"Dispensa" durante ciclo menstrual já existiu em Portugal mas foi considerada "ilegal": o que pensam sindicatos e patrões sobre o exemplo espanhol

20 mai 2022, 10:00
Ginecologistas dizem que as dores menstruais incapacitantes não devem ser desvalorizadas

Conselho de Ministros espanhol aprovou um projeto de lei que prevê uma licença menstrual para as mulheres que sofrem com dores menstruais incapacitantes. Por cá, a dispensa do trabalho durante o ciclo menstrual não é uma novidade e os sindicatos admitem uma nova proposta sobre o assunto

Espanha está muito perto de se tornar o primeiro país da Europa a aprovar uma licença menstrual: o projeto de lei pioneiro já foi aprovado em Conselho de Ministros e agora só precisa da aprovação do parlamento. Mas em Portugal este não é um assunto que seja de todo desconhecido dos sindicatos. Tanto a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) como a União Geral de Trabalhadores (UGT) explicam à CNN Portugal que “esta matéria já integrou diversos contratos coletivos de trabalho”.

"A dispensa de dias no período menstrual foi uma matéria negociada em sede de contratação coletiva durante muitos anos. Tratava-se de uma dispensa automática em função da condição de ser mulher, não estando associada a uma incapacidade para o trabalho", refere a UGT. 

Na mesma linha, a dirigente da CGTP Fátima Messias dá alguns exemplos das normas que constavam nesses contratos coletivos:"As mulheres têm direito a faltar até 2 dias em cada mês aquando dos ciclos fisiólogos, sendo facultativa a sua retribuição", "direito a dispensa, quando pedida, da comparência ao trabalho até dois dias por mês, com pagamento facultativo da retribuição", "dispensa, quando pedida e sem vencimento, de dois dias por cada mês e estritamente necessária durante o ciclo menstrual da trabalhadora".

Trata-se de redações que foram negociadas há mais de três décadas e que abrangiam sectores muito diversos. No entanto, desapareceram desses contratos coletivos. Porquê? Porque as alterações ao Código de Trabalho em 2012 vieram estabelecer e definir um “regime imperativo de faltas”. E, nesse quadro, estas normas passaram a ser consideradas ilegais.

"O que aconteceu, após a publicação do Código do Trabalho, é que a jurisprudência passou a considerar ilegal esta disposição contratual por entender não se tratar de uma medida de ação positiva e configurar uma violação do regime imperativo das faltas”, vinca Fátima Messias.

Em causa está um artigo concreto do Código do Trabalho, o artigo 250.º, que prevê o seguinte: “As disposições relativas aos motivos justificativos de faltas e à sua duração não podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”.

"A questão da licença menstrual não é nova. A verdade é que a menopausa e a menstruação são questões específicas de género que têm de ser priorizadas no local de trabalho", destaca a UGT.

Portugal tem condições para fazer como Espanha?

O projeto de lei aprovado em Espanha prevê uma licença menstrual para as mulheres que sofrem com dores menstruais incapacitantes, seja por causa de patologias associadas (como endometriose ou ovários poliquísticos) ou por outras causas. As licenças são pagas na totalidade pela Segurança Social desde o primeiro momento, não têm limite de dias e necessitam de diagnóstico e controlo médico.

A UGT demonstra que "está totalmente disponível para discutir a questão da licença menstrual" em concertação social. Mas com a ressalva "de que a mesma não pode implicar mais situações de discriminação para as mulheres". "Não podemos esquecer os estereótipos associados sobretudo às mulheres e, portanto, a atribuição de uma licença com estas características não pode ser mais um fator de discriminação por parte dos empregadores", acrescenta a central sindical.

A CGTP admite a possibilidade de apresentar uma proposta sobre o assunto, mas diz que tudo “dependerá da avaliação que vier a ser feita no quadro atual”. No caso de ser o Governo ou outro parceiro do Executivo a levar um projeto deste tipo, a central sindical também deixa claro que será necessário analisar "a eventual proposta e garantir que as ausências por 'licença menstrual' não constituiriam motivo de penalização ou discriminação das trabalhadoras em matéria de retribuição e de outras garantias leais e contratuais, nomeadamente através dos sistemas de avaliação de desempenho".

Do lado dos patrões, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) adianta que vai "analisar o tema". “Se for colocado na concertação social com certeza que tomaremos uma posição”, afirma o presidente da CCP, João Vieira Lopes, em resposta à CNN Portugal.

Já no caso da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), fonte oficial diz que “avalia os assuntos apresentados em concertação social”, ou seja, avaliará qualquer proposta “quando e se for apresentada”.

A CNN Portugal contactou ainda a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) e a Confederação de Agricultores Portugueses (CAP) para saber se teriam disponibilidade para acolher projetos sobre este tema mas não obteve respostas.

O certo é que há já um partido com a "licença menstrual" na agenda: o PAN apresentou uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2022 sobre este assunto. A proposta prevê a atribuição de uma licença menstrual que “pode ir até três dias” para as “pessoas com útero que sofram de dores graves durante a menstruação”. “Permitir que estas pessoas, justificadamente, se ausentem ao trabalho por um período durante o qual não estão capazes de prestar trabalho nas condições ideais trata-se de uma questão de justiça social e laboral”, defende o partido.

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