O orgulho LGBT celebrou-se em todo o mundo. Houve amor e alegria, mas também preconceito e violência

26 jun 2022, 20:55

O mês de junho deste ano manteve o foco no amor e na união, como é habitual nestas celebrações, mas viu-se também ensombrado por mortes e confrontos policiais

O mês de junho remete para as ruas uma celebração que se faz todo o ano. 52 anos depois da primeira marcha do orgulho LGBT (ou "Marcha da Liberação Gay", como era chamada na altura), milhões de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero continuam a reclamar as ruas da maioria das grandes cidades um pouco por todo o mundo.

As festas têm tanto de alegria como de política. Expressa-se orgulho pela identidade, diversidade e conquistas da comunidade ao longo das últimas décadas, mas reforça-se também tudo aquilo que ainda falta conquistar.

O mês de junho deste ano manteve o foco no amor e na união, como é habitual nestas celebrações, mas viu-se também ensombrado por mortes e confrontos policiais que voltaram a destacar a importância de um mundo igualitário - e a lembrar-nos a distância que nos separa dele.

Histórias de amor e alegria... 

Portugal acolheu celebrações de Norte a Sul do país. Desta vez, as festas nas grandes cidades foram também conciliadas com as primeiras festas nas vilas e aldeias do interior. Lisboa e Porto continuaram a reunir o maior número de participantes, mas as estreantes Sintra, Covilhã e Caldas da Rainha mostraram que o orgulho se reivindica em cada canto do país.

E é nos cantos mais remotos ou que demonstram mais resistência à inclusão que se fazem as festas mais emocionadas. Países como a Tailândia, Bulgária e Índia começam a encontrar condições para expressar, de forma mais livre e segura, a diversidade que sempre existiu.

No México, um dos primeiros países da América Latina a reconhecer (em alguns estados) o casamento entre pessoas do mesmo sexo, centenas de casais LGBT deram o nó numa cerimónia em massa na passada sexta-feira.

Também na América do Sul, a festa fez-se em português. Depois de dois anos a ser celebrada virtualmente, devido às restrições pandémicas, a marcha de orgulho LGBT voltou a reunir milhões de participantes nas ruas do Brasil, um dos países onde a taxa de crimes violentos contra a comunidade é mais expressiva.

Os Estados Unidos, por sua vez, acolheram marchas de forte caráter político neste domingo. À luta pela liberdade sexual e identitária juntaram-se protestos contra a controversa decisão do Supremo Tribunal, que negou esta sexta-feira o direito ao aborto a milhões de mulheres. Os participantes temem que, depois dos direitos das mulheres, também os direitos da comunidade LGBT sejam comprometidos, como explica um manifestante à NBC News.

"Sinto que o próximo alvo pode ser o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a intimidade, tudo o resto - adoção, até. É por isso que é tão importante regressar pessoalmente", sublinha Jonathan Dago, que marcou presença na marcha de Nova Iorque após dois anos de pandemia. "É importante estarmos juntos e apoiarmo-nos, neste momento".

E, quando o assunto é resiliência, é obrigatório referir a Ucrânia. A invasão russa do país ditou que o evento não pudesse decorrer em Kiev, como acontece habitualmente, mas a comunidade não se deixou desmotivar. Em vez de cancelar a marcha, redirecionou-a para a capital da Polónia, Varsóvia, num evento conjunto entre os países vizinhos que reuniu mais de 80 mil participantes. Luta-se, com a voz redobrada, pelos direitos das pessoas LGBT, em risco de "desaparecer por completo" numa Ucrânia cada vez mais ameaçada. 

"Marchamos pelo apoio político da Ucrânia, e marchamos por direitos humanos básicos para as pessoas ucranianas", explicou Lenne Emson, diretor do KyivPride, em declarações à Radio Liberty.

... e de resistência face ao ódio

O tiroteio em Oslo, que vitimou duas pessoas e feriu dezenas no passado sábado, impediu a realização do desfile oficial da marcha que ocorreria no mesmo dia. A polícia acredita tratar-se de um crime de ódio, levado a cabo por um extremista islâmico, e elevou o nível de alerta de "moderado" para "extremo" - o mais elevado

Apesar das recomendações das autoridades e do clima de insegurança e de tristeza que se instalou na capital norueguesa, algumas pessoas contornaram o medo e reuniram-se em frente ao bar onde ocorreu o crime. Foram deixadas flores, içadas bandeiras da cor do arco-íris e chorada a morte das duas vítimas, numa demonstração de solidariedade e união que as testemunhas descrevem, apesar das trágicas circunstâncias, como "a coisa mais bela" a que já assistiram. 

Em Istambul, na Turquia, o evento também foi cancelado e resultou em várias detenções - mas por motivos diferentes.

O governador da cidade tinha previamente proibido a realização da marcha de orgulho, evocando razões de segurança, à semelhança do que tem vindo a acontecer desde o desfile em 2014 que juntou mais de 100 mil pessoas.

Ainda assim, centenas de manifestantes juntaram-se nas proximidades da Praça Taksim, atualmente interdita ao público, empunhando bandeiras do arco-íris e entoando lemas que invocavam valores de diversidade. A polícia turca chegou ao local ainda antes do início oficial da manifestação e deteve cerca de 200 pessoas - entre os quais Bülent Kilic, um premiado fotógrafo da agência France Presse que já tinha sido preso o ano passado nas mesmas circunstâncias.

A Amnistia Internacional já reagiu às detenções e exigiu que todos os participantes levados pelas autoridades turcas fossem "imediatamente" e "incondicionalmente" libertados. A repressão do governo parece, aliás, ter intensificado o espírito de revolta nas redes sociais, por parte de políticos e da comunidade internacional. 

Mais de meio século depois das primeiras manifestações públicas e comunitárias de orgulho, as marchas continuam a existir e a resistir. A repressão e a discriminação são também constantes, especialmente em países onde o amor entre pessoas do mesmo sexo é ainda punível por lei e tem de sobreviver nas sombras, em surdina, aguardando que os princípios de igualdade se estendam finalmente a todas as pessoas. Até lá, a comunidade LGBT continua a encontrar força na união, na solidariedade e na diversidade demonstradas nestas marchas - e no orgulho inabalável.

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