“Um atentado à dignidade". Depois de querer levar sem-abrigo ao Rock in Rio, vereadora de Lisboa Laurinda Alves organiza caminhada dos mais vulneráveis

12 out 2022, 12:23
Laurinda Alves com o filho Martim Sousa Tavares - Lançamento de «Os Ciganos» Foto: João Cabral/Lux

Oposição e juntas de freguesia criticam iniciativa e reiteram que "os mais vulneráveis devem ser protegidos e não expostos"

A Câmara de Lisboa está a organizar uma marcha e um piquenique destinados aos mais vulneráveis da capital. Segundo noticiou o jornal Público, o evento será destinado às “pessoas de maior vulnerabilidade social”, está inserido no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza – que se comemora no dia 17 -e foi ideia da vereadora independente eleita pela Coligação Novos Tempos (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), Laurinda Alves, que tem o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais, entre outros.

Uma iniciativa que está a colher muitas críticas na oposição: “Um atentado à dignidade das pessoas", como classificou a socialista Carla Madeira, presidente da junta de freguesia da Misericórdia, que realça que “este convite, tal como vem descrito no e-mail, expõe pessoas que devem ser protegidas por nós”.

“Os mais vulneráveis devem ser protegidos e não expostos", reitera Carla Moreira, ouvida pela TSF.

Segundo a mesma rádio, mais de metade das juntas não vão participar neste evento.

Através do e-mail enviado no dia 29 de setembro às juntas de freguesias de Lisboa, a que o Público teve acesso, a vereadora explica que esta será uma iniciativa a realizar “numa estrutura de três etapas”. Terá início no Parque Eduardo VII, durante o período da manhã e almoço, a que se seguirá uma caminhada/marcha, durante a tarde, e terminará na Rua Augusta, já ao final da tarde. A autarquia acrescenta que o objetivo é “dinamizar, no período da manhã, atividades de diversas áreas (desporto, saúde, cultura, empregabilidade) junto à base do Parque Eduardo VII” e que “o almoço, em formato ‘piquenique’, será distribuído aos grupos previamente inscritos, que receberão a senha de refeição no momento de chegada/acolhimento”.

Em declarações à TSF, o presidente do PS da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, Pedro Costa, lembra que "as propostas de combate à pobreza não são bondosas, são investimentos sociais, com vista à erradicação da pobreza e é nesse debate que devemos concentrar os nossos esforços nesse dia, e não em celebrar".

Da freguesia de Santa Maria Maior, o presidente Miguel Coelho, também socialista, acredita que se trata de um caso de "estruturas do estado fazerem manifestações, ao fim ao cabo, contra si próprias” e alerta que “se se quer combater a pobreza, tomem-se medidas consequentes”.

Marcelo deverá participar no evento, diz organização

A marcha deverá iniciar-se no Marquês de Pombal, no topo da Avenida da Liberdade e culminará no icónico arco da capital entre a Rua do Ouro e da Prata, perto da laje em honra das vítimas da miséria, que é uma réplica da que está no Trocadero de Paris, comemorativa do movimento que nasceu no dia 17 de Outubro de 1987.

Marcelo Rebelo de Sousa também vai participar no evento, como revela o site da Associação Impossible – Passionate Happenings, parceira da iniciativa juntamente com o Núcleo de Planeamento e Intervenção dos Sem-Abrigo de Lisboa. O Presidente da República vai juntar-se “pelas 15h00, depois do almoço, para dar o ponto de partida”.

Fábio Sousa, presidente eleito pela CDU em Carnide, concorda com os homólogos das freguesias lisboetas ouvidos pela TSF, realçando que "este trabalho de combate à pobreza faz-se todos os dias, caso a caso e protegendo também a privacidade das pessoas". Por fim, o presidente socialista da freguesia da Ajuda enaltece que a “isolar” cidadãos e dar-lhes “uma lógica diferente de tratamento” inevitavelmente tornará "mais difícil" deixar a situação de pobreza.

As polémicas ideias de Laurinda Alves

Em junho, a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais da Câmara de Lisboa já tinha sido visada numa polémica, quando a própria revelou numa reunião da Assembleia Municipal que a vereação considerara oferecer bilhetes para o festival Rock in Rio a "pessoas em situação de sem-abrigo", mas a ideia acabou por ser colocada de parte porque, segundo a vereadora, "ficava complicado, nomeadamente porque há situações de consumos que poderíamos estar a potenciar". 

A iniciativa gerou controvérsia e as críticas da oposição não se fizeram esperar, assim que Vasco Barata, deputado municipal do Bloco de Esquerda em Lisboa, divulgou as imagens do momento em que falava Laurinda Alves, sobre a possibilidade de levar pessoas em situação de sem-abrigo ao festival com a legenda: “De facto, é difícil de acreditar. O melhor é mesmo ouvir”.

A marcha de pessoas em situação de pobreza ou evento semelhante não é algo inovador ou original em Lisboa. Isto porque, em 2018, quando Fernando Medina ocupava o cargo de presidente, a Câmara organizou, juntamente com os mesmos parceiros, uma conferência e caminhada para assinalar o Dia Internacional da erradicação da Pobreza, que terminou com “o habitual Momento Memória na Rua“, como evidencia o jornal Público e escrevia a autarquia na altura.

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