"Aos 23 nunca se espera ter um diagnóstico destes": Simão e Mariana tiveram de fazer "uma pausa no tempo" para lutar contra o cancro. Já Gracinda, de 79, nunca soube que sobreviveu a um linfoma

19 out 2022, 07:00
Cancro (Pexels)

Simão luta contra uma leucemia, Mariana enfrenta a vida após o cancro e Gracinda não sabe que sobreviveu a um linfoma. A CNN Portugal reuniu três testemunhos de resiliência perante aquela que é considerada uma das doenças do século e sobre a qual não há dados recentes em Portugal

“Porquê eu? O que é que eu fiz?” Foram estas as questões que Simão Correia e Mariana Costa colocaram quando souberam do diagnóstico. Aos 23 anos, Simão luta contra uma leucemia linfoblástica aguda tipo B que o obrigou a fazer uma "pausa" até encontrar um dador compatível de medula óssea. Mariana tinha a mesma idade quando foi diagnosticada com um linfoma Não-Hodgkin primário do mediastino e hoje, com 25 anos, enfrenta uma nova batalha: a vida após o cancro. Gracinda Mendes tem 79 anos e não sabe que teve um cancro há quatro anos, por decisão da família.

A CNN Portugal reuniu três testemunhos de resiliência perante aquela que é considerada uma das doenças do século. Apesar desta classificação, não há números recentes sobre diagnósticos de leucemia e linfoma em Portugal, pelo menos desde 2018. As histórias de Simão, Mariana e Gracinda mostram como a doença evolui rapidamente e como os sintomas podem enganar. E, no meio da incerteza, há uma certeza absoluta: o apoio incondicional (seja familiar, de amigos ou de médicos) faz a diferença. 

"Parecia que estávamos a ver um filme e que já sabíamos de antemão quais os diálogos que se iam passar. Estávamos a ver aquilo tudo a acontecer e só queríamos sair daquele filme, mas infelizmente éramos os protagonistas." É assim que os pais de Simão Correia recordam o momento em que souberam do diagnóstico do filho.

Dulce e Pedro Correia contam à CNN Portugal como o que pensavam ser uma simples gastroenterite acabou por ser aquilo que nenhum pai e nenhuma mãe quer ouvir de um médico. Nos primeiros dias de setembro, Simão começou a sentir náuseas e a ter diarreia, “os sintomas que normalmente associamos a uma gastroenterite ou a uma intoxicação alimentar”, começa por contar a mãe. “Aliás, ele tinha comido fast food e até pensou que tivesse sido por isso, então ficou a dieta e bebeu muita água. Só quando começou com febre é que começámos a ficar preocupados.”

Simão sempre foi um jovem saudável e “entre ben-u-rons e brufens resolvia-se tudo, desde pequenino”, continua Dulce. Porém, desta vez, mesmo com estes medicamentos, a febre teimava em não passar. Foi então que decidiram dirigir-se às urgências do Amadora-Sintra onde, entre exames e análises, os médicos detectaram uma anemia e uma “leitura de glóbulos brancos muito elevada”. Simão tinha uma leitura de 376.000 glóbulos brancos, sendo que os valores de referência são 14.000. Os valores estavam de tal forma “descontrolados” que os próprios médicos acreditavam que “havia algum problema no equipamento ou que tinha sido feita uma má leitura dos valores”, conta o pai.

Foi nesse momento que os pais começaram a suspeitar que o que os levou ali não seria um problema gástrico, mas algo mais grave. “Nessa noite, eu e a minha mulher não dormimos. Ficámos preocupados com esta sombra de uma leucemia. No dia seguinte, tivemos a confirmação.”

A leucemia caracteriza-se precisamente pela produção excessiva de glóbulos brancos, como se o corpo estivesse sempre a combater uma infeção. A hematologista Cátia Gaspar, do Hospital CUF Descobertas de Torres Vedras, explica à CNN Portugal que os sintomas mais comuns na leucemia aguda são "cansaço, dor óssea dispersa pelo corpo, uma febre que não se consegue explicar, imensos hematomas pelo corpo". A médica diz mesmo que "os sintomas podem ser limitativos", ou seja, é comum as pessoas chegarem às urgências "a dizer que não conseguem andar". 

