Implacável e ultra-leal a Trump, Patel defendeu o desmantelamento da instituição que vai liderar. E publicou livros infantis sobre conspirações contra o "Rei Donald" por personagens com os nomes de "Hillary Queenton", "Joe Sonolento" e "Comma-la-la-la"
Kash Patel, que foi escolhido por Donald Trump para ser o próximo diretor do FBI e é um fervoroso apoiante do presidente eleito dos Estados Unidos, prometeu ajudar a desmantelar a mesma organização que está prestes a dirigir.
O antigo advogado público é visto como uma figura controversa e cujo valor para o presidente eleito deriva em grande parte do desdém que ambos partilham pelo poder estabelecido em Washington.
Para colocá-lo no comando do FBI, será ainda necessário forçar a saída do atual diretor, Christopher Wray, nomeado por Trump em 2017, já que o o seu mandato de 10 anos só expirar dentro de três anos. Esta movimentação futura já suscitou críticas bipartidárias.
O diretor do FBI também tem de ser confirmado pelo Senado, onde os membros já estão a preparar-se para enfrentar uma série de selecções pouco ortodoxas de Trump.
No final da semana passada, algumas pessoas próximas de Trump já acreditavam que haveria uma “escolha difícil” entre Patel e o Procurador-Geral do Missouri, Andrew Bailey, para o cargo de diretor do FBI, de acordo com uma fonte familiarizada com as discussões.
Mas alguns membros do círculo íntimo de Trump não estavam satisfeitos com nenhuma das opções, disse a mesma fonte, acrescentando que um terceiro candidato desconhecido iria provavelmente surgir nas semanas seguintes se Trump não tomadsse uma decisão até então.
Patel, em particular, não é visto como uma escolha consensual para o cargo, disse a fonte, observando que tudo se resumiria ao que Trump quisesse e, potencialmente, à última pessoa com quem falasse num determinado dia.
Enfrentar o "estado profundo"
No seu livro de 2023, “Government Gangsters: The Deep State, the Truth, and the Battle for Our Democracy” [título que poderá ser traduzido para "Gangsters do Governo: o Estado Profundo, a Verdade e a Batalha Pela Nossa Democracia"], Patel expõe o seu caso contra o que chama de "estado profundo" - um termo amorfo que ele diz incluir líderes eleitos, jornalistas, magnatas das grandes companhias tecnológicas e "membros da burocracia não eleita" - pedindo "uma limpeza abrangente" do Departamento de Justiça, que ele afirma proteger membros de alto escalão do Partido Democrata enquanto injustamente almeja republicanos e seus aliados.
Trump elogiou o livro como sendo um “projeto para retomar a Casa Branca e eliminar estes gangsters de todo o Governo”.
Patel criticou fortemente o FBI e, numa entrevista num podcast em setembro, apelou a que a sede da agência em Washington, DC, fosse desmantelada e transformada num “museu do estado profundo”.
“A pegada do FBI tornou-se tão grande”, disse Patel no ‘Shawn Ryan Show’, criticando a operação de recolha de informações da agência.
Durante a entrevista, Patel também ridicularizou o FBI por causa do seu mandado de busca de 2022 na residência de Trump em Mar-a-Lago, na Florida, que levou a acusações contra o ex-presidente dos EUA por reter documentos confidenciais. O juiz que supervisionou o caso acabou por rejeitar as acusações contra Trump depois de descobrir que o advogado especial fora nomeado ilegalmente.
numa entrevista de 2023 com Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, Patel disse que o Departamento de Justiça “viria atrás” de membros dos média quando estivesse sob a alçada de Trump.
“Temos que colocar patriotas verdadeiramente americanos de cima a baixo”, disse Patel sobre o Departamento de Justiça, acrescentando que o departamento sob Trump ‘irá atrás e encontrará os conspiradores, não apenas no governo, mas nos média’."
"Sim, vamos atrás das pessoas nos meios de comunicação social que mentiram sobre os cidadãos americanos, que ajudaram Joe Biden a manipular as eleições presidenciais - vamos atrás de vocês", afirmou.
Quando Trump, no seu primeiro mandato, alegadamente considerou a possibilidade de nomear Patel diretor-adjunto do FBI, o antigo Procurador-Geral Bill Barr escreveu nas suas memórias que Patel “não tinha praticamente nenhuma experiência que o qualificasse para servir ao mais alto nível da mais proeminente agência de aplicação da lei do mundo”, acrescentando que Patel só se tornaria o nº 2 do FBI “por cima do meu cadáver”.
Os senadores que terão de confirmar Patel dividiram-se, em grande medida, ao longo das linhas partidárias no que respeita ao anúncio.
O senador democrata Dick Durbin, atual presidente do Comité Judicial do Senado, chamou a Patel “um lealista não qualificado”, e o senador democrata Chris Murphy disse no domingo que a “única qualificação de Patel é ... ele concorda com Donald Trump que o Departamento de Justiça deve servir para punir, prender e intimidar os oponentes políticos de Donald Trump”.
Entretanto, o novo presidente do Senado, Chuck Grassley, criticou fortemente Wray, o atual diretor do FBI, dizendo numa publicação nas redes sociais que ele “falhou” durante o seu mandato. Mas acrescentou que Patel “deve provar ao Congresso” que fará melhor do que Wray.
