Esta cidade fantasma ficou vazia durante mais de um século. Agora é um ponto turístico de paragem obrigatória

CNN , Barry Neild
1 set, 11:00
Karaköy (CNN)

Após o fim da guerra greco-turca em 1922, foi uma das cidade afetadas Kayaköy, depois de a Turquia ter decidido realojar os cristãos gregos ortodoxos que lá viviam, substituindo-os por turcos mulçumanos. Os recém-chegados rapidamente abandonaram a cidade e a região ficou ao abandono durante quase um século

Há uma escola grande e muito dignificada em Kayaköy. Há ruas estreitas, ladeadas por casas, que serpenteiam e sobem de ambos os lados um vale íngreme. Há uma fonte antiga no meio da cidade. E há igrejas, uma delas com uma vista milionária sobre o azul do mar Egeu.

Mas, durante a maior parte dos últimos 100 anos, não houve pessoas nesta cidade.

Kayaköy, na província de Muğla, no sudoeste da Turquia, é uma verdadeira cidade fantasma. Abandonada pelos seus ocupantes e assombrada pelo passado. É um monumento, congelado no tempo - uma lembrança física de tempos mais sombrios na Turquia.

Com encostas pontilhadas por inúmeros edifícios em ruínas que estão a ser lentamente engolidos pela vegetação e vistas intermináveis de vidas desaparecidas, é também um local fascinante e de grande beleza para visitar. No verão, sob um céu limpo e um sol abrasador, é suficientemente assustadora. Mas, é ainda mais nas estações mais frias, envolto em brumas de montanha ou de mar.

Os habitantes de Kayaköy, cristãos gregos ortodoxos, foram obrigados a partir na década de 1920. (CNN)

Há pouco mais de um século, Kayaköy, ou Levissi, como era conhecida, era uma cidade movimentada com pelo menos 10 mil cristãos ortodoxos gregos, muitos dos quais eram artesãos e viviam pacificamente ao lado dos agricultores turcos muçulmanos da região. Mas, com a agitação que rodeou a emergência da Turquia como república independente, as suas vidas simples foram destroçadas.

As tensões com a vizinha Grécia, após o fim da guerra greco-turca em 1922, levaram ambos os países a expulsar pessoas com ligações ao outro país. Para Kayaköy, isso significou uma troca forçada de população com os turcos muçulmanos que viviam em Kavala, na atual região grega da Macedónia e da Trácia.

Mas os muçulmanos recém-chegados não ficaram muito satisfeitos com a sua nova casa, tendo-se mudado rapidamente e deixado Kayaköy em ruínas.

A tristeza persistente

Aysun Ekiz's grandparents were among the few Turkish people to stay in Kayaköy. (Barry Neild/CNN)

Entre os poucos que ficaram, encontravam-se os avós de Aysun Ekiz, cuja família gere atualmente um pequeno restaurante perto da entrada principal de Kayaköy, que serve refrescos aos turistas que vêm visitar a cidade. As histórias desses anos difíceis foram transmitidas de geração em geração.

“O povo grego gritava porque não queria partir, diziam-me os meus avós”, conta Ekiz, que agora vende jóias feitas à mão aos visitantes. “Alguns até deixaram os filhos a cargo de amigos turcos, porque pensavam que iriam regressar. Mas nunca regressaram”.

Ekiz diz que a família dos seus avós eram pastores e adaptaram-se facilmente à vida na periferia da cidade. A maior parte dos seus companheiros realojados, diz, não gostava de viver em Kayaköy porque as paredes das casas eram pintadas de azul, supostamente para afastar escorpiões ou cobras.

Ainda se podem ver vestígios dessa cor azul nas paredes das cerca de 2.500 casas que compõem Kayaköy, embora poucos outros toques decorativos se mantenham depois de décadas ao abandono. Vale a pena explorar o que resta como um retrato de um modo de vida antigo à beira da era moderna.

Jane Akatay, coautora de “A Guide to Kayaköy”, diz que uma das razões para o abandono da cidade foi, talvez, a tristeza palpável que paira sobre o local após os trágicos acontecimentos da década de 1920. A natureza também desempenhou o seu papel no desaparecimento das suas caraterísticas artificiais.

