Jovens querem ser ouvidos, mas nem todos votam. O que os separa da política?

5 dez 2021, 22:01
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A taxa de abstenção dos mais novos tem captado as atenções. Os especialistas dizem que em causa não está a falta de interesse, mas que é preciso olhar para outras formas de participação política

São vistos como os decisores do futuro, a geração que poderá fazer a mudança, mas a relação dos jovens com a política não é simples e as dificuldades não são de hoje. Questões de representatividade e prioridades que não encaixam nos seus ideais são apontados como motivos e os especialistas dizem que é preciso olhar com outros olhos para a política e para a forma como os jovens podem ser ativos politicamente.

A taxa de abstenção entre os jovens eleitores tem vindo a ser um tema de discussão e o estudo estudo Os jovens em Portugal hoje: Quem são, o que pensam e o que sentem, da da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e que inquiriu 4904 jovens entre os 18 e os 34 anos, num universo representativo de 2,2 milhões de jovens, revela que 14% dos jovens nunca votaram em qualquer eleição. Do outro lado da moeda estão 53% dos jovens que garantem ter votado sempre que houve eleições. 

“Acho que os jovens estão compreensivelmente desiludidos com alguns de seus líderes políticos”, começa por tentar justificar Howard Williamson, professor de Política Europeia da Juventude na Universidade de South Wales. 

Para Sofia Serra Silva, investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o papel dos jovens na política e a forma como nela se envolvem é um assunto que merece mais atenção do que aquela que tem vindo a ser dada. “Um estudo que saiu muito recentemente reposta uma predominância no contexto português de jovens alienados, isto é pouco satisfeitos com a democracia e pouco confiantes no governo. Isto é preocupante”, diz a especialista, que defende que “é necessário desenvolver estratégias para tentar enquadrar porque é que temos jovens pouco satisfeitos com o funcionamento da democracia, que confiam pouco no governo e que, simultaneamente, talvez por causa disso, não sabemos, participam pouco”.

Howard Williamson, que esteve presente na conferência Novos Encontros Juventude, que decorreu no último fim de semana de novembro em Lisboa, diz que “toda esta questão da participação política dos jovens é complicada”, sobretudo por parte dos “fortes defensores do voto”, que continuam céticos quanto ao poder de decisão dos mais novos. “[Muitos dizem que] eles [os jovens] não são educados o suficiente para votar. Bem, isso é uma piada, porque a maioria das pessoas não é educada o suficiente para votar”, continua o britânico, especialista em políticas de juventude. 

Os jovens portugueses e a política

Entre os dados apresentados pelo estudo da FFMS, embora a maioria dos inquiridos revele ter uma opinião política (78% das mulheres face a 84% dos homens), o interesse não parece ser assim tanto: “na escala utilizada, 27% das mulheres referiram valores acima de 6 face a 34% dos homens”, refere a investigação.

“Gostava que olhássemos para nós como um bloco votante”, diz Adriana Cardoso, de 21 anos. A jovem licenciada em Ciências Farmacêuticas, e atualmente a frequentar o mestrado na mesma área, assume-se como apartidária e defende que isso não tem de ser, de todo, um motivo para não se expressar politicamente. 

“O tipo de política das pessoas da minha idade é mais independente, usamos podcasts e projetos próprios”, continua Adriana Cardoso, frisando que “a política não se faz apenas em termos de partidos”.

No que diz respeito ao voto, 21% dos jovens diz que votou na maioria das eleições e 12% admitiu ter votado em poucas. Apesar de as jovens mulheres apresentarem uma menor percentagem de interesse e opinião política, a verdade é que são elas quem exercerem o seu direito de voto sempre que há eleições: 56% face a 49% dos homens jovens. Diz ainda o estudo que “há ligeiramente mais homens do que mulheres a acharem que atualmente a democracia em Portugal funciona bem ou muito bem (40% face a 37%)”.

O estudo da FFMS revela que 87% dos jovens portugueses têm uma posição política, maioritariamente ao centro, mas com as mulheres a apresentarem uma maior tendência para a extrema esquerda e os homens para a extrema direita.

Sobre este ponto, a jovem reconhece que “muitas vezes votamos contra o nosso interesse económico porque nos identificamos com causas sociais”, até porque, defende, “um partido que não tente resolver ou não fale da habitação não serve para mim como votante e não deveria servir para a minha geração”.

Novas formas de participação cívica e política

Sofia Serra Silva diz que o interesse dos jovens na política e na democracia não está em causa e defende que é importante olhar para a ação política para lá do voto. “A questão da participação eleitoral também é importante, claro. Mas a participação eleitoral é muitas vezes percepcionada como o pináculo da participação política”, o que, para a investigadora, é limitador. 

“O que acontece é que sabemos que os jovens cada vez mais privilegiam outras formas de participação, formas essas baseadas em temas e causas que lhes são próximas. Há até uma investigadora britânica que chamou a estas novas formas de participação política de do it ourselves, ou seja, são repertórios de ação e participação política que estão a ser coletivamente liderados por jovens e que estão a ser reinventados, está a haver aqui um rejuvenescimento do reportório tradicional de participação política, muitas vezes fora das instituições políticas tradicionais”, explica a investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Segundo os dados apresentados pelo retrato levado a cabo pela FFMS, com coordenação de Laura Sagnier e Alex Morell, os jovens parecem mais voltados para a assinatura de petições, para a participação em manifestações e para a compra ou boicote a esta ação por razões políticas. Sobre a assinatura de petições, 40% dos jovens inquiridos disse tê-lo feito no último ano. Quanto ao “fazer boicote ou comprar certos produtos por razões políticas ou para favorecer o ambiente”, tal como escreve o estudo, 70% dos que optaram por esta forma de ação “também assinaram alguma petição”, lê-se no retrato.

