Um político experiente do sul, um ex-astronauta ou um judeu progressista - quem será o escolhido de Kamala Harris? As fichas estão lançadas

24 jul 2024, 22:00
Da esquerda para a direita: Roy Cooper, governador da Carolina do Norte; Mark Kelly, senador do Arizona; Josh Shapiro, governador da Pensilvânia (AP)

Há vários nomes em cima da mesa para número dois da mais que provável candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, mas há três que se destacam. Harris quer ter a nomeação fechada no início de agosto, antes da Convenção Nacional do partido, mas o anúncio pode chegar antes

Cada candidato presidencial enfrenta duas hipóteses na hora de escolher quem quer ao seu lado na campanha – e, em última instância, na Casa Branca. Como explica Ron Brownstein, editor de política da CNN Internacional, trata-se de uma “escolha básica” entre “equilibrar a candidatura presidencial ou fazer uma dupla aposta”. 

No caso de Donald Trump, que há uma semana escolheu J.D. Vance para a vice-presidência, a jogada foi em certa medida de “dupla aposta”, ao nomear um senador com metade da sua idade (39 anos), que é oriundo do Ohio, um Estado de importância redobrada nas presidenciais deste ano, e que, nas palavras de Brownstein e da generalidade dos analistas, é um verdadeiro “acólito MAGA”. 

Já do lado de Kamala Harris, em rota para conquistar a nomeação democrata na Convenção Nacional em agosto, ainda não é certo por qual das duas vias vai optar. Se decidisse seguir o mesmo caminho, aponta o repórter veterano da CNN, a “escolha óbvia” seria Gretchen Whitmer – “o que criaria uma histórica candidatura exclusivamente feminina, ao mesmo tempo que a ajudaria num Estado-chave”.

No entanto, a atual governadora do Michigan já deixou claro que não está disponível para acompanhar Harris na difícil demanda de derrotar Trump e Vance nas urnas, quando faltam pouco mais de 100 dias para a eleição. “Não vou sair do Michigan”, declarou Whitmer aos jornalistas na terça-feira. “Sei que toda a gente tem suspeitas e está sempre a perguntar-me uma e outra vez – sei que estão a fazer o vosso trabalho, mas não vou a lado nenhum.”

(Questionado sobre a declaração, Ron Brownstein insiste que a escolha está nas mãos de Harris – e que se fosse Whitmer a escolhida, “é difícil imaginar que dissesse que não.”)

Gretchen Whitmer já não consta das listas de potenciais vice-presidentes em vários media - mas "se Harris realmente a quiser, é difícil imaginar que ela diga que não", aponta o jornalista da CNN Ron Brownstein Foto: Paul Sancya/AP

Dupla aposta ou a via do equilíbrio

Escolher a via da “dupla aposta” é uma “jogada arriscada”, mas face ao caos de uma campanha sem precedentes, vários consultores democratas estão entusiasmados com a hipótese de uma candidatura Harris-Whitmer desde que Joe Biden desistiu da corrida à Casa Branca no domingo. “Equilibrar a lista de candidatos é a forma mais comum de os presidentes escolherem os seus companheiros de campanha, o que implica selecionar alguém que se julga que vai colmatar as fraquezas [do candidato à presidência] ou proporcionar um equilíbrio regional, geracional ou demográfico.”

Se Kamala, a californiana que, há quatro anos, se tornou a primeira mulher negra a ocupar a vice-presidência dos EUA, optar por equilibrar a sua candidatura, “as escolhas óbvias são homens brancos de Estados indecisos”, adianta Brownstein, e aí “Mark Kelly, o senador do Arizona, pode ser o mais qualificado do grupo”. Mas Harris pode ganhar as presidenciais sem conquistar o Arizona, ao passo que “quase de certeza não pode vencer sem a Pensilvânia”. E assim o jornalista faz a sua aposta: “É por isso que acho que, se seguir a via do equilíbrio, o governador desse Estado, Josh Shapiro, é a sua melhor opção.”

Josh Shapiro, governador da Pensilvânia desde janeiro de 2023, é a "escolha óbvia" se Kamala Harris optar pela via do equilíbrio, diz Brownstein Foto: Matt Freed/AP

Os dois nomes apontados por Brownstein integram o pódio noticiado na terça-feira pelo Financial Times com base em conversas com mega doadores da campanha democrata. De acordo com as fontes, Eric Holder, o antigo responsável pela pasta da Justiça na administração Obama, está neste momento a analisar o passado de Shapiro, de Kelly e também do atual governador da Carolina do Norte, Roy Cooper – um forte indicador de que são eles os finalistas na corrida à vice-presidência.

Os doadores de Wall Street estão mais favoráveis à nomeação de Shapiro ou de Cooper, indicam fontes familiarizadas com o processo, com Mark Kelly a angariar o favoritismo da elite de Hollywood que apoia o Partido Democrata. Outros nomes incluídos na lista são os dos governadores do Kentucky, Andy Beshear, e do Illinois, JB Pritzker, bem como o de Tim Waltz, governador do Minnesota.