Terramotos e tempestades

As ruínas de centenas de casas encontram-se atualmente na cidade. (Barry Neild/CNN)

“Houve terramotos, houve tempestades. O clima, o tempo, as tempestades... tudo teve impacto neste lugar interessante”, explica. “E também, ao longo dos anos, a argamassa que os mantinha unidos foi-se desfazendo, e as coisas desmoronam-se se não se cuidar delas.”

Atualmente, os visitantes pagam uma taxa de três euros num pequeno quiosque na estrada principal, antes de entrarem em Kayaköy. A partir daí, podem passear a pé pelas suas ruelas e becos, por vezes íngremes e irregulares. Os sinais à entrada indicam a escola, as igrejas e a fonte de água.

Vale a pena reservar um par de horas para o ver. Com poucos visitantes, para além de grupos de turistas ocasionais durante os períodos de maior afluência, é fácil passar algum tempo sozinho aqui, imaginando como outrora a cidade era animada, sobretudo na praça da cidade velha, onde os homens locais se reuniam para beber chá e trocar histórias.

A maior parte das casas, construídas no século anterior ao abandono, perderam os telhados e as suas paredes desmoronadas estão cobertas de vegetação. Algumas casas têm fossas na cave, outrora utilizadas para curtir peles para o couro - o fabrico de sapatos era uma profissão comum aqui.

Muitas ainda têm cisternas intactas - cruciais para armazenar água numa cidade sem canalização.

“A água potável era transportada em burros”, diz Ekiz. Recorda também com tristeza que, na falta de saneamento básico, os habitantes usavam roupas velhas cortadas em vez de papel higiénico. Estes trapos eram depois queimados como combustível ou espalhados nos jardins como fertilizante.

Apesar da frugalidade de tais medidas, Ekiz diz que Kayaköy era relativamente próspera e chegou a ser o principal centro comercial da região, ultrapassando o porto vizinho de Fethiye - que é agora um próspero centro urbano e um destino turístico popular.

Embora se tratasse claramente de uma comunidade muito unida, Ekiz insiste que cada uma das propriedades de dois andares foi cuidadosamente espaçada da sua vizinha. “Todas elas foram construídas de modo a que a luz do sol não fosse bloqueada por outra”, diz ela.

“Reflexão amarga”

Um dos edifícios mais proeminentes da cidade é a Igreja Alta, uma grande estrutura de paredes de estuque cor-de-rosa desbotado e tectos com abóbadas de berço. Infelizmente, o edifício está vedado devido ao seu estado de degradação, embora se possa ter uma visão tentadora a partir de vários ângulos.

No ponto mais alto do interior da cidade, as ruínas da antiga escola de Kayaköy oferecem vistas sobre a igreja principal e as casas em baixo. Atualmente, uma bandeira turca está hasteada num mastro por cima do edifício.

Ao observar a cena, Yiğit Ulaş Öztimur, de férias em Ancara, capital da Turquia, descreve Kayaköy como “um espelho negro do nosso passado”.

“Esta foi outrora uma aldeia cristã, agora o que vemos é um reflexo amargo do que aconteceu”, diz. “E como a maior parte dos edifícios estão intactos, podemos sentir como era a vida aqui.”

Há trilhos marcados para caminhadas que passam por Kayaköy a partir das cidades vizinhas, mas é fácil perder-se a vaguear pelas ruas. Algumas ruelas transformam-se em becos sem saída. Portas abertas e escadas acenam por todo o lado (embora, devido ao estado degradado de muitos dos edifícios, se peça aos visitantes que não entrem).

Do outro lado do vale, através das ruas sinuosas, vale a pena subir até à igreja mais pequena. É uma subida íngreme por entre rochas e pinheiros nos últimos metros, que depois se abre para o cume do monte.

Reflectindo a cultura dos que aqui viveram, a igreja assemelha-se às pequenas estruturas clássicas que se encontram frequentemente nas aldeias das ilhas gregas. É um edifício minúsculo e modesto, com um teto abobadado e pequenas janelas sem vidros. O interior está completamente vazio.

Uma outra bandeira turca está hasteada aqui, vermelha brilhante contra o céu azul profundo. E lá em baixo, através de uma encosta densamente arborizada, estão as águas brilhantes do Mar Adriático. É uma vista espetacular - e que terá mudado pouco desde os dias em que Kayaköy estava cheia de gente.

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