O diagnóstico das leucemias passa em primeiro lugar pelo hemograma [que avalia as células que compõem o sangue], seguindo-se depois o chamado "diagnóstico final", que passa por um exame da medula, a punção medular ou óssea, indica Cátia Gaspar. O tratamento para a leucemia assenta na quimioterapia, sendo "mais intensiva nos doentes mais jovens do que nos idosos, porque as reservas e capacidades cardíaca, hepática e renal são muito diferentes", explica a hematologista, que acrescenta que "as leucemias são muito comuns em jovens", sobretudo na idade pediátrica.

Do Amadora-Sintra, Simão foi encaminhado para o IPO de Lisboa. “Ele estava de rastos”, recorda a mãe. “Ele dizia: ‘mas eu nem me despedi do meu quarto nem de ninguém’, e eu assegurei que logo logo ele voltava.”

Apesar do choque inicial, Simão, que os pais descrevem como um jovem persistente e calculista, recusou cruzar os braços e decidiu dar luta a uma doença que apareceu sem aviso prévio, obrigando a ver a vida numa outra perspetiva. "Eu vou vencer isto", disse aos pais. Foi com este espírito de resiliência que criou uma página no Instagram que serve como diário, onde descreve o seu quotidiano desde o primeiro dia do tratamento, 16 de setembro. A ideia era comunicar a sua situação a toda a família e amigos, permitindo-lhes assim acompanhar todo o processo. “Nunca pensou que fosse ter esta dimensão”, afirma os pais. 

É que não foram só familiares e amigos a acompanhar o Simão na rede social: de repente, começaram a surgir comentários de seguidores desconhecidos a enviar mensagens de esperança e boas energias e hoje mais de 8.500 pessoas acompanham o Simão nesta jornada. Esta “onda de solidariedade” ajuda os próprios pais do Simão, que se agarram aos familiares, amigos e à fé para viver um dia de cada vez. “Nós temos esta vantagem de termos um Deus a quem podemos agarrar-nos. Às vezes questionamos como é que fazem as pessoas que não acreditam [em Deus]. A quem é que se agarram?”, questionam.

Dulce e Pedro Correia enfrentam este processo como “uma pausa” no tempo: “Se neste momento temos de fazer uma pausa para ele ficar bom, vamos fazê-la e vamos fazer tudo para que seja o mais curta possível, mas não vamos desistir de nada, porque ele tem imensos projetos pela frente. Vamos adiar um bocadinho, mas o tempo logo se conquista outra vez.”

Os pais descrevem-no como "um faz tudo" que se interessa por várias áreas, da economia às artes. Acabou por concluir uma licenciatura em Arte Multimédia e entrou este ano no mestrado de Design da Comunicação - cuja candidatura os pais decidiram não anular. Mas a música é a sua grande paixão e os acordes da guitarra são por estes dias a sua terapia no IPO. Além de tocar guitarra, Simão sabe tocar piano e tem uma "bela voz", garantem os pais, que não têm dúvidas de que o futuro do filho passará, certamente, pela música.

Doar medula é simples e pode salvar vidas

Quatro dias depois de estar internado no IPO e depois de ter feito um exame da medula óssea, os médicos concluíram que Simão precisaria de um transplante. “Foi a situação mais difícil de digerir durante o dia”, confessa, no seu diário no Instagram.

Os pais de Simão estão ambos inscritos no registo internacional de dadores de medula óssea e Dulce já chegou mesmo a doar medula para os Estados Unidos, em 2007. Agora, precisam de um dador compatível para o filho e utilizam a experiência pessoal para explicar como este é um processo tão simples que pode mesmo salvar vidas.

“As pessoas estão convencidas de que doar medula implica uma punção no osso para tirar a medula, mas, na verdade, é uma recolha de plaquetas. O sangue vai passando por uma máquina que vai recolhendo toda a medula. [Este processo] ainda é mais simples e menos invasivo do que dar sangue, porque nesse caso o sangue é recolhido e a pessoa fica com menos quantidade. Na doação de medula, o sangue passa por um processo de retirada da medula, ou seja, nunca ficamos sem sangue, apenas nos é retirada a medula, que é recuperada rapidamente", explica a mãe.

