ENTREVISTA || Ronald Brownstein é analista político sénior da CNN Internacional. Diz que a alegada pressão para Biden abdicar imediatamente da presidência é um não assunto que só interessa à Fox e aos republicanos. Sublinha que os democratas consideram Gaza o tema em que Harris tem mais probabilidades de se distanciar de Biden. Quanto à escolha para vice de Kamala, refere que "as opções óbvias são homens brancos de estados indecisos" - mas há outra via, que entretanto se tornou mais improvável
Kamala Harris já parece ter assegurado suficientes delegados democratas para se tornar a nomeada do partido, mas alguns acreditam que os democratas teriam mais a ganhar com um processo aberto na convenção em vez de decidirem à partida que é a vice-presidente de Biden a candidata. Porque é que a primeira opção não aconteceu e que impacto pode isto ter (ou não) na corrida presidencial?
Como disse na manhã logo a seguir ao debate [Trump-Biden a 27 de junho], foi sempre muito improvável que, se os democratas escalassem a primeira montanha para tirar Biden da corrida, houvesse estômago suficiente para tentarem escalar a segunda montanha de contornar Harris. Desafiar a primeira mulher de cor a servir como vice-presidente [dos EUA] foi sempre uma proposta arriscada para qualquer outro candidato com ambições a longo prazo. Por isso, embora possa ter havido uma procura teórica por uma alternativa, nunca foi provável que houvesse oferta.
O primeiro discurso da vice-presidente [no Delaware] focou-se no histórico manchado de Donald Trump e nas suas promessas de campanha relativamente à economia, aos cuidados de saúde, à segurança social e ao aborto. Tendo em conta o que move o eleitorado, quais devem ser os principais temas de campanha dos democratas no curto espaço de tempo de que dispõem para inverter a maré?
A melhor forma de pensar sobre isto é que Harris está a entrar na corrida com as mesmas vulnerabilidades que Biden em diferentes tópicos. O elevado número de norte-americanos que não aprovam o currículo [de Biden], principalmente por causa da inflação e da imigração, está tão descontente hoje como estava no domingo. Mas há grandes diferenças. Por exemplo: ela não tem de suportar a vulnerabilidade pessoal das dúvidas sobre se é demasiado velha para o cargo – e, de facto, está em posição de virar essa questão contra Trump.
Portanto, tendo em conta que, se Trump ganhar as eleições, terá no final do mandato a mesma idade que Biden tem agora, é de esperar que os democratas se concentrem nisso?
Absolutamente. Apesar de a questão ter sido ofuscada pelas preocupações com Biden, cerca de metade dos americanos tem afirmado em sondagens que duvida que Trump tenha a capacidade cognitiva (e não física) para cumprir um novo mandato. Agora, essas preocupações podem receber mais oxigénio. A outra diferença é que, embora Harris possa precisar de jogar à defesa nas mesmas questões que Biden, rapidamente demonstrou que é incalculavelmente melhor nesta altura a jogar ao ataque – transmitindo as principais mensagens democratas contra Trump, quer a nível pessoal quer ao nível das políticas.
Como noticiado pela CNN, Harris não presidiu ao discurso do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, no Congresso americano na quarta-feira. Tendo a guerra em Gaza sido um dos motores da insatisfação dos eleitores democratas para com Joe Biden durante as primárias, o que pode ser lido desta decisão?
Quando Hubert Humphrey, o vice-presidente de Lyndon Johnson, lhe sucedeu como nomeado democrata às presidenciais em 1968, Humphrey seguiu muito atrás na corrida [contra os republicanos] até finalmente ter rompido com as políticas de Johnson no Vietname – o que desencadeou uma derradeira vaga [de apoios] que quase conduziu Humphrey à vitória. Penso que os democratas consideram Gaza o tema em que Harris tem mais probabilidades de se distanciar de Biden e o facto de não estar presente no discurso [de Netanyahu] pode ser um primeiro indicador dessa sua direção.
Logo após o anúncio de Biden no domingo, alguns republicanos disseram que o presidente devia renunciar ao cargo de imediato – “se não está apto a cumprir um segundo mandato, não está apto a continuar na presidência”, disseram – e ainda estamos a aguardar pelo discurso à nação que Biden prometeu fazer esta semana [entretanto marcado para a noite desta quarta-feira]. Podemos antecipar algo quanto a isto ou é uma rua sem saída para os republicanos no Congresso?
Isso é um tópico de discussão da Fox, não é um argumento sério. A questão era se Biden conseguia cumprir mais quatro anos no cargo (e derrotar Trump em novembro), não se é capaz de o cumprir agora. As primeiras sondagens [desde o anúncio de Biden] mostram que, na verdade, as exigências para que se demita já só encontram eco entre os republicanos.
Agora que Kamala Harris parece estar em rota para se tornar a candidata democrata, e dado que a escolha de Trump para a vice-presidência mostra um claro foco no Midwest e num punhado de estados-swing de batalha, quem pode a atual vice-presidente escolher como seu parceiro na corrida e porquê?
A escolha básica que ela enfrenta é entre equilibrar a candidatura ou fazer uma dupla aposta. Equilibrar a lista de candidatos é a forma mais comum de os presidentes escolherem os seus companheiros de campanha – implica selecionar alguém que se julga que vai colmatar as suas fraquezas ou proporcionar um equilíbrio regional, geracional ou demográfico. Se ela optar por equilibrar a candidatura, as escolhas óbvias são homens brancos de estados indecisos. Mark Kelly, o senador do Arizona, pode ser o mais qualificado do grupo, mas ela pode ganhar sem o Arizona; Harris quase de certeza não pode vencer sem a Pensilvânia e é por isso que eu acho que, se ela for na direção do equilíbrio, o governador desse estado, Josh Shapiro, é a sua melhor opção. Até mesmo Trump, em certa medida, dobrou a aposta ao escolher JD Vance, um acólito MAGA [Make America Great Again] com metade da sua idade. Se Harris seguir esse caminho, a escolha óbvia é a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer*, o que criaria uma histórica candidatura exclusivamente feminina (ao mesmo tempo que a ajudaria num estado-chave). Obviamente, há um grande risco em tal escolha, mas nas minhas conversas ao longo das últimas semanas um número surpreendente de consultores democratas está entusiasmado com esta ideia e acredita que isto podia gerar uma enorme energia e entusiasmo na campanha – é disso que os democratas vão precisar numa corrida em que Harris ainda está, que ninguém se deixe enganar, em desvantagem.
Na terça-feira, Gretchen Whitmer pareceu deixar claro que não pretende ocupar esse lugar. Qual seria a alternativa nesse caso?
Whitmer é mesmo a única opção nessa categoria. Se Harris realmente a quiser, é difícil imaginar que ela diga que não.