“Ela tem um campo forte por onde escolher”, indica ao FT o nova-iorquino Michael Kempner, grande doador do partido. “Ficaria entusiasmado com qualquer um deles, em particular com Shapiro, Kelly, Cooper, Pritzker ou Beshear.” Os dois últimos parecem, cada vez mais, escolhas improváveis – e os três favoritos partilham todos historial com a mulher que vai disputar a presidência com Trump.

Cooper foi procurador-geral da Carolina do Norte quando Harris ocupava o mesmo cargo na Califórnia, e chegou a fazer campanha ao lado da vice-presidente há algumas semanas no seu Estado, antes de Biden abandonar a corrida. Shapiro, outro ex-procurador estatal, conhece a californiana há duas décadas.

Já Kelly, um veterano da guerra no Golfo e ex-astronauta da NASA, de 60 anos, mantém uma relação de proximidade com Harris há vários anos. E o mesmo se aplica à sua mulher, Gabby Giffords, a ex-representante do Arizona que, em 2011, sobreviveu a um atentado, tal como Trump 13 anos depois – ela baleada na cabeça por um jovem de 22 anos em Tucson, no Arizona; ele baleado na orelha por um de 20 em Butler, na Pensilvânia.

Quem é quem

A história com laivos de filme de Hollywood, incluindo um final feliz depois da dura provação, faz parte do encanto de Kelly entre muitos grandes doadores e membros do partido, sobretudo tendo em conta a enorme popularidade do ex-astronauta no seu Estado-natal. 

“Gostava de ver o senador Mark Kelly como candidato a vice-presidente”, diz o ex-embaixador dos EUA em Espanha Alan Solomont, que no sábado ajudou a organizar um evento de angariação de fundos para Kamala Harris no Massachusetts (total arrecadado: 2 milhões de dólares). “Ele e a sua mulher, Gabby Giffords, sabem melhor do que ninguém o que é a violência política e a sua liderança no que toca à segurança relacionada com armas de fogo que atrai os jovens eleitores.”

Mark Kelly e a mulher, Gabby Giffords, são verdadeiras vedetas políticas no Arizona, outro Estado-swing Foto: Marcio Jose Sanchez/AP

A grande desvantagem em nomear Kelly é que teria de abdicar do seu lugar no Senado, o que poderia custar ao partido um assento fundamental para manter a maioria na câmara alta do Congresso. E o FT nota que, apesar de alguns grandes financiadores democratas em Wall Street também apoiarem a hipótese Kelly, a maioria está mais inclinada para Josh Shapiro, o homem de 51 anos que, em 2023, foi eleito governador de um dos Estados que pode definir estas eleições. “Shapiro é jovem e enérgico e pode ganhar a Pensilvânia – é uma escolha óbvia”, diz um doador próximo de Kamala Harris ao jornal. “Não está fechado, mas está a ser muito considerado.” 

Muitos dos que financiam as campanhas democratas consideram, contudo, que Shapiro não tem experiência suficiente no governo para ser vice-presidente. A seu favor está o facto de ter esmagado o candidato de extrema-direita apoiado por Trump nas urnas há um ano e meio, e a forma desprendida como tem apurado o seu discurso político, tantas vezes orientado contra o republicano – numa recente aparição na MSNBC disse que Trump tem de “parar de choramingar” e de “dizer m*rda sobre a América”. 

Judeu e defensor da postura de Israel na ofensiva contra a Faixa de Gaza, tem confrontado o que diz ser o antissemitismo patente nas manifestações universitárias de apoio à Palestina. E tem sido um dos grandes defensores do direito ao aborto na Pensilvânia.

O governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, é o político com mais experiência entre as três principais alternativas Foto: Chuck Burton/AP

Já Roy Cooper, aos 67 anos o mais velho das três alternativas, conta com um extenso currículo na política – ao longo de duas décadas, ganhou seis eleições gerais na Carolina do Norte, um Estado onde os republicanos costumam prevalecer nas corridas federais e onde atualmente estão em maioria no congresso estatal. Apresentando-se como um defensor da educação pública e do direito ao aborto, no ano passado conseguiu convencer os legisladores republicanos a expandir o Medicaid (o programa de cuidados de saúde para os mais desfavorecidos). Mas é seguramente menos carismático do que Shapiro e Kelly.

A intenção de Kamala Harris é ter a nomeação fechada até ao início de agosto, quando o partido vai ter uma votação nominal virtual antes da Convenção Nacional Democrata, que arranca a 19 de agosto, em Chicago. Mas o anúncio pode chegar antes.

O objetivo, diz uma fonte citada pela Associated Press, é manter todo o processo livre de dramas, numa altura em que Harris e todos os democratas tentam passar uma imagem de confiança e união após as tumultuosas semanas que levaram à desistência inédita de Biden. Antes disso, o presidente ainda vai falar à nação sobre "o que está por vir" e como vai "levar o trabalho pelo povo americano até ao fim". O discurso em direto da Sala Oval, na Casa Branca, está marcado para as 20:00 em Washington, 01:00 em Lisboa.

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