Chama-se Lamine Yamal, é filho de pais imigrantes e nasceu em 2007: não viu, portanto, o auge de Ronaldinho Gaúcho no Camp Nou e é discutível que se lembre do Barcelona de Guardiola. Foi levado com sete anos para La Masia e tornou-se o mais promissor produto da fábrica de talentos catalã. No sábado entrou para a história do clube, mas nem tudo são rosas nesta narrativa.
Lamine Yamal, já tinha ouvido falar?
É provável que não, pelo menos até ao último fim de semana, afinal de contas o miúdo tem apenas 15 anos. A verdade, porém, é que em Espanha já era tema nas notícias há algum tempo.
Em 2019, quando tinha apenas 12 anos, a Marca por exemplo fez um artigo com o título: «Lamine Yamal mostra tons de Messi».
Mais tarde o Sport escreveu «Lamine Yamal, uma pérola da cantera» e o As destacou-o como «a sensação da LaLiga Promises», torneio em que se sagrou, aliás, o melhor marcador.
Por aqui, portanto, já se percebe como existe há vários anos uma enorme expetativa em torno do jovem esquerdino. Sobretudo em La Masia, a fábrica de talentos do Barcelona. Lamine Yamal estava no topo dos projetos mais promissores e era encarado como um caso especial: um esquerdino que pode jogar em qualquer posição do ataque, embora prefira partir da direita, tremendamente criativo, com um remate e sobretudo uma fantástica capacidade de passe.
Exatamente por isso foi colecionando recordes. Ainda com idade de juvenil B foi integrado no plantel dos Juniores A e tornou-se também o mais jovem do clube a estrear-se na Youth League.
Até que no último sábado à noite, com o Camp Nou cheio, fez história: foi lançado por Xavi aos 83 minutos e tornou-se o mais jovem jogador do Barcelona a jogar na Liga Espanhola.
Com 15 anos e 290 dias bateu o registo de craques como Messi, Gavi, Ansu Fati, Xavi ou Iniesta. Em sete minutos deixou duas vezes Dembelé na cara de Rui Silva com bons passes por cima da defesa e quase fez ele próprio um golo: o português do Betis negou-lhe a festa.
Mas quem é afinal Lamine Yamal?
Filho de imigrantes, nasceu em Esplugues de Llobregat, uma cidade nos arredores de Barcelona. O pai é marroquino, a mãe da Guiné Equatorial e o ambiente nunca foi de uma família funcional. A mãe, de resto, deu o jovem à luz quando tinha apenas 17 anos.
Entretanto os pais estão separados, Lamine Yamal passou os primeiros anos de vida entre Mataró e Granollers, sempre nos arredores de Barcelona, e começou a jogar no modesto CF La Torreta, a pouco mais de um quilómetro da casa que partilhava com a mãe.
Até que foi descoberto pelo Barcelona. O pé esquerdo da criança impressionou os responsáveis da formação catalã, que trataram de o levar para o clube.
Quando tinha sete anos, portanto, mudou-se para La Masia. Desde então tem vivido na academia do Barcelona, apesar dos pais estarem a poucos quilómetros dali. Foi a forma que os dirigentes do clube encontraram para proteger o jovem e dar-lhe um crescimento mais seguro.
Ainda no último sábado, de resto, depois de fazer história frente ao Betis, regressou ao quarto que tem na residência Oriol Tort, do qual só saiu na manhã seguinte para tomar o pequeno almoço e participar num novo treino com o plantel principal, no campo Tito Vilanova.
A vida dele agora é esta. Aliás, já é esta há algum tempo.
A primeira vez que foi chamado aos treinos por Xavi foi em setembro, depois disso regressou aos juniores, mas com cada vez mais frequência foi sendo eleito para treinar com os seniores.
Chegou a ser convocado para o jogo com o At. Madrid, o que lhe permitiu tornar-se também o mais jovem de sempre do Barça no banco, mas não chegou a entrar em campo.