Mas este processo, chamado aférese, e que pode demorar cerca de 4-6 horas, só acontece se realmente formos chamados a doar medula, ressalva o pai. “Muitas pessoas pensam que quando se inscrevem para o registo de dadores, já estão a doar medula. Mas esse é só o primeiro passo. Primeiro, fazem uma análise do código genético para ficarem registados no banco internacional e assim, quando alguém precisar, sabem que aquela pessoa tem o mesmo código genético, é um dador compatível e pode mesmo doar medula. E aí sim pode salvar uma vida.”

Para ser um potencial dador de medula óssea, deve ter entre 18 e 45 anos, ter no mínimo 50 kg e 1,50 m de altura, ser saudável e nunca ter recebido uma transfusão de sangue desde 1980. Para se inscrever, basta preencher este inquérito e dirigir-se aos locais fixos (que pode consultar aqui) ou brigadas móveis em todo o país (que pode consultar aqui).

A vida após o cancro - a história de Mariana

Mariana Costa tinha 23 anos quando soube que tinha um linfoma Não-Hodgkin primário do mediastino, em março de 2021. Os sintomas começaram um mês antes, conta à CNN Portugal: “Custava-me respirar e tinha uma dor nas costas. Lembro-me de estar uma semana a questionar porque é que me doía.”

No dia 22 desse mês resolveu ir às urgências. “Tinha um pouco de receio do que poderia acontecer, tinha medo de ser covid, estava muito assustada com o que acontecia no mundo. Tinha o coração a bater tão rápido, tão rápido, foi assustador. Na triagem viram logo que os meus batimentos cardíacos estavam mais acelerados que o normal e fui logo levada para a sala de tratamentos sem saber que risco estaria a correr”, conta.

Mariana recorda o momento em que uma enfermeira lhe disse que seria transferida para a unidade de tratamento. “Comecei a rir, desvalorizei por completo. Achava que não era necessário tudo aquilo.” Depois de vários exames e análises, “foi tal e qual como nos filmes”, diz. “O médico fecha as cortinas e diz-me que tenho uma massa entre o coração e os pulmões. O que me veio à cabeça foi perguntar o que poderia ser: ‘Doutor, pode ser cancro?’, ‘Sim’, disse ele.”

“A partir daí, deixa de ter piada. Toda a boa disposição desaparece. Aos 23 anos nunca se espera ter um diagnóstico destes”, afirma, descrevendo-o como um “balde de água fria”.

A hematologista Cátia Gaspar explica que o linfoma caracteriza-se por "uma mutação que faz com que os gânglios aumentem de tamanho e fiquem patológicos". "Os sintomas são sublimes, como falta de apetite, perda de peso, febre, tudo sintomas pouco específicos e difíceis de valorizar", diz a médica. No caso do linfoma, é necessária uma biópsia do gânglio que aumentou de tamanho para se proceder ao diagnóstico e o tratamento passa também pela quimioterapia com imunoterapia associada. "Pode haver necessidade de radioterapia, para controlar sintomas ou a doença", acrescenta.

Por sua vez, o hematologista Fernando Príncipe, do Hospital Lusíadas no Porto, explica que nalguns linfomas é possível "tratar doentes sem quimioterapia", recorrendo a imunoterapia com medicamentos imunomoduladores (imunomodulação), que permitem "perspetiva de sobrevida a longo prazo e sem toxicidade". Mas tudo depende da idade do doente e das doenças associadas, acrescenta, em declarações à CNN Portugal.

Na primeira semana de março, Mariana e os pais reuniram-se com o médico e decidiram avançar com a quimioterapia logo no dia seguinte. “É impossível não nos questionarmos o porquê nós, perguntar ‘o que é que eu fiz’. Mas era o que era, eu não podia simplesmente dizer ‘deixa lá’ [e desistir]. Fui sempre com a mentalidade de que isto vai ser ultrapassado”, conta.

