Khvicha Kvaratskhelia, a sensação georgiana do Nápoles a quem já chamam 'Kvaradona'

CNN , Ben Morse
6 nov 2022, 19:00
Khvicha Kvaratskhelia, a sensação georgiana do Nápoles a quem já chamam ‘Kvaradona'’. Montagem CNN

“Quando os adeptos veem Kvara, veem Maradona.”

O Nápoles sempre teve uma paixão por atacantes talismã.

Nos últimos anos, tiveram Dries Mertens e Lorenzo Insigne. Alguns anos antes, Marek Hamsik e Ezequiel Lavezzi. Mas nenhum foi mais famoso – ou amado pelos fãs do Nápoles – do que Diego Maradona.

O argentino tornou-se o símbolo da alma e da ousadia napolitana durante as suas sete temporadas no sul de Itália, marcando golos e conquistando títulos.

O legado de 'El Pelusa' no Nápoles – no qual levou o clube aos seus únicos 'scudettos' em 1986/87 e 1989/1990, e à única glória europeia com a vitória na Taça UEFA em 1988/89 – foi tão importante que o nome do estádio recebeu o seu nome após a sua morte em 2020.

Apesar de ter deixado o clube em 1991, a presença de Maradona ainda paira intensamente sobre o clube, e ‘El Pibe’ é a referência para os atacantes matreiros de baixa estatura que vêm para o clube.

Por isso, quando um jogador é comparado com Maradona pelos fãs do Nápoles existe a esperança de que traga consigo o mesmo sucesso que trouxe o argentino. Muitos jogadores já passaram pelo clube – tendo sido aclamados como os sucessores de Maradona – mas um terceiro título da Série A continua sem chegar.

Mas em julho surgiu em Nápoles um extremo georgiano desajeitado e pouco conhecido.

E apesar de a sua chegada ter passado bastante despercebida, em novembro Khvicha Kvaratskhelia já está a ser comparado a Maradona. Foi já apelidado carinhosamente de “Kvaradona”, depois de um fulgurante início de temporada em Itália que já o colocou na órbita de grandes clubes europeus e que tem tomado de assalto a cidade apaixonada por futebol.

Kvaratskhelia comemora após marcar o seu segundo golo pelo Nápoles contra o Monza. Alberto Pizzoli/AFP/Getty Images

Edo Badalashvili, um jornalista desportivo da Geórgia, visitou Nápoles em setembro para ver Kvaratskhelia – também conhecido como ‘Kvara’ – jogar contra o seu querido Liverpool na Liga dos Campeões.

Embora Kvaratskhelia não tenha marcado, infernizou a defesa do Liverpool numa confortável vitória por 4-1 para o Nápoles, e Edo recorda a manifestação de amor que o seu compatriota recebeu dos adeptos do clube.

“Os nossos imigrantes georgianos que vivem em Nápoles dizem que lhes oferecem pizzas por serem georgianos, por causa de Kvara”, disse Badalashvili à CNN. “Na cidade de Maradona, todos adoram o Kvara. Usam as camisolas dele."

“Quando descobriram que eu era da Geórgia, receberam-me todos bem, tiraram fotos e cantaram ‘Khvicha, Khvicha’. É verdade que ainda lhes é difícil pronunciar o nome corretamente. Não sei como o Kvara foi capaz de fazer o que tem feito em tão pouco tempo. Mas, acredite em mim, em Nápoles já o idolatram e é o preferido daquela equipa. Tenho um vídeo dos adeptos a cantar os nomes dos jogadores antes do jogo contra o Liverpool. O nome que foi entoado mais alto foi o de Kvaratskhelia.”

Kvaratskhelia comemora depois de marcar o terceiro golo do Nápoles contra o Torino. ANDREAS SOLARO/AFP/AFP via Getty Images

Em grande

Kvaratskhelia, um rapaz de Tbilisi, tinha um grande desafio à sua espera.

Dois símbolos do Nápoles – Insigne, nascido na cidade, e Mertens, o maior goleador do clube – saíram no verão rumo a outras paragens após várias temporadas no clube.

E o Nápoles foi à procura de substitutos para as alas. Para surpresa de muitos, decidiram-se por um jogador até então desconhecido da maioria dos adeptos de futebol europeu, contratando Kvaratskhelia ao Dinamo Batumi, da Geórgia, por cerca de 15 milhões de euros.

