Uma "decisão profundamente pessoal" para destronar "tipos esquisitos". Vice de Kamala Harris anunciado nos próximos dias

1 ago 2024, 18:45
Kamala Harris num comício de campanha em Atlanta, Georgia (Kyle Mazza/Anadolu via Getty Images)

A escolha de Filadélfia, a cidade mais populosa da Pensilvânia, veio aumentar a especulação sobre ser Josh Shapiro o provável nomeado para parceiro de corrida de Harris. Para ganhar as presidenciais, a mais do que certa candidata democrata à Casa Branca precisa da Pensilvânia -- mas há uma alternativa em ascensão que também pode provar-se fulcral para conquistar votos nos estados mais decisivos destas eleições

Será em Filadélfia que Kamala Harris vai ter o primeiro evento de campanha acompanhada do seu candidato à vice-presidência. O comício está marcado para a próxima terça-feira na cidade mais populosa do estado da Pensilvânia – um que, apontam todos os analistas, será dos mais decisivos nas presidenciais de novembro. 

A informação foi avançada ao Politico pela equipa de campanha da provável candidata democrata, antecipando-se um anúncio oficial do parceiro de corrida nos próximos dias. E a escolha do local para o seu primeiro evento em parelha (Filadélfia será a primeira paragem num périplo por sete estados decisivos em quatro dias) está a alimentar a especulação de que será Josh Shapiro o escolhido.

Governador da Pensilvânia desde janeiro do ano passado, Shapiro tem constado de todas as listas de potenciais candidatos a vice-presidente pelo Partido Democrata, ao lado de nomes como o do senador do Arizona Mark Kelly ou de Roy Cooper, governador da Carolina do Norte, a par de outros democratas de destaque, como Pete Buttigieg, atual secretário de Estado dos Transportes na administração Biden.

Numa sondagem exclusiva para a revista Newsweek, conduzida uma semana depois de o presidente norte-americano ter saído formalmente da corrida, Buttigieg e Kelly surgiam como as escolhas mais populares entre os eleitores, com 17% cada – seguidos de Shapiro com 11% e de Andy Beshear, atual governador do Kentucky, com 7%. 

Mas um outro inquérito para a Associated Press, divulgado esta quarta-feira, sugere que a maioria das alternativas são desconhecidas entre muitos eleitores. Apesar de se destacar como um dos mais famosos, Mark Kelly, astronauta da NASA tornado político, continua a não ser conhecido por cerca de metade dos inquiridos. Já outros nomes, nomeadamente o de Josh Shapiro, apesar de ainda mais desconhecidos, poderão ser capazes de angariar mais apoios nos seus estados e regiões de origem, indica o inquérito.

Segundo fontes ligadas ao processo de nomeação, Kelly e Shapiro lideram a corrida interna à vice-presidência, de uma lista original com cerca de 12 nomes. Shapiro, um judeu praticante crítico das manifestações de apoio à Palestina nos campus universitários americanos, é tido por alguns como a escolha decisiva para aumentar as hipóteses de uma vitória democrata na Pensilvânia. E Kelly, que é casado com Gabby Giffords, a ex-representante que sobreviveu a um atentado em 2011, pode fortalecer a candidatura de Harris num ponto-chave desta campanha: imigração e a segurança das fronteiras.

Trump escolheu JD Vance como parceiro de corrida para conquistar votos no Midwest e numa série de estados indecisos da América rural - e é esperado que Kamala Harris siga o mesmo raciocínio na sua escolha para a vice-presidência (AP)

"Estes tipos são simplesmente esquisitos"

Contactada pelo New York Times para responder à especulação, a campanha de Harris insistiu esta semana que o facto de ter escolhido a Pensilvânia para o comício de 6 de agosto não está relacionado com quem Kamala vai nomear para seu vice. Com 20 assentos no Colégio Eleitoral, em 2016 a Pensilvânia apoiou Trump antes de dar a vitória a Joe Biden quatro anos depois – e até o atual chefe de Estado ter abandonado a corrida, todos os inquéritos de opinião apontavam que o antigo presidente republicano ia voltar a conquistar o estado.

Na terça-feira,  Shapiro garantiu que não fala com Kamala Harris desde 21 de julho, o dia em que Biden desistiu da corrida presidencial, e recusou-se a adiantar se está interessado numa eventual proposta da candidata. “A escolha do vice-presidente é uma decisão profundamente pessoal neste momento: com quem ela quer candidatar-se, com quem quer governar e quem pode estar ao seu lado quando tiver de tomar as decisões mais difíceis pelo povo americano”, disse aos jornalistas. “Acredito que vai tomar essa decisão nos seus próprios termos quando estiver pronta.”