Durante as seis sessões de quimioterapia que teve pela frente, Mariana, que sempre teve “cuidado com a alimentação”, fez de tudo para “ajudar o corpo a superar esta fase”, começando por “ler livros sobre cancro e alimentação no cancro” e a optar por escolhas mais saudáveis. “Deixei de comer tudo o que tem açúcar, alimentos processados e refinados. A minha alimentação é agora à base de legumes, leguminosas e frutas”, conta.

“De três em três semanas, que era o ciclo das sessões da terapia, quando o médico me dizia que podia avançar, reduzia as doses de comprimidos, cortisona, e isso dava-me mais garra. ‘Eu vou destruí-lo’, dizia a mim mesma”, recorda. 

Mariana Costa tinha 23 anos quando foi diagnosticada com cancro (DR)

A quimioterapia terminou na segunda quinzena de junho e o próximo passo era fazer uma nova PET (tomografia por emissão de positrões) para avaliar a resposta à terapêutica. “Estava muito expectante de que a quimioterapia tivesse sido eficiente para eliminar o tumor, o que podia acontecer. Mas, infelizmente, não aconteceu.” Os resultados da PET mostraram que 2% do tumor ainda estava por eliminar. “Isto aconteceu porque o tumor era muito grande, tinha cerca de 10 cm, era impossível eliminá-lo só com quimioterapia”, explica. 

Numa nova reunião com o médico que a acompanhava, Mariana soube que o próximo passo seria a radioterapia, que, tal como o nome indica, é um tipo de tratamento em que se utiliza radiação para destruir as células cancerígenas. “Fiquei bastante desiludida. A radioterapia poderia trazer efeitos secundários e a probabilidade de mais tarde ter um cancro da mama. Isso deitou-me muito abaixo, mas tinha de ser. Não tinha outra hipótese. Se não eliminasse este tipo de linfoma, ele poderia voltar a crescer.”

Mas cuidar do corpo significa também cuidar da mente e foi isso que Mariana fez antes de uma nova luta. “Em agosto falei com o médico e pedi para fazer uma pausa. Precisava de ir de férias, ver o mar. Felizmente consegui descansar e em setembro voltámos à carga e fiz um mês de radioterapia”, conta. Dois meses depois, voltou a fazer uma PET que confirmou que estava finalmente limpa. Agora, está em fase de controlo, fazendo exames e análises a cada três meses. 

Durante todo este processo, Mariana foi sempre acompanhada por um psicólogo clínico e diz ter contado sempre com “o apoio incondicional das enfermeiras e dos médicos”. “Foi fundamental para mim ter segurança e acreditar no processo de cura”, diz.

Porém, no início deste ano, começou uma nova batalha: a vida depois do cancro. “Em janeiro e fevereiro comecei a ter enxaquecas e vómitos, os efeitos todos do tratamento, depois de tudo ter passado. Quando a ficha caiu de tudo o que fiz, de tudo o que passei e de como enfrentei… parece que foi tudo em modo piloto automático”, conta. Mariana já sabia que o período após os tratamentos poderia ser pior, uma vez que os doentes deixam de ter apoio médico e psicológico diário. “Nós não assimilamos esse apoio como uma base importante para acreditarmos que continua a estar tudo bem. Os doentes muitas vezes não estão confortáveis em mostrar que estão em baixo, ainda é [um assunto] tabu.”

E este tem sido, de facto, “um ano de altos e baixos”, descreve Mariana. “É difícil ver os meus amigos a passear ou numa festa e eu sem conseguir sair da cama. Mas temos de aceitar, o corpo é que manda.” Tal como fez com os tratamentos, Mariana estava determinada a dar a volta: “Fiz acupuntura, meditação e ioga, o que me ajudou a sair sozinha desses pensamentos negativos para pensamentos positivos.”

Mariana, hoje com 25 anos e livre de um linfoma Não-Hodgkin, olha para a sua doença não como "uma coisa má", mas sim como "uma transformação" (DR)

“Esta doença pode levar a uma transformação da pessoa e da forma como está, como vive e como lida com os outros. Continua a ser uma aprendizagem. A mensagem que quero passar é que um acontecimento mau não é necessariamente um ponto negativo, mas uma transformação. Temos de tirar os pontos positivos de uma fase mais difícil”, resume. 

