Lagarde ficou "refém das suas palavras", mas as subidas das taxas de juro "reforçaram a sua autoridade" dentro do BCE

17 mar 2023, 09:00
Christine Lagarde (AP Photo)

No espaço de um mês, muito pode acontecer - um gigantesco banco afundou, outro colapsou - mas não o suficiente para que o BCE volte atrás com a sua palavra. Porque isso, dizem os economistas contactados pela CNN Portugal, poderia levar a uma grave queda na confiança nas instituições europeias

Em fevereiro, quando o Banco Central Europeu deixou por escrito que planeava uma nova subida de 50 pontos base nas taxas de juro, o Sillicon Valley Bank ainda era um nome restrito às bolhas californianas de fundadores e capitalistas de risco e, provavelmente, Christine Lagarde não sonhava que, de São Francisco, nascesse uma onda de medo com repercussões no mercado europeu. Menos provável ainda seria que adivinhasse que o Banco Nacional Saudita, o principal financiador do Credit Suisse, viesse a público garantir que não podia fornecer mais dinheiro a Zurique, lançando o pânico sobre os acionistas do banco. Mas todo este castelo de cartas começou a cair após a garantia feita em Frankfurt, no mês passado.

Assim, os olhos viraram-se de novo para Christine Lagarde que acabou por manter o plano e confirmou um novo aumento, levando as taxas de juro dos 3 para os 3,5% - o nível mais alto desde outubro de 2008, quando a crise financeira se alastrou ao globo. “Ficou refém das suas próprias palavras”, afirma Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona, “provavelmente, se não tivesse feito aquele anúncio, o BCE poderia ter anunciado um aumento menor”.

Certo é que dentro do BCE existiram “três ou quatro” membros do Conselho do BCE que, como confirmou Lagarde na conferência de imprensa desta quinta-feira, defenderam que o aumento não era a decisão correta e que era necessário “mais tempo” para avaliar o impacto das medidas tomadas até aqui. Mas isso criaria um problema, como aponta o economista Pedro Brinca, investigador na NovaSBE, é que isso poderia ser interpretado como “o reconhecimento de que havia problemas com o sistema financeiro”. “Havia o medo que se não fizessem tudo o que tinham anunciado há um mês, isso pudesse gerar algum tipo de pessimismo ou apreensão para os mercados, que poderiam pensar que havia alguma reserva por parte do BCE relativamente à estabilidade financeira do sistema e que, por isso, estava a abrandar a subida da taxa de juro”.

Na mesma linha, reconhece Ricardo Ferraz, se se tivesse optado por outra solução, “poderia gerar um efeito prejudicial a nível da confiança”. Este economista admite, no entanto, que se a inflação continuar numa trajetória de “deceleração”, o “BCE possa, no futuro, não voltar a mexer nestas taxas ou aumentá-las menos do que os 50 pontos”.

Não é percetível, dizem os economistas, se existiu uma altura em que Lagarde pensou em mudar as peças do tabuleiro, mas na noite anterior ao seu discurso a maioria das praças europeias tinham entrado em desvalorização graças à queda histórica do Credit Suisse. Já horas antes de comunicar a subida das taxas de juro, na manhã desta quinta-feira - e após o banco central suíço ter garantido uma linha de crédito de 51 mil milhões - , os principais índices voltaram a subir. “Não sabemos se essa decisão andou ao sabor destas expectativas, mas se andou, para isso muito terá contribuído a forte recuperação da bolsa”.

Mas o futuro é altamente incerto e, “em termos muito objetivos”, “os riscos são muito maiores nesta quinta-feira do que há uma semana atrás”, alerta Francisco Louçã que, em entrevista à CNN Portugal, sublinha que o aumento das taxas de juro “não tem sentido nenhum”. “O aumento das taxas de juros desvaloriza ativos de longo prazo e cria uma instabilidade em bancos que funcionam com operações de curto prazo sustentadas por ativos de longo prazo”, afirma. 

Louçã acrescenta que a doutrina que diz que o remédio para a inflação é o aumento das taxas de juro é “duvidosa” e “só se aplica em alguns contextos de inflação, o que não é nitidamente presente” atualmente. Assim, o economista destaca outro fator que pode estar na base para os sucessivos aumentos: a ‘autoridade pessoal’ - e tudo isto está também relacionado com a “má memória” de Jean-Claude Trichet, o presidente do BCE que em 2011 decidiu aumentar as taxas de juro antes de mergulhar a zona Euro numa recessão e ser forçado a voltar atrás com a decisão no mesmo ano.


É que, defende Francisco Louçã, desde o “fracasso de Jean-Claude Trichet” e após a condução de Mario Draghi, o BCE “convenceu-nos de que a sua importância é tomar algumas medidas de referência, como os juros, mas é sobretudo ser um pilar de certeza e de grande autoridade”. “Essa autoridade, é uma autoridade pessoal e Lagarde quer ser como Draghi, eu acho que ela está satisfeita por poder dizer que foi contra a opinião dos economistas e de uma parte da administração do Banco, porque isso reforça a sua autoridade”.

Certo é que Lagarde, quando questionada sobre o passado e a forma como se subiram as taxas de juro num ambiente em que a confiança nos bancos tinha saído abalada, asseverou que o sistema financeiro é hoje muito mais seguro do que era e que o BCE também tem à sua mão ferramentas que antes não tinha. 

De facto, como afirma Ricardo Ferraz, o sistema bancário, na zona Euro tornou-se mais seguro desde a última crise. “Os bancos estão hoje mais sólidos e na europa eles são hoje obrigados a ter mais liquidez do que nos Estados Unidos, estando também sob uma maior supervisão”. Mas, argumenta também o economista, isso não quer dizer que o sistema seja “infalível”: “O agravamento das taxas de juros tem efeitos recessivos na economia e, para além disso, agrava as prestações de crédito das pessoas, nomeadamente a habitação e, em Portugal, o número de famílias a precisarem de ajuda é já muito elevado”.

Também Francisco Louçã reconhece que os novos instrumentos do BCE são uma “força” que foi banalizada há pouco tempo, com medidas não convencionais de que são exemplo “rápidos resgates sobres bancos, compra de obrigações privadas e refinanciamentos”. No entanto, sublinha, “ninguém sabe a dimensão real dos ativos mal parados neste momento e é evidente que há em tudo isto grandes mistérios”, o mundo das criptomoedas é um deles. “Ninguém sabe quanto é que vale, ninguém sabe o que é que poderia significar um pânico cripto”.
 

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