«Lamine Yamal tem personalidade, tem um talento inato e não se parece com ninguém: há ali coisas de vários jogadores. É muito bom no um contra um, é forte no último passe, não tem medo e pode marcar uma era no Barcelona», referiu nessa altura Xavi.
«É um exemplar destas novas gerações, que fazem as coisas com tremenda inconsciência e grande autoconfiança. Tem feito treinos maravilhosos e nota-se que é um jogador diferente.»
Dois meses para ser um jogador livre ameaçam a estabilidade
Quem o conhece desde os sete anos garante que Lamine Yamal sempre teve talento no pé esquerdo, mas era difícil nessa altura antecipar-lhe este sucesso. Até porque o verdadeiro salto qualitativo veio mais tarde, quando fisicamente ficou mais forte e potente.
«Quando aqui chegou ainda nem sequer era benjamim. Era um miúdo muito rápido, mas nada de especial. No entanto, a progressão dele tem sido fantástica», referiu o antigo diretor de formação do Barcelona, Jordi Roura, ao jornal El País.
«Ficamos sempre surpreendidos. Nesta altura quando olho para ele ainda me pergunto: o que é que ele fez para ficar assim? A forma como arranca, como finaliza, como participa e dá continuidade ao jogo. Para mim é o maior talento que existe neste momento em La Masia.»
Nesta história, porém, nem tudo são rosas.
Por ter apenas quinze anos, Lamine Yamal ainda não pode assinar um contrato profissional. O contrato de formação termina no final desta época e só duas semanas depois, quando fizer os 16 anos, a 13 de julho, o jovem pode assinar o primeiro contrato profissional.
Ora sabendo que daqui por dois meses vai ficar livre, os grandes clubes europeus estão também de olho no jogador. Sobretudo, dizem em Espanha, o Bayern Munique e o Real Madrid.
O que significa uma tremenda ameaça para o Barcelona. Por um lado, porque corre o risco de perder um dos jovens mais entusiasmantes e, por outro, porque sabe que é preciso proteger o miúdo, que ainda tem muito que amadurecer até confirmar tudo o que promete.
Jorge Mendes já entrou nesta história
Ainda recentemente, refira-se, o jovem foi expulso de uma concentração da seleção sub-17 de Espanha. Tudo aconteceu quando, juntamente com Dani Muñoz (do At. Madrid) e Jesús Fortea (do Real Madrid), realizou várias chamadas anónimas para a psicóloga da comitiva, que assustada chegou a chamar a polícia.
Quando se descobriu quem estava por detrás da brincadeira, os três foram expulsos da concentração. Lamine Yamal ainda foi punido com um castigo de quatro jogos pelo clube.
O Barcelona ficou surpreendido com a atitude do esquerdino, até porque durante toda a formação só tinha sido obrigado uma vez a chamar-lhe a atenção, mas o episódio serviu para mostrar que aos 15 anos a linha é muito ténue. Qualquer passo em falso pode tornar-se irreparável.
Nesse sentido, de resto, a entrada na carteira de clientes da Gestifute acabou por ser bem vista.
Lamine Yamal é, de março, representado pelo português Jorge Mendes, que tem relações privilegiadas com o presidente Joan Laporta. É certo que, antes disso, o Barcelona já estava a conversar sobre as condições do primeiro contrato com o antigo empresário, o ex-jogador Ivan de la Peña, mas a ambição dos progenitores, e sobretudo do pai, sempre foram uma ameaça.
Mounir Nasraoui vem de um passado de privação e é um fervoroso adepto do Real Madrid. Apesar do filho jogar no Barça, não se coíbe de fazer publicações polémicas nas redes sociais.
O Barcelona espera, portanto, que a entrada em cena de Jorge Mendes, que tem outros jogadores no clube catalão como Ansu Fati, Alex Baldé e Nico González, permita colocar alguma água na fervura e proteger o miúdo, numa fase decisiva do crescimento.
O aviso foi dado, aliás, no final do jogo com o Betis pelo secretário técnico Jordi Cruijff.
«É um rapaz com umas qualidades super especiais. Se mantiver esta atitude e continuar com os pés no chão, vai seguramente chegar longe.»