Dado o vazio que Kvaratskhelia teoricamente iria ocupar e por ser a principal contratação do clube para o ataque no verão, levantaram-se dúvidas se os diretores desportivos do Nápoles se haviam esforçado o suficiente.

“As pessoas pensaram: ‘Bem, quando penso no Mertens e no Insigne, um tipo georgiano de 21 anos de idade comprado por um preço relativamente baixo e vindo diretamente da liga georgiana não encaixa muito bem”, disse o jornalista especialista em futebol italiano da Total Italian Football, Euan Burns, à CNN.

“Seria mais comum passar por uma espécie de trampolim, por exemplo, na liga neerlandesa, antes de se transferir para uma liga como a Série A. E isso não aconteceu. Então uma pessoa pensa: ‘Este tipo não vai ser capaz de preencher essa lacuna nesta equipa do Nápoles.’”

Mas Kvaratskhelia, usando o número 77, tem feito muito mais do que isso.

O georgiano de 21 anos, parte da dinâmica e incansável equipa renovada pelo treinador napolitano Luciano Spalletti, tem sido uma força motriz vital no lado esquerdo, marcando golos e fazendo assistências, e vem tomando a Série A e a Liga dos Campeões de assalto, fazendo do Nápoles uma das equipas mais empolgantes da Europa. As suas contribuições têm ajudado o clube a manter a sua sequência de 16 jogos sem perder na Série A.

Kvaratskhelia celebra com os companheiros de equipa depois de marcar contra o Monza. ALBERTO PIZZOLI/AFP/AFP via Getty Images

Em 16 presenças, marcou oito golos e fez oito assistências. A sua verdadeira festa de apresentação foi quando aterrorizou a defesa do Liverpool na derrota demolidora do finalista da Liga dos Campeões da última temporada em Nápoles.

Burns teve dificuldade em recordar outro jogador que tenha tido um impacto tão imediato em Itália, comparando a variedade no estilo de jogo de Kvaratskhelia com a do atacante do Manchester City Erling Haaland.

“O que é interessante em Haaland é que, apesar do seu tamanho, ele tem todas as características de um atacante no sentido em que consegue correr grandes distâncias com a bola controlada”, disse Burns. “Para além disso, remata bem de longe, marca golos de cabeça. E para mim, Kvaratskhelia é quase como uma versão disso a jogar pela ala, em que não sendo ridiculamente alto já marcou pelo menos um golo de cabeça. Ele é assustadoramente rápido com ou sem a bola."

“Tem uns pés incríveis, mas também é muito forte e creio que é isso que o diferencia de um jogador como Insigne, que é incrível com a bola nos pés e consegue rematar de qualquer lugar, mas que não era um jogador particularmente forte; perdia muito lance no corpo a corpo. Mas Kvaratskhelia tem físico para bater qualquer defesa.”

Para Badalashvili, o que mais o impressiona é o amor mútuo que Kvaratskhelia e os adeptos do Nápoles têm um pelo outro.

“O Nápoles foi a primeira equipa em que ele beijou o emblema depois de marcar um golo”, disse Badalashvili – que se lembra de ver jogar Kvaratskhelia no Dinamo Tbilisi, Rustavi, Lokomotiv de Moscovo e Rubin Kazan.

“Depois de marcar golo, ele beijou o emblema, e isso para nós tem muito significado. Ele diz muito com este gesto. Ele adora o Nápoles, está agradecido ao Nápoles e o Nápoles adora-o. Posso dizer que Kvara é a próxima lenda. Já tem a alcunha de ‘Kvaradona.’, dada pelos adeptos. E quando falei com os adeptos disseram-me que quando veem o Kvara veem Maradona.”

Kvaratskhelia tenta um remate contra o Rangers na Liga dos Campeões. Richard Callis/Eurasia Sport Images/Getty Images

‘Kvara mudou a vida na Geórgia’

Desde que fez a sua estreia com 17 anos pelo maior clube de futebol da Geórgia – Dinamo Tbilisi – que o futuro de Kvaratskhelia enquanto jogador-símbolo do país estava escrito. Mas a sua ascensão ao topo teve um caminho sinuoso, tendo de deixar o Dinamo Tbilisi para se juntar a outra equipa georgiana, o Rustavi, um ano depois, em busca de mais tempo de jogo.

