Retratos íntimos de jovens LGBTQ que vivem nas profundezas da floresta amazónica

CNN , Oscar Holland
14 ago 2022, 22:00

Daniel Jack Lyons queria fotografar a vida de jovens marginalizados na remota região brasileira

Enquanto jantava num restaurante no Careiro, uma pequena cidade nas profundezas da floresta amazónica, Daniel Jack Lyons foi inesperadamente abordado por um artista local, drag queen, Wendell.

Dois dias antes, o fotógrafo norte-americano tinha-se reunido com jovens líderes comunitários na esperança de que alguns pudessem participar num novo projeto que explorasse a vida de jovens marginalizados na remota região brasileira. A notícia espalhou-se rapidamente.

"Ele aproximou-se de mim e disse: 'Tu és o fotógrafo, eu sou drag queen e tu vais fotografar-me na quinta-feira'", recordou Lyons numa entrevista telefónica.

O par encontrou-se, e o retrato resultante - Wendell com um olhar de desafio para a máquina fotográfica com um fósforo iluminado na boca - acabou por se tornar a imagem de destaque na nova série de maioridade de Lyons, "Like a River". Mas, como fotógrafo e com formação em antropologia, Lyons parece mais interessado nas histórias humanas por trás das suas fotografias.

"Wendell atua como drag queen, mas também gere o pequeno negócio da mãe a vender churrasco (carne grelhada) à noite no mercado", disse. "Ela está muito doente, e ele assumiu as rédeas do negócio. Portanto, é uma coisa muito sensível: ele não quer fazer drag e (ter qualquer discriminação resultante) afetar negativamente o negócio de que dependem para sobreviver.

"Por isso, como forma de compensar demais, tornou-se esta 'mãe' de todas as crianças não binárias, transexuais e gays da cidade", acrescentou Lyons, referindo que Wendell abriu a sua casa a adolescentes em dificuldades e ajudou jovens transgénero a acederem à terapia hormonal na cidade mais próxima, Manaus.

Cerca de metade dos visados do novo livro de Lyons identificam-se como transexuais, não binários ou "gays de alguma forma", disse o fotógrafo. Crédito: (Like a River 2022/Loose Joints)

Instalando-se em Careiro e no rio Tupana, nas proximidades, durante oito semanas, Lyons passou a fotografar dezenas de jovens para a série, que está atualmente em exposição no festival de fotografia Rencontres d'Arles, em França. Cerca de metade dos participantes do seu livro de acompanhamento são transexuais, não binários ou "gays de alguma forma", disse o fotógrafo, que se identifica como gay.

As suas histórias contêm relatos de transições de género turbulentas e atritos familiares. Uma pessoa com quem Lyons falou para o projeto tinha sido deserdada pela mulher e pelos pais, e separada do filho, depois de se ter tornado transexual. As fotografias foram também tiradas num cenário de estigmas sociais num país onde os crimes de ódio homofóbico estão a aumentar e os direitos LGBTQ parecem cada vez mais sob ameaça (o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que uma vez disse à revista Playboy que seria "incapaz de amar um filho homossexual", declarou que desaprova as leis do casamento entre pessoas do mesmo sexo no país).

No entanto, o espírito dominante das imagens de Lyon é de resiliência.

"Todos com quem trabalhei tiveram problemas, sem dúvida", disse. "Mas é quase como se a discriminação fosse entendida de uma forma tácita. É a corrente sub-reptícia, está lá, mas à medida em que me tornava amigo das pessoas, havia muitas conversas positivas.

"Havia uma (sensação de) perseverança - celebrando o facto de eles poderem andar por esta cidade e não se importarem com o que as pessoas pensam."

Identidades interseccionais

Tendo baseado o seu título num poema brasileiro com o mesmo nome, "Like A River" retrata não só as comunidades LGBTQ da região, mas outros grupos "que vivem à margem", como diz Lyons. As suas imagens íntimas captam adolescentes envolvidos em subculturas artísticas e musicais, bem como jovens indígenas com "identidades interseccionais" complexas.

O fotógrafo também apontou a sua lente para jovens ativistas pela terra, com ameaças ambientais que são uma preocupação recorrente entre os seus apoiantes. Disse que o medo da exploração mineira ilegal e da desflorestação tem crescido visivelmente em Careiro desde que iniciou o projeto em 2019.

Lyons também apontou a sua lente para o ambiente da região, que diz estar cada vez mais ameaçado. (Like a River 2022/Loose Joints)

"Obviamente que há muita discriminação para com os gays, mas acho que a maior ameaça para as pessoas é Bolsonaro ter criado um oeste selvagem na Amazónia. Há muito medo de que madeireiros e mineiros ilegais entrem numa comunidade", acrescentou, referindo-se aos recentes relatos de mineiros que atacam aldeias indígenas na caça ao ouro e outros recursos.

Lyons, que já produziu séries sobre jovens marginalizados em Moçambique e na Ucrânia, trata o retrato como um ato de colaboração e os seus modelos como amigos.

O fotógrafo foca-se em construir relações antes de pegar na máquina fotográfica. Normalmente não capta as pessoas no dia em que as encontra e dá aos colaboradores poder sobre onde e como as filmagens ocorrem, incluindo o que vestem e como posam.

"Não é fotojornalismo tradicional, em que se entra, se tira fotografias e se sai", explicou Lyons, que disse manter contacto com muitas das pessoas em destaque em "Like a River".

"Foi muito mais do que isso. Queria concentrar-me em envolver-me com as pessoas e realmente apreciar os momentos íntimos que partilharam comigo."

"Like a River" está em exposição no festival de fotografia Rencontres d'Arles até 28 de agosto de 2022. Um livro da série, publicado pela Loose Joints, já está disponível.

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