"Double-haters" estão a desaparecer e 90% dos eleitores (até republicanos) aprovam a decisão de Biden. Como os sismos políticos do último mês abalaram as intenções de voto

26 jul 2024, 22:00
Donald Trump (Alex Brandon/AP)

A ressacar de eventos marcantes, que transformaram esta campanha eleitoral numa das mais loucas montanhas-russas da história moderna dos EUA, o eleitorado está em movimentações. As réplicas da desistência de Biden e do atentado contra Trump já fizeram mexer as placas tectónicas das presidenciais – e antecipam-se mais mudanças nas sondagens ao longo das próximas semanas

Com a maioria dos eleitores americanos manifestamente contra uma revanche de 2020, as presidenciais de novembro pareciam estar nas mãos de um grupo preponderante conhecido como os “double-haters” – os que não apoiam Donald Trump nem Joe Biden e que, ao longo de meses, corresponderam consistentemente a um quinto da população votante em sondagens, um número sem precedentes na história eleitoral dos Estados Unidos. Isso mudou há uma semana, quando o atual presidente confirmou que não será candidato.

Uma sondagem da Siena College para o New York Times, divulgada na quinta-feira, mostra que a percentagem de “double-haters” caiu de 20% para 8% desde a desistência de Biden, que abriu caminho à candidatura de Kamala Harris. E isto deve-se, em parte, ao facto de os eleitores de esquerda estarem satisfeitos com a saída de cena do atual presidente. 

Não estão sozinhos. A mesma sondagem mostra que quase nove em cada dez eleitores, incluindo republicanos e independentes, consideram que Biden tomou a decisão certa. Como aponta o analista de dados Nate Cohn: “Acho que uma sondagem Times/Siena nunca tinha encontrado 87% de eleitores que concordam com o que quer que seja, mas é essa a percentagem dos que dizem aprovar a decisão de Biden de se afastar da corrida presidencial.” De tal forma que, agora que já não está na corrida, a sua taxa de aprovação subiu de 36% para 43% – com a de Harris a subir para os 46%. 

Há um consenso generalizado de que Biden tomou a melhor decisão ao abandonar a corrida presidencial, uma saída potenciada pela sua fraca prestação no debate contra Joe Biden a 27 de junho (Carolyn Kaster/AP)

Trump à frente mas dentro da margem de erro

Harris e Trump estão ambos a surfar a onda de grandes e improváveis eventos e isso explica porque é que a popularidade de Trump acompanhou a do atual presidente e da sua vice. No geral, 48% dos eleitores registados dizem ter uma visão favorável do candidato republicano, mais seis pontos percentuais do que na última sondagem do mesmo instituto – logo após o debate em que Biden se afundou, mas antes de Trump ter sobrevivido ao atentado na Pensilvânia.

É o número mais favorável a ser-lhe atribuído em inquéritos Times/Siena desde o arranque das primárias, depois de meses situado entre os 39% e os 45%. Isto poderá explicar um outro dado importante a reter da sondagem mais recente do NYT – apesar dos frutos que os democratas estão a colher com a decisão de Biden, Donald Trump continua à frente.

A diferença é que, neste momento, a margem que o separa da provável rival democrata (a nomeação só será formalizada na convenção de agosto) é mais reduzida: entre prováveis eleitores, diferentes dos eleitores registados, Trump angaria 48% das intenções de voto, contra 47% para Harris. E na mais recente sondagem da CNN, Trump tem 49% de apoios dos eleitores registados em todo o país, contra 46% para Harris – um resultado dentro da margem de erro da amostragem do inquérito, que se traduz numa disputa bem mais renhida do que anteriores sondagens do canal sobre o confronto Biden-Trump.

Kamala Harris parece estar numa rota ascendente entre muitas faixas demográficas - mas ainda é cedo para dizer se isso vai traduzir-se em mais votos nas urnas (Darron Cummings/AP)

“Em questão atrás de questão, há grandes movimentações comparativamente a anteriores sondagens Times-Siena, que foram todas conduzidas antes de a vice-presidente Harris ter a nomeação do seu partido praticamente assegurada, antes da Convenção Nacional Republicana, e antes da tentativa de assassínio de Trump”, indica Nate Cohn. “Até o défice de um ponto para Harris representa uma significativa melhoria para os democratas depois do défice de seis pontos de Biden na última sondagem Times/Siena.”

A jogar a favor de Harris está o facto de também ela estar em subida nas sondagens, ainda mais do que Trump. Ao todo, 46% dos eleitores registados dizem ter uma visão favorável da democrata, em comparação com 36% em fevereiro. E a taxa de inquiridos que não a aprova está agora abaixo da fasquia dos 50%, quando na última sondagem se situava nos 54%.

A escalada rápida de Kamala e o potencial "efeito Kennedy"

O panorama geral também parece estar a melhorar. O total de eleitores que considera agora que os EUA estão no “caminho certo” subiu para os 27% – um número relativamente baixo, mas ainda assim o mais elevado desde as eleições intercalares de 2022. De igual forma, a percentagem de eleitores registados que diz que, dadas as alternativas no boletim de voto, não vai às urnas este ano também caiu, de 4% para 2%.

Entre os democratas, o panorama é ainda mais risonho. Quase 80% dizem que o partido deve nomear Kamala Harris, com apenas 14% que defendem que devia nomear outro candidato – e 70% consideram que deve unir-se em torno dela, contra 27% que dizem que o partido devia apostar num processo de nomeação mais competitivo. 

A questão é que não há ninguém disposto a abdicar de futuras candidaturas com um potencial mais elevado de sucesso para se pôr no caminho daquela que poderá vir a ser a primeira mulher negra presidente dos EUA. Como referia na quinta-feira Ron Brownstein à CNN Portugal: “Desafiar a primeira mulher de cor a servir como vice-presidente foi sempre uma proposta arriscada para qualquer outro candidato com ambições de longo prazo. Embora possa ter havido uma procura teórica por uma alternativa, nunca foi provável que houvesse oferta.”

Se continuar na corrida, Robert F. Kennedy Jr. poderá roubar mais votos a Trump do que a Kamala entre os eleitores descontentes (Greg Allen/AP)

O que podemos então esperar da disputa Harris-Trump? Ainda é cedo para dizer, mas o eleitorado está a mexer-se. Depois de um atribulado mês de campanha, as próximas semanas vão ser fulcrais para perceber quantos mais apoios consegue Kamala angariar – agora que os inquéritos mostram que está mais bem posicionada do que Biden (e do que Trump) entre os eleitores mais jovens, os hispânicos e, claro, os afroamericanos.

A ajudá-la poderá estar também um dos candidatos terceiros desta corrida, Robert F. Kennedy Jr., que apela mais ao eleitorado de direita – e que, quando considerado na mais recente sondagem do NYT, a par de outras candidaturas menores, põe Kamala e Donald num empate técnico. 

“Esta é apenas uma sondagem, mas não é de descartar a ideia de que a presença de Kennedy na corrida possa ajudar mais claramente Harris”, indica Cohn. “Se for suficientemente atrativa para os eleitores jovens e descontentes, Kennedy poderá não retirar tanto apoio [a Harris] – e pode começar a tirar desproporcionalmente apoios a Trump.”

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