Lutar contra o cancro sem o saber - a história de Gracinda

Gracinda Mendes tem 79 anos e em 2017 lutou contra um linfoma Não-Hodgkin sem o saber. Em declarações à CNN Portugal, a filha de Gracinda, Alice, de 50 anos, conta que a mãe começou a notar uns gânglios na parte abdominal e a ter suores noturnos. Depois de ser consultada pelo médico e de ter feito vários exames, confirmou-se que se tratava de um linfoma e que teria de começar a fazer o tratamento de imunoterapia, que demorou seis meses, com uma sessão por mês no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).

“Ela reagiu muito bem. Em julho [de 2017] fez a última sessão de tratamento e agora vai lá [ao hospital] duas vezes por ano fazer análises e exames para ver se está tudo bem”, conta Alice.

Rute Alvarez, especialista em hematologia clínica, explica à CNN Portugal que, de facto, "sentir alguma coisa fora do normal" numa palpação regular dos gânglios no pescoço, nas axilas e nas virilhas "é sinal de alarme" e não deve ser desvalorizado. De acordo com a especialista, nesta doença "pode acontecer as análises estarem 100% bem e de repente haver um linfoma a desenvolver-se", sem que nada o faça prever. "Ou seja, pode ter um impacto no sangue, mas tem essencialmente impacto em massas ou gânglios que começam a aumentar de volume", aponta.

Alice, que vive com os pais, tomou a decisão de não revelar a nenhum dos dois o diagnóstico da mãe para "proteger" tanto um como outro, e ainda hoje Gracinda não sabe que lutou contra um linfoma Não-Hodgkin.

“Só a palavra cancro já assusta e como [os meus pais] são pessoas de idade - e o meu pai é muito dependente da minha mãe - estava com receio de como iriam reagir. Falei com os meus irmãos, coloquei-os a par da situação e decidimos em conjunto nunca dizer ao certo o que ela tinha. Quisemos protegê-la o máximo possível. Por vezes perguntava o que é que tinha e eu respondia que eram apenas uns gânglios que tinham de ser tratados. E ainda hoje ela não sabe o que é que teve”, diz.

Nestes casos em que os pais já têm uma certa idade, é comum as famílias ficarem num dilema entre revelar ou não o diagnóstico, com receio de que possam ir abaixo psicologicamente. A psicóloga Catarina Graça, da Clínica da Mente, diz compreender este receio. “Até nas minhas consultas não gosto de rotular o diagnóstico da pessoa. Não gosto de dizer, por exemplo, ‘tem uma depressão’, porque parece que a pessoa se reveste do diagnóstico e sente o peso da situação”, observa a psicóloga, em declarações à CNN Portugal.

“Nesse caso em particular, provavelmente [não contar] até ajudou a mãe a ultrapassar a doença. Porque quando sentimos que a coisa é mais simples, vamos para o tratamento com outra disponibilidade”, afirma, sublinhando que, de facto, “não há um procedimento correto” nestas situações.

Independentemente de contar ou não contar, a psicóloga Catarina Graça salienta a importância de criar um ambiente de boa energia à volta da pessoa que está doente: “É natural que a pessoa que está doente vá quebrando e se olha à sua volta e vê que as pessoas à sua volta também estão tristes e depressivas, entra-se efetivamente numa bolha que não é vantajosa para ninguém.”

Registos mais recentes de diagnósticos remontam a 2018

A CNN tentou obter dados recentes de números de diagnóstico de leucemias e linfomas em Portugal, mas os últimos dados do Registo Oncológico Nacional remetem para 2018 e dão conta de 325 novos casos de linfoma Hodgkin e 1.846 de linfoma Não-Hodgkin. Em relação às leucemias, foram registadas 389 leucemias mielóides e 416 linfóides (sem incluir os restantes 30 tipos de leucemia).