A petição, afirma Sofia Serra Silva, “é um instrumento enquadrado no sistema político atual e dentro das instituições tradicionais”, no entanto, a investigadora destaca outras formas de ação política e cívica por parte dos jovens, especialmente online, “sempre muito movidos por causas e temas (...) aquilo a que chamamos de issue based, que mobilizam um parte dos jovens e, no âmbito desses temas e causas, têm reinventado algumas formas de participação que são mais inovadoras, que são criativas, muitas vezes baseadas no digital”.

Para Adriana Cardoso, as redes sociais são uma forma de se ser ativo politicamente. “Se os partidos não se abrirem para nós [jovens] temos de usar estes médium como uma forma reivindicativa”, até porque, garante, “uma pessoa que seja boa no Instagram e Twitter tem uma gigante plataforma para mostrar as suas ideia”. No entanto, muitos jovens retraem-se e não se expressam politicamente, algo que Adriana vê como um sinal de síndrome do impostor, “achamos que nunca estamos 100% preparados para falar de um tema mas duvido que um tudólogo que vá a um programa todas as semanas esteja 100% preparado”.

Papel dos jovens na política 

O investigador britânico Howard Williamnson, e especialista em políticas de juventude diz que, de facto, “precisamos de uma representação democrática dos jovens nas nossas tomadas de decisão, mas também precisamos daquilo a que chamo de representação categórica dos jovens. Precisamos de jovens com experiência em instituições públicas. Precisamos de jovens do sistema de justiça criminal. Eles estão desesperadamente sub-representados na participação democrática e, ainda assim, conhecem o seu mundo melhor do que ninguém. E devemos ouvi-los também”. Porém, o próprio Howard Williamson apela ao equilíbrio: “os jovens precisam de um lugar à mesa, mas não devem ter o único lugar à mesa”.

A falta de representatividade, tanto na Assembleia da República como nos espaços de comentário televisivos, é apontada pela jovem Adriana Cardoso como uma das principais falhas. “Temos de ser mais reivindicativos e temos de ser inteligentes na forma como consumimos”, diz. 

“Encaixotam-nos nas ‘juventudezinhas’, nos conselhos nacionais de juventude. (...) Parece que há a ideia de que jovens não podem ser convidado para fazer política. Somos limitados intelectualmente, parece que os jovens só podem falar de juventude”, lamenta Adriana Cardoso.

Howard Williamson defende mais espaço para os jovens, mas apela ao equilíbrio. “A minha opinião é que precisamos de muito mais envolvimento com os jovens, mas também em parceria com os mais velhos. Precisamos de pessoas com alguma experiência como eu, mas os jovens também têm ideias novas, frescas e enérgicas, e temos que aceitá-los. Isso é bom para a política, isso é bom para os jovens, isso é bom para a sociedade”.

Embora reconheça que o voto continua a ser a forma mais direta de eleição e representatividade, Sofia Serra Silva diz que as novas formas de ação dos jovens podem também fazer a diferença, mais não seja na criação de debate. “Parece-me que há uma maior visibilidade dos protestos liderados e das campanhas lideradas por jovens nos últimos anos e  essa visibilidade mediática traz consigo a noção de que, de facto, quando organizados, e de forma coletiva, os jovens conseguem colocar na agenda política e mediática um determinado tema e causa”. Até porque, continua, “com o mediatismo destas campanhas lideradas por jovens, começa a crescer esta consciência, não só deles, mas do resto da sociedade, de que eles têm um papel e de que têm um papel importante a desempenhar”. 

Como aproximar os jovens da política

Aproximar os jovens da política tem sido uma batalha habitual, mas é necessário mais empenho e precisão, dizem os especialistas entrevistados pela CNN Portugal.

Sofia Serra Silva defende que é preciso “promover um maior interesse, uma maior confiança nas instituições, uma maior satisfação com o funcionamento da democracia”. Porém, tão ou mais importante é fazer com que “essas atitudes se traduzam em comportamentos, ou seja, numa maior participação” por parte dos jovens. 

Para “batalhar aqui nestas duas frentes, por um lado atitudes, por outro lado comportamentos”, importa, “sem dúvida”, apostar “na literacia nas escolas, com a disciplina de cidadania que de facto falem sobre cidadania política, que falem da importância da instituições democráticas, do equilíbrio dos poderes, que falem do sistema de partidos, que se fale da União Europeia e devia haver uma literacia democrática para promover a educação para a cidadania e a participação dos jovens”, diz a investigadora.

Para aproximar os jovens da política e, sobretudo, para promover o conhecimento sobre o assunto, estava prevista a implementação do Plano Nacional de Literacia Democrática, “liderado por um comissariado nacional e com um amplo programa de atividades, em especial nas escolas e junto das camadas mais jovens, à semelhança do que é feito pelo Plano Nacional de Leitura e pelo Plano Nacional das Artes”, anuncia o documento do Programa do XXII Governo Constitucional 2019-2023, que dá ainda conta da intenção de levar a cabo “o estudo da Constituição em todos os níveis de ensino, com crescente grau de profundidade”. No entanto, até hoje não houve qualquer avanço com esta medida.

A CNN Portugal entrou em contacto com o Ministério do Estado e da Presidência que disse que "o Governo pretendia iniciar o processo de construção deste Plano em 2022", no entanto, não revelou quando o Plano Nacional de Literacia Democrática entrará oficialmente em vigor. 

 

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