Em 2018, Kvaratskhelia figurou no artigo do Guardian que destacava os 60 melhores jovens futebolistas do mundo, sendo na segunda metade da temporada 2018/19 emprestado ao Lokomotiv de Moscovo, da Rússia, para alargar os seus horizontes.

E foi na Rússia que Kvaratskhelia deixou realmente a sua marca, sendo posteriormente contratado em definitivo pelo Rubin Kazan.

Badalashvili recorda que o treinador do Lokomotiv de Moscovo à época, Yury Syomin, ficou “verdadeiramente desapontado” por o clube não ter conseguido segurar Kvaratskhelia, dado o seu potencial.

Durante as duas temporadas e meia em Kazan, Kvaratskhelia afirmou-se como titular da equipa e um dos esteios da seleção nacional da Geórgia.

Kvaratskhelia comemora depois de marcar o golo do empate do Nápoles contra o Hellas Verona. Alessandro Sabattini/Getty Images Europe/Getty Images

Apesar de estar a tornar-se uma estrela dentro de campo, era alvo de críticas no seu país.

Em 2008, a Geórgia foi invadida por forças russas e um quinto do território georgiano permanece sob ocupação russa.

No entanto, apesar de algumas pessoas considerarem que Kvaratskhelia devia falar mais abertamente sobre o assunto, ele optou por não fazê-lo, afirmando que, enquanto futebolista, não lhe cabia falar de política.

Após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia e o anúncio da FIFA de que os jogadores estrangeiros a jogar na Rússia poderiam suspender os seus contratos, Kvaratskhelia deixou Kazan e regressou à Geórgia para jogar pelo Dinamo Batumi.

Após um período prolífico em golos em apenas alguns meses, Kvaratskhelia conquistou a sua mudança para o Nápoles.

Com a sua chegada a Itália e a transferência do seu compatriota Giorgi Mamardashvili para o Valência, da liga espanhola, Badalashvili acredita que estes abriram portas que antes estavam fechadas para os futebolistas georgianos.

“Os nossos jogadores não conseguiam ir para a Europa”, disse. “Precisamos de muito mais jogadores talentosos, não apenas o Kvara ou o Mamardashvili. Temos outros jogadores, mas não conseguem ir para a Europa. Precisamos disto. E precisamos de transmitir esperança, com o Kvara e o Mamardashvili.”

Graças à combinação do talento de Kvaratskhelia com as restantes ameaças no ataque do Nápoles, a equipa está atualmente no topo da tabela da Série A – com uma vantagem de cinco pontos para a segunda classificada Atalanta – e, ainda com um jogo por jogar, já está qualificada para a fase a eliminar da Liga dos Campeões.

A surpresa com que irrompeu no panorama futebolístico, impressionando com o seu estilo pouco ortodoxo e o seu jeito versátil com a bola, sugere que está destinado a voos mais altos do que o Nápoles – Badalashvili, por exemplo, espera que ele escolha o Liverpool.

Os fãs homenageiam Kvaratskhelia durante o jogo da Série A entre a Roma e o Nápoles no Estádio Olímpico em 23 de outubro. Giuseppe Maffia/NurPhoto/Getty Images

Mas, apesar de ainda estar no início da carreira, a reputação de Kvaratskhelia na Geórgia já está consolidada. Agora quando regressa ao seu país é recebido como um herói.

“Tudo mudou na Geórgia nos últimos dois anos. Tudo mudou aqui. Quem não gostava de futebol, começou a ver jogos de futebol, começou a ver os jogos do Nápoles”, disse.

“Os dias em que o Nápoles joga são dias importantes aqui na Geórgia. Pessoas que nem gostavam de futebol vão aos jogos da seleção georgiana. Nas cidades da Geórgia, veem-se muitas pessoas com camisolas do Kvara: tanto do Nápoles como da seleção nacional da Geórgia. A equipa nacional da Geórgia não perde há 11 jogos. As pessoas têm uma esperança renovada de que nos possamos qualificar para o Euro 2024 ou para um Campeonato do Mundo. Hoje, a Geórgia vive com o futebol e, hoje, somos um país de futebol. E quando forem à cidade, vão testemunhar isto. O Kvara mudou a vida na Geórgia.”

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