode ser, razão para aumento de desigualdades”, remata.
No mesmo sentido vai a resposta da deputada do CHEGA Vanessa Barata, também enviada por escrito. O CHEGA promete “um esforço (…) no âmbito da discussão da lei na especialidade, nomeadamente no âmbito de um Grupo de Trabalho que foi criado para o efeito, de modo a garantir que o fosso salarial entre homens e mulheres diminua”. “Iremos propor medidas, tanto para as empresas como no âmbito da paridade no gozo da licença parental, que efetivem essa igualdade e que proporcionem uma visão positiva da natalidade, tanto para as famílias, como no âmbito da cultura das organizações”, promete Vanessa Barata.
Proposta aprovada aquém do que queriam alguns partidos
Inês de Sousa Real, a deputada do partido Pessoas - Animais - Natureza (PAN), também votou a favor da iniciativa de cidadãos, embora esta não a deixasse inteiramente satisfeita. A deputada queria mais: “Pelo menos seis meses serem gozados pelo pai e pela mãe, até para dar ao pai a mesma oportunidade de criação de vínculo com a criança”. “No caso de micro ou pequenas empresas, em que, muitas vezes os dois elementos do casal até trabalham na mesma empresa, a proposta era de que o gozo desta licença fosse feito por acordo entre o trabalhador e a empresa, porque temos de ter em conta o tecido empresarial português”, sublinha.
“Infelizmente, a proposta do PAN foi rejeitada”, lamenta.
“Há uma dimensão desta questão que não se prende com as alterações legislativas e com as questões económicas. Podemos ter uma sociedade com uma economia estável, mas, se essa economia estável colidir com a felicidade e com o tempo para a família, não vai resultar”, alerta Inês de Sousa Real.
Joana Cordeiro, da IL, vai ainda mais longe e pede que se olhe para os bons exemplos: “Há países na Europa em que os pais podem ficar em casa até um ano. Seis meses o pai e seis meses a mãe”.
"Progresso" e "avanço"
Pelo PCP também se iria mais longe. “O PCP votou favoravelmente a iniciativa dos cidadãos, mesmo tendo apresentado já um projeto de lei que vai pouco mais à frente”, sublinha Alfredo Maia.
O partido defende que a atual licença parental paga a 100% se estenda para sete meses. “A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho, a licença parental inicial até 210 dias, concedida nos seguintes termos: a) No caso da mãe, a licença parental inicial é concedida por um período até 180 dias, exclusivamente gozados por esta; b) No caso do pai, a licença parental inicial é concedida por um período até 30 dias, exclusivamente gozados pelo pai”, pode ler-se na proposta do PCP a que a CNN Portugal teve acesso.
“É preciso encarar estas licenças como um sinal de progresso e como um sinal de avanço na melhoria das condições para a maternidade e para a paternidade, mas também centrada nos direitos das crianças”, defende Alfredo Maia.
“As empresas, a administração pública e o estado têm de encarar com a consciência de quem se identifica com a função social da parentalidade”, remata o deputado comunista.
A CNN Portugal contactou o Partido Socialista (PS), que também votou a favor da medida, mas não obteve resposta até à hora de publicação deste artigo.
O alargamento da licença de parentalidade foi aprovado a 27 de setembro no Parlamento, com os votos contra do PSD e do CDS. Vai ser discutido na generalidade na comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, antes de ser novamente discutido e votado em plenário.
O MTSSS calcula que o alargamento do período da licença parental inicial possa custar mais 404 milhões de euros e tenha “efeitos adversos na ligação ao mercado de trabalho, especialmente aqueles que detêm contratos ou situações laborais menos estáveis”.