Carta de um combatente na Ucrânia: “Vim por acreditar que no caos da guerra há espaço para o amor”

Combatente na Ucrânia
21 mar 2022, 19:59

Esta é a carta de um combatente estrangeiro residente em Portugal que se encontra na Ucrânia a lutar contra as tropas russas. Estava na maior base militar do país, em Yavoriv, perto da fronteira com a Polónia, quando um bombardeamento russo a 14 de março causou a morte a cerca de 50 militares e voluntários. Esta base militar tem sido a principal porta de entrada de milhares de pessoas que rumaram à Ucrânia para combater as tropas de Putin. Depois do bombardeamento, muitos regressaram a casa porque perceberam que "a guerra é um instrumento de destruição de sonhos, do futuro, das famílias". Por razões de segurança, a TVI/CNN Portugal decidiram não idenficar este combatente voluntário da Legião Estrangeira

Cheguei à Ucrânia no dia 3 de março de 2022. Fui diretamente para a base responsável por selecionar combatentes pró-liberdade e justiça – ou, como costumo dizer, “O grupo da resistência” – que lutam contra a invasão russa.

Desde o princípio que sabia ao que vinha: a guerra. Em Portugal, tinha uma vida perfeita. Recebia muito bem pelo que fazia. E, mais importante que tudo, amava o meu trabalho. Mas não conseguia continuar a viver bem com a minha consciência e fingir que nada de tão trágico estava a acontecer num país aqui tão próximo. Foi por essa razão que decidi trocar a minha vida, que era perfeita, por uma realidade completamente nova e inesperada, que só uma guerra pode mostrar.

Aqui temos exigências a nível hierárquico e somos controlados em todos os domínios. Aqui é o lugar onde os filhos choram sem que as mães os ouçam! Afinal, somos uma força militar. Afinal, estamos na guerra.

A primeira frase em ucraniano que aprendi foi “Slava Ukrayini”  (“Glória à Ucrânia), logo seguida por “Slava  Heroyam” (“Glória aos heróis”).

Todos os dias chegavam mais e mais voluntários. Cheguei a imaginar que, se assim continuasse, Vladimir Putin teria de ter uma fotocopiadora de soldados russos porque estávamos a formar uma força gigante para fazer frente à dele.

Passados alguns dias, fui sondado por combatentes americanos para me juntar a eles como “freelancer”. Logo a seguir foram os georgianos, também no mesmo regime. Disse ‘não’ a ambos e acredito que, por causa dessa situação, foram incluídos 4 membros do meu grupo - incluindo eu próprio - no pelotão de reconhecimento e contenção, que é responsável pelas operações mais críticas e perigosas.

Um bom metal é testado em fogo intenso!

Tivemos uma situação a mais de 6 horas de viagem de onde nos encontrávamos, cujos detalhes não posso fornecer. Houve baixas no lado russo num combate terrestre iniciado a mais ou menos 350 metros. Foi um grande teste de nervos.

Coincidência ou não, sofremos um ataque aéreo à base poucos dias depois da nossa ação.  Coincidência ou não tinham sido detidos falsos voluntários russos.

Faço este relato para rebater qualquer tipo de crítica ou comentário ao método de seleção dos soldados da Legião Militar ucraniana (“A resistência”) pelo Exército ucraniano.

O facto é que após os bombardeamentos de que fomos alvo, que provocaram muitos mortos e feridos (e em que, estou praticamente certo, foram disparados mísseis supersónicos, dada a destruição causada e a cratera deixada após o impacto), houve uma debandada de voluntários. Muitos dos combatentes perceberam que a guerra é um instrumento de destruição de sonhos, do futuro, das famílias!

Aqui não é o lugar para novas experiências ou para quem achou que a guerra ia acabar ainda antes de começar.

Neste exato momento, estamos no meio do nada. Comemos e dormimos em tendas improvisadas, comemos a ração que trouxemos. Casas de banho? A natureza indica-nos o caminho. Confesso… sinto-me um soldado medieval numa campanha de guerra, que depois de desbravar terras longínquas, pretende voltar para casa (Portugal), conhecer e casar com sua prometida 🍀🍀. A ideia chega a ser romântica...

Respeito cada um dos que abandonaram o barco. Todos têm os seus motivos, a sua forma de ver a vida e respetivas motivações. Quanto a mim, vim lutar por acreditar no futuro de uma criança que eu possa ajudar. Basta ajudar uma, mesmo que para isso tenha que dar em troca meu corpo! Afinal, ele não existirá para sempre.

Vim por acreditar que posso fazer alguma diferença (uma boa diferença), vim por acreditar que no meio do caos da guerra há um espaço enorme para o amor.

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