Ascensão a Washington
Patel, que se considera um nova-iorquino nativo, foi criado como hindu pelos seus pais imigrantes, de acordo com o seu livro. Escreveu que cresceu apolítico, mas que se tornou mais de direita durante o tempo que passou na faculdade, na Universidade de Richmond. Isto, escreveu, fez com que a sua eventual carreira na defesa pública fosse um “ajuste estranho”; e descreveu os seus colegas nessa área como “a extrema esquerda da esquerda”.
Patel licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Pace em 2005 e depois trabalhou durante cerca de nove anos como defensor público na Florida, segundo o seu livro. Trabalhou no gabinete do defensor público no condado de Miami-Dade e no Distrito Sul da Florida.
Patel passou a trabalhar como promotor federal na Divisão de Segurança Nacional do Departamento de Justiça, de acordo com seu livro. Chamou-lhe um “emprego de sonho” para qualquer jovem advogado.
No Departamento de Justiça, Patel supervisionou a acusação de criminosos alinhados com a Al Qaeda, o ISIS e outros grupos terroristas, de acordo com um perfil do Departamento de Defesa. E atuou também como oficial de ligação do Departamento de Justiça ao Comando Conjunto de Operações Especiais durante operações contra “alvos terroristas de alto valor”.
Patel afirmou ser o “promotor principal” no caso do Departamento de Justiça contra os autores do ataque de 2012 a um complexo diplomático dos EUA em Benghazi, na Líbia, que matou quatro americanos. Mas o The New York Times noticiou em outubro que Patel era um membro júnior da equipa na altura e não fazia parte da equipa de julgamento.
Em 2018, Patel passou a servir como assessor do deputado lusodescedente Devin Nunes, o principal republicano no Comité de Inteligência da Câmara na época. Patel desempenhou um papel fundamental nos esforços de Nunes para desacreditar a investigação do FBI sobre a Rússia na campanha de Trump, incluindo um controverso memorando classificado que alegava abusos do FBI de mandados da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira em conselheiros de Trump.
Juntar-se à administração Trump
Em 2019, Patel foi trabalhar para Trump no Conselho de Segurança Nacional antes de se tornar chefe de gabinete do secretário de Defesa em exercício, Christopher Miller, no final do primeiro mandato de Trump. Trump movimentou brevemente Patel como um substituto potencial para a então diretora da CIA, Gina Haspel, que ele ponderara demitir após a eleição de 2020. Patel também foi encarregado do esforço de transição do Pentágono para o primeiro mandato de Trump, supervisionando a coordenação com a administração Biden-Harris.
Patel foi também envolvido no caso de documentos confidenciais contra Trump, que agora foi rejeitado. Durante o verão de 2022, tornou-se um dos responsáveis designados por Trump para interagir com os Arquivos Nacionais e com o Departamento de Justiça, numa altura em que ambas as agências tentavam recuperar os registos confidenciais que Trump tinha guardado da sua presidência. Patel foi um dos vários conselheiros de Trump, após a sua presidência, que poderia ter riscos legais relacionados com a situação de Mar-a-Lago, noticiou a CNN na altura, e compareceu perante o grande júri federal que estava a analisar o caso. Patel não foi acusado no caso.
Em 2021, reuniu-se também com a comissão da Câmara dos Representantes que investigava o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio, que concluiu na altura que “há razões substanciais para acreditar” que Patel tinha informações importantes sobre a forma como o Departamento de Defesa e a Casa Branca se prepararam e responderam ao ataque.
Numa declaração feita na altura, Patel disse que tinha comparecido perante o painel “para responder a perguntas da melhor forma possível”.
Depois de Trump: livros infantis e fundações
Patel, considerado até mesmo entre os leais a Trump como um auto-promotor implacável, tem usado a sua proximidade com o presidente eleito dos EUA para sustentar a sua imagem pública através de livros, cargos em fundações e grupos de reflexão.
Desde a primeira administração Trump, Patel escreveu uma trilogia de livros infantis intitulada “The Plot Against the King” ["A Conspiração Contra o Rei"]. O primeiro livro conta a história de “Hillary Queenton e do seu cavaleiro astuto” que “espalharam mentiras de que o Rei Donald tinha feito batota para se tornar Rei”. O segundo conta a história da “busca da verdade e da descoberta de provas de um terrível esquema para eleger o Joe Sonolento em vez do Rei Donald no Dia da Escolha”. E o seu último livro, publicado em setembro, conta a história do “Rei MAGA” numa viagem para “derrubar Comma-la-la-la e reclamar o seu trono”.
Patel fundou a Fight With Kash - agora a Fundação Kash - que “se dedica a fornecer assistência financeira a membros do serviço militar e veteranos, fundos de defesa legal e programas de educação”, de acordo com a organização.
Patel - e a sua fundação - foram alvo de escrutínio no ano passado, depois de duas das testemunhas do presidente do Comité Judicial da Câmara dos Republicanos, Jim Jordan, na sua missão de provar que o governo federal tem sido “armado” contra os conservadores, terem dito que Patel pagou os seus honorários legais.
De acordo com a sua fundação, Kash também faz parte do conselho de administração do Trump Media Technology Group, a empresa-mãe da plataforma de redes sociais de Trump, a Truth Social.
Kash também atuou como membro sénior de segurança nacional e inteligência no Center for Renewing America, um think tank fundado por Russell Vought - a escolha de Trump para liderar o Gabinete de Gestão e Orçamento e um dos principais autores do projeto conservador Projeto 2025.