Questionada no mesmo dia sobre a sua escolha, Kamala Harris disse aos jornalistas que “ainda não está decidido”. Fontes próximas da atual vice-presidente adiantaram entretanto que Harris vai passar os próximos dias em entrevistas com os potenciais candidatos – a campanha não adianta nomes, mas há quem fale numa mão cheia de finalistas: Shapiro, Kelly, Beshear, Buttigieg e o governador de um estado-chave que, nas últimas semanas, tem marcado pontos para o Partido Democrata em entrevistas e aparições televisivas.

Até há pouco tempo uma figura praticamente desconhecida fora do Minnesota, nos últimos dias uma só palavra catapultou o governador Tim Walz para a lista de desejados da equipa Harris – esquisito. “Estes tipos são simplesmente esquisitos”, disse no sábado sobre Trump e o seu vice, JD Vance. Não foi a primeira vez que recorreu ao adjetivo para falar do atual Partido Republicano, tem-no feito há meses – mas pela primeira vez tornou-se viral, com Kamala a usar a mesma expressão durante o fim de semana para descrever as formas como a oposição tem escolhido criticá-la.

“Ele é só um tipo esquisito e estranho”, repetiu Walz na segunda-feira, durante um encontro online de angariação de fundos batizado “White Dudes for Harris”, ao falar de Trump. “Não temos medo de pessoas esquisitas. Ficamos um pouco arrepiados com elas, mas não temos medo.”

Tim Walz, governador do Minnesota, tem participado em inúmeros eventos da campanha democrata para angariar fundos para Kamala Harris (Stephen Mature/AFP via Getty Images)

"Comparável a muitos das zonas rurais dispostos a reconsiderar o voto cego nos republicanos"

Depois de meses de campanha em que os democratas pintaram os opositores como pessoas “perigosas” que representam uma “ameaça à democracia”, é “esquisito” o adejtivo que está a incomodar os republicanos – e os restantes membros proeminentes do partido de Kamala estão a aproveitar a deixa, como Buttigieg, que numa entrevista à MSNBC e, mais tarde, no programa The Daily Show de Jon Stewart, também falou do “estilo esquisito” de JD Vance que vai traduzir-se em “políticas esquisitas”.

“Esquisito não é uma palavra que a maioria das pessoas use para descrever Walz, e essa pode bem ser uma das razões pelas quais integra o punhado de democratas considerados como potenciais parceiros de corrida de Harris”, escrevia o New York Times há alguns dias. “Walz tem uma personalidade comum e terra-a-terra, estável. Os seus apoiantes dizem que também traria um historial de conquista de eleitores moderados com raízes profundas no Midwest rural, o que poderia servir de contraponto a JD Vance”, o jovem senador do Ohio escolhido por Trump quando ainda era Biden o candidato democrata.

Aos 60 anos, o antigo professor de estudos sociais, casado com outra professora e pai de dois filhos, que serviu na Guarda Nacional do Exército durante 24 anos e que foi treinador de futebol americano no liceu onde deu aulas, poderia ajudar os democratas a aumentar os seus apoios em estados decisivos, sobretudo entre os trabalhadores brancos de meios rurais que, na última década, se foram afastando do partido.

“Quando se olha para Tim Walz, o que vemos é alguém com uma experiência de vida comparável à de muitas pessoas das zonas rurais da América que estão dispostas a reconsiderar o seu voto cego no candidato do Partido Republicano”, defende Heidi Heitkamp, ex-senadora da Dakota do Norte, outro estado rural. “Aqui está um tipo que sabe pescar, que sabe caçar, um tipo que serviu o nosso país na Guarda Nacional.”

Walz tem feito questão de defender o uso da palavra “esquisito” como uma forma deliberada de abanar os republicanos – a retórica de Trump pode ser a de um “bully autoritário”, mas o bullying muitas vezes está apenas a mascarar covardice, disse o governador do Minnesota numa das várias aparições dos últimos dias. Aliado às recentes declarações de Trump sobre a raça de Kamala Harris, que estão a unir republicanos e democratas num coro de críticas ao ex-presidente, esta pode ser uma estratégia de sucesso para o partido.

“Um pilar central da campanha de Trump é a ideia de que os liberais são uns desajustados e uns pervertidos que querem destruir os valores americanos [...] e ‘esquisito’ intromete-se nessa narrativa”, refere o Washington Post num artigo intitulado “‘Esquisito’ é o insulto mais eficaz que os democratas já tentaram”. A palavra “não anula totalmente” essa retórica, mas “planta uma semente de dúvida”, adianta o jornal. “E se, em vez de serem admirados ou temidos, estiverem a ser alvos de chacota? E se, em vez de serem os grandes provocadores, forem apenas os miúdos no canto a comer cola com as mãos?”

E.U.A.

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