Pandemia de covid-19 agravou discriminação e violência contra pessoas LGBTI

Agência Lusa , AM
17 mai 2022, 07:22
LGBT

Portugal caiu cinco lugares no índice sobre direitos das pessoas LGBTI, mas mantém-se nos lugares cimeiros, segundo estudo nacional

A pandemia provocada pela covid-19 agravou a vulnerabilidade, a discriminação e a violência contra pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI+), revelou um estudo nacional, segundo o qual as mulheres trans são as mais discriminadas.

O estudo, encomendado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) para assinalar o Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e a Bifobia, que se comemora a 17 de maio, demonstra que Portugal tem tido “significativos avanços” desde o início do século XXI em matéria de legislação e políticas públicas relacionadas com a orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais (OIEC), o que permitiu colocar Portugal “num lugar cimeiro no ranking de legislação igualitária a nível europeu”.

No entanto, e apesar dos progressos, “o impacto destes avanços legislativos não se traduz de modo efetivo na vida destas pessoas, continuando a discriminação em função da OIEC a ser atualmente uma dura realidade em Portugal”.

“Com a pandemia provocada pela covid-19, a situação de vulnerabilidade, de discriminação e mesmo de violência sobre as pessoas LGBTI+ ficou ainda mais agravada”, lê-se nas conclusões a que a Lusa teve acesso.

Acrescenta que entre as pessoas LGBTI+, “as pessoas trans – e sobretudo as mulheres trans – foram identificadas como as mais discriminadas por força da conjugação do sexismo e do cisgenderismo”.

Significa que as mulheres trans sofrem dupla discriminação, seja pelo preconceito baseado no género (sexismo), seja pelo facto de a sua identidade de género não corresponder ao género que lhe foi atribuído à nascença (cisgenderismo).

Já no que diz respeito à orientação sexual, o estudo mostra que as mulheres lésbicas ou bissexuais são “mais invisíveis do que os homens gays, mesmo dentro da própria comunidade”, com especial incidência entre as mulheres menos qualificadas e residentes em zonas mais periféricas e/ou isoladas.

“Os contextos de discriminação mais assinalados foram os contextos de saúde, escolares, laborais, de segurança e proteção social”, refere o estudo, que acrescenta que “os centros de acolhimento temporário e estruturas residenciais, o acesso à habitação, a comunicação social, o espaço público e a própria comunidade LGBTI+ foram também identificadas como espaços discriminatórios”.

Por outro lado, aponta que “as escolas continuam a não ser ambientes seguros e acolhedores para as crianças e jovens LGBTI+”, enquanto “os conteúdos e práticas educativas continuam resistentes” à abordagem da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais.

Umas das recomendações do estudo vai no sentido de reforçar a inclusão destas temáticas nos conteúdos e práticas escolares, combatendo o bullying e promovendo uma educação para a cidadania e os direitos humanos.

Refere também que a discriminação no acesso ao emprego e no local de trabalho por razões relacionadas com a orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais “ainda acontece frequentemente”.

O estudo mostra ainda que o número de denúncias se mantém reduzido, um fenómeno em parte explicado pela “falta de confiança nas autoridades policiais para responder de forma eficaz e adequada”.

Portugal cai cinco lugares no índice sobre direitos das pessoas LGBTI

Portugal desceu quatro lugares no índice europeu sobre a situação jurídica e políticas das pessoas LGBTI, devido à falta de plano de ação contra a discriminação, estando ainda assim em nono lugar entre 49 países.

De acordo com dados divulgados pela ILGA Europa, que anualmente analisa e classifica no seu Mapa Arco-Íris a situação jurídica, social e política das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI) em 49 países europeus, Portugal caiu do 4.º lugar para o 9.º lugar em 2021.

A iniciativa serve para assinalar o Dia Internacional e Nacional de Luta contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, que se comemora em 17 de maio, e demonstra que têm sido dados passos importantes nos direitos das pessoas LGBTI em vários países.

“Pelo contrário, alguns países que outrora lideraram os direitos LGBTI+ estão a descer a escada, como é o caso de Portugal, enquanto outros correm o risco de seguir o precedente de países onde os direitos LGBTI+ estão a ser instrumentalizados para ganho político”, refere a ILGA Portugal, em reação aos dados agora conhecidos.

Portugal consegue 62% (em 100%) no global, alcançando pontuação máxima em matéria de espaço público - sobre o qual é referido que os ativistas LGBTI não estão em risco, não há limites à liberdade de expressão ou que as associações podem trabalhar sem qualquer obstrução por parte do Estado – e a pontuação mais baixa (33%) em matéria de asilo.

Nesta questão em concreto, a ILGA Europa refere que Portugal precisa de políticas públicas e outras medidas em matéria de asilo que “contenham referência expressa a todas as orientações sexuais, identidades de género, expressão de género e características sexuais”.

País “não pode ficar adormecido"

A ILGA Europa faz ainda outras recomendações a Portugal para que a situação das pessoas LGBTI melhore, nomeadamente o fim das chamadas terapias de reconversão em matéria de orientação sexual e identidade de género, ou a clarificação da proibição legal da mutilação genital intersexo.

Em relação a esta última questão, a ILGA Europa sugere “a implementação de políticas que estabeleçam regras claras para o consentimento informado e garantam o efeito pretendido de proteger as pessoas intersexo de intervenções sem o seu consentimento pessoal”.

Para a ILGA Portugal, a queda de cinco lugares no 'ranking' está diretamente relacionada com o facto de ter terminado o Plano de Ação governamental para o Combate à Discriminação em Razão da Orientação Sexual, Identidade e Expressão de Género (2018-2021) e de o seguinte ainda não ter sido publicado.

“Num contexto atual no qual a violência e os discursos homofóbicos e transfóbicos avançam em todos os quadrantes, inclusivamente em Portugal, é urgente nesta legislatura o investimento em respostas e políticas públicas específicas para as pessoas LGBTI+”, defende a presidente da ILGA Portugal em comunicado.

Na opinião de Ana Aresta, o país “não pode ficar adormecido no que toca à proteção dos direitos humanos, muito menos descer nos rankings por falta de planos ou estratégias governamentais para atuação direta na ainda frágil resposta do Estado e dos serviços públicos”.

Para a ILGA Portugal, o Mapa e o índice anual da ILGA Europa “identificam passos em frente nos direitos LGBTI+ em vários países – nomeadamente Dinamarca, Islândia, Grécia, Letónia, Lituânia, Sérvia, Eslováquia e Eslovénia –, à medida que a democracia na Europa está sob pressão crescente”.

A organização portuguesa salienta que “as conclusões deste ano são consideradas um contraste ‘bem-vindo’ com as do Mapa de 2021, que identificou uma estagnação completa dos direitos e da igualdade LGBTI+ em toda a Europa” e dá como exemplo o caso da Dinamarca, que “saltou sete lugares para alcançar o segundo lugar no ranking 2022”, graças ao combate antidiscriminação na legislação, incluindo a orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais como fatores agravantes nos crimes de ódio.

O Mapa Arco-Íris é apresentado todos os meses de maio desde 2009 para assinalar o dia contra a homo/trans/bifobia e o ranking classifica os 49 países europeus numa escala de 0% a 100%, entre violações graves dos direitos humanos e respeito pelos direitos humanos e igualdade total.

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