Helicópteros Kamov alugados para os fogos não podem voar. Os pilotos (ucranianos) não falam português

15 mai 2023, 21:35

Empresa acusa regulador de mudar as regras a meio de um contrato que custa 5 milhões de euros por ano ao Estado português

A época de fogos está à porta e a seca que Portugal atravessa pode agravar ainda mais o risco de incêndio florestal neste verão de 2023, mas os helicópteros pesados alugados pelo Estado português ainda não sabem se podem voar a partir do início de junho. 

Com o regulamento atualmente em vigor, a empresa fornecedora do serviço avisa que os Kamov vão ficar mesmo em terra. 

Tudo por causa de um novo regulamento da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) que exige que os pilotos envolvidos no combate aos incêndios falem português.

Os três helicópteros Kamov, fabricados na Rússia, são alugados a uma empresa ucraniana e têm pilotos ucranianos e alguns moldavos que apenas vêm a Portugal para operar estes meios aéreos. 

Com a falta de operacionalidade dos seis Kamov comprados em 2007 pelo Estado português (entretanto oferecidos à Ucrânia), desde 2019 que a Força Aérea aluga três Kamov para os meses mais quentes por 5,5 milhões de euros por ano. 

“Agora não servem?”

Luís Ferreira, diretor executivo da Heliportugal (empresa que ganhou o concurso público lançado pela Força Aérea e que contrata os helicópteros na Ucrânia), explica ao Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) que este ano foram surpreendidos com uma exigência nunca antes feita. 

O novo regulamento da ANAC passou a prever que todos os pilotos envolvidos no combate aos incêndios, em qualquer tipo de aeronave, têm de ter um nível 4 de proficiência de português. 

“As tripulações que temos não têm capacidade de aprender português de um dia para o outro”, conta o responsável da Heliportugal que acrescenta que além disso seria preciso fazer um exame, algo impossível de cumprir a tempo. 

Estado ainda quer alugar mais dois Kamov

“Este contrato tem em 2023 o último de quatro anos e é agora que temos de desempenhá-lo de forma diferente?”, questiona o advogado da Heliportugal, Nuno Faria, que sublinha que os pilotos que no ano passado saíram do seu país em guerra “para ajudar Portugal agora não servem" apenas por não falarem português. 

Esta exigência surge numa altura em que a TVI sabe que o Governo até tem procurado reforçar os meios aéreos de combate aos incêndios, tentando alugar mais dois helicópteros Kamov para 2023.

Se nada mudar, a Heliportugal avisa que Portugal arrisca-se a não ter os dois Kamov extra, nem os três que já estão contratados desde 2020 e que sempre voaram com tripulações vindas do Leste europeu.

Regulador da aviação cede parcialmente

Entretanto, a Autoridade Nacional da Aviação Civil percebeu que a exigência de todos os pilotos falarem português podia ser um problema no combate aos fogos e colocou novas mudanças em consulta pública até 29 de maio. 

O regulador diz que “tendo em conta o inegável interesse público” do combate aos incêndios é possível que um dos pilotos a bordo não fale português de forma proficiente, desde que as aeronaves tenham mais de um piloto e que um deles se expresse bem em português.

Ao Exclusivo, a ANAC argumenta que esta exigência surgiu depois de uma proposta feita na primeira consulta pública realizada em 2022 sobre este mesmo regulamento e garante que nenhum operador avisou antes que este requisito era impossível de cumprir. Além disso, até existiu um período de transição de um ano.

Segundo o regulador, falar português é uma vantagem em termos de segurança e permite uma melhor comunicação com quem coordena o combate aos fogos em terra, numa ideia criticada pela Heliportugal que sublinha que a língua comum em toda a aeronáutica é o inglês. 

A empresa argumenta que não faz sentido exigir que se conheça bem a língua do país onde se combatem os incêndios, numa exigência impossível de cumprir tendo em conta as muitas horas de voo igualmente exigidas, enquanto experiência, em Portugal, a cada piloto que opera os Kamov.

Suspensão total ou Kamov em terra

O Exclusivo falou com outras empresas que alugam meios aéreos ao Estado e além da Heliportugal apenas a Helibravo se queixa do novo regulamento, tendo enfrentado grandes dificuldades para encontrar pilotos, apesar de garantir que a resposta dos seus helicópteros, este ano, não está em risco. 

Depois da cedência parcial da ANAC, admitindo que apenas um piloto fale português, a Heliportugal refere que mesmo assim não será possível cumprir em 2023 o novo regulamento, pedindo uma suspensão total da norma. 

Sem essa suspensão, os três Kamov alugados pelo Estado ficarão mesmo em terra a partir de 1 de junho, data em que deveriam estar disponíveis para combater as chamas. 

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