Em ambas as doenças, a incidência é maior nos homens - dos 325 casos de linfoma Hodgkin, 183 foram diagnosticados no sexo masculino, tal como 952 dos 1.846 casos de linfoma Não-Hodgkin; já nas leucemias mielóides, dos 389 casos registados em 2018, 222 dizem respeito aos homens e dos 416 casos de leucemias linfóides, 221 foram registadas no sexo masculino.

Quanto à taxa de mortalidade, o linfoma Hodgkin foi a causa da morte de 20 mulheres e 23 homens, enquanto o linfoma Não-Hodgkin provocou a morte de 360 mulheres e 421 homens. A leucemia mielóide causou a morte de 119 mulheres e 136 homens, e a linfóide foi a causa da morte de 179 mulheres e 247 homens.

A hematologista Cátia Gaspar confirma que "o registo [de diagnósticos] não é feito" em Portugal, pelo menos desde 2018. A médica diz mesmo que "a maior parte dos dados são dos Estados Unidos", o que nem sempre corresponde à realidade portuguesa. "Os suecos têm os registos mais fidedignos, não fugimos muito da realidade [da Suécia]", acrescenta. 

A evolução nos tratamentos (que não termina aqui)

Os três hematologistas contactados pela CNN Portugal salientam a "enorme evolução" da terapêutica nestas patologias nos últimos anos. "Cada vez mais se prolonga a vida dos doentes e com mais qualidade de vida. Os tratamentos que temos hoje disponíveis são muito diferentes dos que tínhamos há 10 anos e há 20 anos, portanto tem havido uma enorme evolução e continua a haver. Há imensa investigação nestas áreas de doença e o cenário para o futuro também é mais otimista", sintetiza Rute Alvarez.

Fernando Príncipe sublinha também que "os últimos 15 a 20 anos têm sido muito ricos em tratamentos oncológicos nestas duas patologias em específico, desde logo no linfoma Não-Hodgkin, com a descoberta de anticorpos monoclonais que têm como alvo o CD20, que são proteínas produzidas pelo sistema imunológico do corpo para combater as infeções, e que são infundidos via intravenosa. "Esta imunoterapia, quando associada a quimioterapia, representa o dobro da sobrevivência", salienta.

Em recaídas de linfomas, continua o hematologista, "há a inovação da autotransplantação ou terapia com células CAR-T", que é uma forma de imunoterapia que utiliza as células T (linfócitos), que são parte dos glóbulos brancos e têm como objetivo identificar e eliminar bactérias, vírus e células tumorais. 

Em relação às leucemias agudas, Fernando Príncipe destaca também os anticorpos monoclonais e inibidores celulares de sinalização, como agentes hipometilantes, que são medicamentos que atuam nos genes que controlam o crescimento tumoral e destroem as células de crescimento rápido.

"Os [cientistas] trouxeram nos últimos anos um grande armamentário terapêutico, mas a melhoria [dos tratamentos] nem sempre corresponde a cura", lamenta.

Estas descobertas permitem uma terapêutica "cada vez mais personalizada", como sublinha Rute Alvarez: "Mesmo dentro do mesmo subtipo de doença, dependendo do estádio da doença e de determinados critérios, pessoas diferentes podem ter um tratamento terapêutico totalmente diferente e não quer dizer que estejam a ser mal tratadas, simplesmente há mais opções para diferentes tipos de doentes, pelo que caminhamos para uma terapêutica cada vez mais personalizada."

"Cada vez mais há anticorpos monoclonais ou inibidores de determinadas proteínas que estão associados a determinados tipos de doenças hematológicas, e que nos permitem fazer essa terapêutica sem dar a mesma toxicidade com a quimioterapia", continua a hematologista, que descreve a quimioterapia como "uma bomba que destrói tudo".

Rute Alvarez ressalva que nem sempre é possível "fazer só uma terapêutica", pelo que, por vezes, é mesmo necessário "associar estes tratamentos inovadores à quimioterapia".

Além dos tratamentos já existentes, a hematologista Cátia Gaspar mostra-se igualmente confiante de que vão "aparecer novos tratamentos que prolongam a vida das pessoas com qualidade de vida".

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