O que fazem, do que gostam e com o que se preocupam os jovens portugueses?

19 dez 2021, 16:00
Jovens

Não têm preocupações muito diferentes daquelas que atormentavam juventudes de gerações passadas, mas os tempos digitais e a emergência climática trazem um novo peso aos jovens de hoje

São a geração mais formada dos últimos anos, mas isso está longe de ser um trampolim para uma transição fácil para o mercado de trabalho. Uma boa parte ainda vive em casa dos pais e a independência, sobretudo financeira, continua a ser uma miragem, sem qualquer luz ao fundo do túnel.

Apesar de acusarem a pressão que as redes sociais impõem, sobretudo no que diz respeito ao aspeto físico, os jovens de hoje sabem tirar proveito do mundo digital, onde as suas vozes mais facilmente são ouvidas - ou lidas - em publicações, do que juventudes passadas alguma vez pensaram conseguir.

Os jovens de hoje estão mais distanciados da política, é certo, mas carregam nas costas o peso da luta contra as alterações climáticas e acreditam na ação pela petição. 

Diz-se que a atual juventude é diferente, mas os rótulos podem mesmo ser o calcanhar de Aquiles desta geração que, na verdade, não é assim tão díspar de outras gerações. Segundo o professor de sociologia John Goodwin, os jovens de hoje têm as mesmas aspirações dos jovens de 1960: “Querem ter empregos, construir famílias, ter uma carreira [profissional]”.

Mas, afinal, o que fazem, do que gostam e com o que se preocupam os jovens portugueses hoje em dia?

O que fazem 

Os jovens portugueses têm 3h22 por dia de tempo livre quando estão em casa e é a ver filmes e séries que gostam de ocupar esses momentos (43%). Fora de casa, são as idas ao café ou almoços com amigos (39%) e os passeios e idas à praia (34%) as formas de eleição para ocupar os tempos livres.

Segundo os dados recentemente apresentados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) no retrato Os jovens em Portugal, hoje: Quem são, que hábitos têm, o que pensam e o que sentem, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, “a distribuição do tempo em que, nos dias úteis, estão acordados em casa e fora de casa é praticamente equitativa: em média, oito horas e 24 minutos em casa e oito horas e 14 minutos fora de casa”.

Diz o retrato que “há muitas diferenças no que respeita à forma como distribuem o tempo em que, nos dias úteis, estão em casa acordados”. As mulheres jovens dispõem de menos tempo livre para si - seja para tratar da higiene pessoal, ver televisão, ouvir música ou ler. Em média, as jovens “dispõem de menos 34 minutos do que os homens”, sendo que tal “resulta do facto de elas destinarem mais tempo não só às tarefas domésticas (em média, destinam mais 34 minutos), como também ao cuidado e educação dos filhos (em média, destinam mais 20 minutos)”.

A prática de exercício físico é, para 19% dos jovens portugueses, uma forma de passar o tempo livre, mas são os jovens homens aqueles que dedicam mais dias por semana à atividade física. 72% dos jovens homens dizem treinar uma ou mais vezes por semana e apenas 6% confessam não praticar de todo exercício físico. No caso das jovens mulheres, 59% admitem praticar exercício uma ou mais vezes por semana, mas são 15% as que nunca praticam.

Quanto a tarefas diárias, são as lides domésticas as que ocupam mais tempo, 2h09 por dia, seguindo-se o estudo, 57 minutos.

Insatisfeitos com a própria imagem 

Dos muitos fatores que podem contribuir para a felicidade ou infelicidade dos jovens portugueses, a aparência física ganha cada vez mais destaque. Mas pela negativa. Segundo os dados do retrato, 52% das jovens mulheres e 50% dos jovens homens estão pouco satisfeitos com o seu aspeto físico, um fator que reconhecem que tem um impacto direto com os níveis de felicidade e infelicidade que sentem. 

Para o sociólogo Vítor Sérgio Ferreira, este é “um resultado muito interessante” e que “tem a ver com o grau de exposição que os jovens têm do seu corpo nas redes sociais, a cultura visual muito cultivada dentro das redes”.

Embora reconheça que “não estamos a falar de uma coisa nova”, uma vez que, diz o sociólogo, “o valor do corpo de jovem não é de hoje, nos anos 70-80 o corpo jovem foi muito cultivado, como a cultura do ginásio, a cultura do rejuvenescimento”, esta pressão e insatisfação que os jovens hoje sentem perante o próprio corpo acabam “por ter uma maior intensidade, porque abrangem cada vez mais segmentos juvenis”.

As redes sociais têm algum peso nesta equação e o doutorado em Sociologia, com especialidade de Sociologia da Educação, Cultura e Comunicação, explica que “tudo isto acaba por ter como resultado um certo clima de insegurança perante a vida". "E acho que tem tido algumas repercussões, sobretudo a nível de saúde mental”, acrescenta.

