Escusa do Conselho da Magistratura em emitir parecer sobre lei de metadados "não é aceitável"

Agência Lusa , FMC
22 jun 2022, 20:23
Jovem ao telemóvel. (AP Photo/Lee Jin-man)

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses defende que o Conselho de Magistratura tem a competência e o dever de emitir parecer sobre as propostas de alteração à lei dos metadados

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) defende que “não é aceitável” que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) escusar-se a emitir parecer sobre as propostas de alteração à lei dos metadados, considerando que é sua competência e dever.

“O CSM não pode achar ‘curial’ não emitir parecer por a questão já estar jurisdicionalizada e não quer intrometer-se nas competências dos tribunais. O que se pediu ao CSM foi a opinião sobre um projeto legislativo e não que se pronunciasse sobre o anterior ou um eventual próximo acórdão do Tribunal Constitucional”, lê-se numa posição da ASJP enviada à Lusa.

Em despacho divulgado na terça-feira, o CSM escusou-se a dar parecer sobre as propostas de alteração à lei dos metadados para ultrapassar as inconstitucionalidades, alegando não ser “curial” fazê-lo sobre matéria que será provavelmente decidida pelo Tribunal Constitucional (TC).

No despacho do CSM a que a Lusa teve acesso, o conselho defende ser “inquestionável a vontade do legislador em ultrapassar tais inconstitucionalidades” a propósito da proposta e projetos de lei entregues no parlamento para ultrapassar as violações à Constituição no que diz respeito ao armazenamento e utilização de metadados para investigação criminal.

“Contudo, não nos parece curial o Conselho Superior da Magistratura emitir parecer em matéria já jurisdicionalizada, em que a posição final será, tudo leva a crer, novamente, do Tribunal Constitucional”, conclui o despacho.

Esta quarta-feira, o presidente da ASJP, Manuel Soares, considerou que “não é aceitável” a escusa em emitir parecer, defendendo que é uma competência de dever legal do conselho.

“A lei atribui ao CSM a competência (e o dever) de emitir parecer sobre projetos legislativos com impacto na organização e funcionamento do sistema de justiça. A alteração da lei dos metadados visa, na sequência da declaração de inconstitucionalidade, encontrar uma solução constitucional para um enorme problema que pode inviabilizar na prática a acção penal em crimes de extrema gravidade”, lê-se na nota da ASJP.

A associação sindical dos juízes defende ainda que “um dos grandes problemas” do sistema de justiça português “são os Conselhos Superiores das Magistraturas”.

“Não as pessoas que lá exercem funções, mas os próprios órgãos, na sua composição, na forma de designação dos seus membros, no modo de formação e expressão da sua vontade, no seu desenho organizativo e na sua cultura de funcionamento”, precisa a nota.

“Os Conselhos Superiores, como órgãos políticos, têm a responsabilidade de participar ativamente na construção das políticas públicas de justiça, têm de ter uma visão estratégica sobre o sistema de justiça e de apresentar propostas e estar na primeira linha das reformas. Não podem reduzir a sua ação às questões da gestão e organização, da disciplina, das classificações, das estatísticas, e das rotinas burocráticas”, defende a ASJP.

A Ordem dos Advogados emitiu também, na semana passada, um parecer em que colocava reservas à proposta de lei do Governo, considerando que se deveria elencar os crimes cuja investigação garante o acesso aos dados, em vez de se remeter para crimes previstos no Código de Processo Penal.

Os advogados levantaram também questões sobre omissões no texto relativamente ao tempo e forma como esses dados devem ser destruídos, mas também omissões na definição de critérios de segurança para a transmissão dos dados.

Por questões como esta e outras a Ordem dos Advogados entendeu que a proposta do Governo sobre metadados suscita reservas, designadamente sobre a sua conformidade com a Lei Fundamental e com o Direito da União Europeia (UE).

O Tribunal Constitucional (TC), em acórdão de 19 de abril, declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.

A proposta de lei do Governo entregue na Assembleia da República estabelece para fins de investigação criminal o acesso à “data da chamada, grupo data/hora associado, serviço e número chamado”, entre outros elementos.

Está previsto que as operadoras de telecomunicações forneçam ainda os seguintes metadados: “Número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante, códigos de utilizador, identidade internacional de assinante móvel (IMSI) e a identidade internacional do equipamento móvel (IMEI); número de telefone, endereço de protocolo IP utilizado para estabelecimento da comunicação, porto de origem de comunicação, bem como os dados associados ao início e fim do acesso à Internet”.

A nova lei irá atribuir “às autoridades judiciárias a competência para solicitar à empresa que oferece redes e ou serviços de comunicações eletrónicas” os metadados, “quando haja razões que sustentem a indispensabilidade da informação para a descoberta da verdade ou a impossibilidade ou dificuldade de obter prova de outra forma”.

A proposta do Governo levantou preocupações à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, que questionam os efeitos do acórdão do TC nas investigações criminais.

Entretanto, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já comunicou que vai solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da nova lei sobre os prazos e condições para armazenamento de metadados das comunicações.

“Depois de votado [o diploma] no parlamento, a primeira preocupação é ter da parte do Tribunal Constitucional uma definição sobre a constitucionalidade da lei”, sustentou o chefe de Estado.

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