O estudo revela que um terço dos jovens entre os 15 e os 34 anos tem excesso de peso ou é obeso e que metade das mulheres inquiridas já fez algum tipo de intervenção no corpo. No entanto, a maioria (62%) apresenta um peso normal.

Ligados às redes sociais

As redes sociais são ferramentas digitais que ocupam um papel de cada vez maior destaque no estilo de vida da população e os jovens não são exceção - pelo contrário. Segundo os dados do estudo da FFMS, 97% dos inquiridos usam redes sociais: 29% confessam que passam mais de três horas por dia nestas plataformas, 41% passam entre uma a três horas e 27% menos de uma hora. Do total de jovens que participaram no estudo, apenas 3% não usam redes sociais.

O retrato feito aos jovens portugueses mostra ainda que dois em cada quatro jovens têm mais de 500 amigos nas redes sociais, no entanto, quando questionados sobre quantos bons amigos têm na vida real, 51% dizem ter 51% ou mais, 23% quatro a cinco e 22% um a três. Apenas 4% reconhecem não ter um único bom amigo.

Para o sociólogo britânico John Goodwin, as redes sociais são um foco “de pressão” para os jovens, sobretudo por causa do imediatismo da informação, seja através dos meios de comunicação ou da internet. “Isso é um problema”, diz, salientando ainda que este lado mais imediato e sem fronteiras é talvez uma das principais diferenças dos jovens da atualidade para os de outras gerações. “Acho que esta é a maior diferença”, diz o professor de Sociologia e Prática Sociológica na Universidade de Leicester, com quem a CNN Portugal esteve à conversa durante a conferência Novos Encontros Juventudes, da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Já Vítor Sérgio Ferreira, apesar de reconhecer o impacto negativo que estas plataformas podem ter, olha para as redes sociais como um palco de ação e de promoção de ideias do qual os jovens podem tirar proveito. “Hoje temos uma maior possibilidade de os jovens se assumirem como protagonistas neste tipo de meios de comunicação, que antes não era tão facilitado”, explica.

“As redes sociais podem ter alguma responsabilidade em termos de efeitos perversos [na imagem corporal], mas também encontramos os discursos mais empoderadores em tudo o que é pressões sob o corpo dos jovens, encontramos a resistência nas redes sociais, que desconstroem o discurso gordofóbico, que empoderam os jovens, os corpos queer, os corpos andróginos. Estes efeitos são positivos por dar voz e corpo a características que são mais estigmatizantes”, diz o sociólogo Vítor Sérgio Ferreira.

Agentes diretos na luta contra as alterações climáticas

Embora as alterações climáticas sejam uma consequência direta de práticas já existentes e algumas delas com décadas, os jovens de hoje sentem a responsabilidade de assumir a luta pelo clima.

Quando questionados, numa escala de zero a 10, sobre o quão responsáveis se sentem perante este tema, 64% dá uma pontuação de sete a 10, sendo que somente 3% dos jovens admitem não ter nenhuma responsabilidade.

Na luta pelo clima, 71% dos jovens que participaram no estudo, e que representam 2,2 milhões da população, dizem que reciclar resíduos é a ação mais eficaz, seguindo-se o uso de energias renováveis (69%), o uso de transportes públicos e/ou bicicletas (49%) e o consumo de menos energia (26%). 

Apesar de defenderem o uso de transportes mais ecológicos, o estudo revela que somente 1% dos jovens portugueses não conduz de todo um veículo por questões ambientais. 46% reconhecem que o efeito das alterações climáticas tem algum ou muito efeito no uso de automóvel, ao contrário dos 54% que dizem ter pouco ou nenhum efeito.

No que diz respeito à alimentação e ao impacto desta no ambiente, só 1% dos jovens se assumem como veganos (alimentação vegetariana restrita, sem qualquer alimento de origem animal), 2% como pescetarianos (alimentação que privilegia o peixe e os vegetais, em detrimento da carne) e 5% como vegetarianos (alimentação à base de vegetais, que exclui carne e peixe mas pode incluir ovos e laticínios).

Mais do que olhar para a política, os jovens portugueses olham para causas e agem de acordo com aquilo que defendem. Diz o estudo da FFMS que “durante o último ano, a ação social em que mais jovens participaram foi assinar uma petição: fizeram-no 40% dos 2,2 milhões de jovens que este estudo representa. As únicas outras ações em que durante o último ano participaram pelo menos 10% dos jovens foram: colaborar com organizações/associações de voluntariado (16%), colaborar com uma associação juvenil ou estudantil (12%) e participar numa manifestação (10%)”.

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