Estado já paga por novas emissões de dívida o valor mais alto desde 2014. Lisboa, temos um problema?

16 mai 2023, 07:00
Fernando Medina (Lusa/António Pedro Santos)

A subida das taxas de juro pelo BCE também se está a fazer sentir nos custos de financiamento do Estado e Portugal já está a pagar uma taxa de juro média de 3,5%. Se a situação se perpetuar ou a redução da dívida for interrompida, o país poderá estar perante um problema, advertem os economistas. Para já, a situação é sustentável

A taxa de juro a que o Estado português se financia nos mercados está a subir de forma acelerada desde que o Banco Central Europeu (BCE) começou a subir as suas principais taxas diretoras. Nas emissões feitas em 2023, a taxa de juro média a que Portugal se financiou foi de 3,5%, mais do dobro que a taxa conseguida em 2022 e o valor mais alto desde 2014, ano em que Portugal se libertou da troika.

Apesar desta subida, segundo a última apresentação feita a investidores pelo instituto que gere o endividamento do país, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), a taxa implícita da totalidade da dívida pública portuguesa em 2022 ainda era apenas de 1,8%, metade da taxa registada em 2014. Ainda assim, os encargos que o Estado tem com a sua dívida já estão a subir de forma significativa.

Quem o reconhece é o próprio Ministério das Finanças no Programa de Estabilidade 2023-2027 entregue em abril. “A subida generalizada das taxas de juro terá um impacto materialmente relevante na despesa a suportar nos próximos anos”, lê-se no documento.

A equipa liderada pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, antecipa mesmo uma “revisão em alta do encargo com juros” entre 2023 e 2027, sublinhando que só em 2026 o custo adicional com juros deverá alcançar “um encargo de 3.000 milhões de euros superior ao previsto”. Mas já este ano a subida de juros levará a um acréscimo dessa fatura em mais de 500 milhões de euros.

E estes valores só não são mais significativos porque o endividamento do Estado tem vindo a baixar de forma significativa nos últimos anos.

Sem essa descida da dívida, também segundo as contas apresentadas pelo Governo no Programa de Estabilidade, o cenário seria diferente. “O esforço de redução do rácio de dívida pública em percentagem do produto é essencial para a diminuição destes encargos no conjunto da despesa das Administrações Públicas, libertando espaço orçamental para outras medidas de política”, consta no documento, adiantando-se que “caso a dívida pública se mantivesse nos 113,9% no horizonte do Programa de Estabilidade, e mantendo-se constantes as restantes hipóteses, a despesa com juros em 2027 seria cerca de 2.000 milhões de euros superior à do cenário de base”. Ou seja, prossegue o Governo, em termos acumulados, entre 2023 e 2027, “seriam despendidos mais 5.900 milhões de euros”.

Lisboa, temos um problema? Ainda não

A gestão da dívida pública é, aliás, segundo os economistas contactados pela CNN Portugal, o fator essencial para que esta subida das taxas de juro não se torne num problema maior para o país.

O economista João Moreira Rato, que já foi presidente do IGCP, não vê uma situação “preocupante” na atual subida da taxa de juro média da dívida emitida este ano. “O custo da dívida sobre o PIB está em valores ainda baixos olhando para os últimos 20 anos”, explica, lembrando que o aumento das taxas de juro só se vai refletindo no custo médio da dívida “gradualmente”.

Também o economista Filipe Silva, diretor de Investimentos do Banco Carregosa não vê, para já, uma situação preocupante. “Se por um lado Portugal vê o custo da dívida subir, e com os efeitos nefastos que sabemos que acarreta, por outro tem beneficiado da recuperação económica”, argumenta, lembrando que “a inflação tem permitido um aumento da receita fiscal e uma redução natural da dívida do país”.

Para Filipe Silva, a subida dos custos da dívida “poderá ser um problema, se for perpetuado no tempo e não conseguirmos manter a redução do rácio de dívida sobre o PIB, caso contrário poderá ser algo que se consiga suportar”, ou seja, enquanto não sentirmos um abrandamento na economia real, este poderá até não ser um grande problema”.

Já o economista Sandro Mendonça lembra que a taxa de juro suportada por Portugal pelas novas emissões de dívida está a desenrolar-se num contexto novo, em que houve uma “mudança de regime” entre 2021 e 2022, quando o BCE inverteu a sua política monetária.

“Esta política monetária restritiva justificou-se como força bruta contra a inflação. A justificação para a agressividade monetária foi a guerra na Ucrânia, mas o pretexto da sua continuação foi a tese da espiral preços-salários”, recorda o economista que é, no entanto, muito crítico em relação à mesma. “Tal como uma caçadeira de canos serrados, há muitos danos colaterais. Neste caso vê-se bem que uma consequência são as administrações públicas (ou seja, os cidadãos, a comunidade de contribuintes) a pagarem por algo que não causaram. Portanto, tal aconteceu a países como Portugal, mas também aos outros da zona euro.”

Sandro Mendonça diz mesmo que os países estão sujeitos aos humores do BCE e exemplifica que o próprio banco já admitiu estar surpreendido com a subida de lucros das empresas privadas e dessa forma contribuírem para a subida da inflação, mas não tendo havido qualquer mudança na política monetária. A política do BCE “não é neutra sectorialmente, pois está a penalizar o fator trabalho e agora o sector público, mas não só não se inverte como se vai agravar”, lamenta o economista.

O que fazer neste cenário?

Num cenário em que os custos com o endividamento ainda devem continuar a aumentar, até porque não se espera que a subida de taxas de juro pelo BCE tenha parado, os economistas ouvidos pela CNN Portugal dividem-se.

“O que seria interessante era usar parte do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fazer rolar amortizações em situações como esta”, defende Sandro Mendonça, sublinhando que os países precisam de ter mais autonomia “perante a especulação dos mercados financeiros e perante a discricionariedade das autoridades monetaristas”.

João Moreira Rato defende, por seu lado, que o Estado deve reduzir mais a dívida pública “para ter mais margem de manobra no futuro quando a economia estiver pior e porque o custo da dívida pode estar próximo do seu pico”.

Já Filipe Silva lembra que o “o IGCP tem gerido com calma toda a evolução das taxas” e que não tem sido necessário fazer grandes movimentos na redução da dívida porque essa redução “está a acontecer normalmente”. O economista sublinha, por outro lado, que “os certificados de aforro, que têm um teto na taxa de juro, estão a ter níveis de subscrição muito elevados, o que fez com que o IGCP cancelasse leilões de dívida de curto prazo que tinha programados” e que, ao mesmo tempo, têm sido feitas operações de rollover de dívida de curto prazo para longo prazo com cupões muito baixos. Ou seja, por estas razões, sublinha o economista, não há “necessidade de ir atrás do mercado mesmo que as taxas subam no curto prazo”.   

Independentemente do que venha a ser a gestão da dívida, parece certo que a subida dos juros, para já, irá continuar.

Filipe Silva lembra que após a última subida das taxas de juro pelo BCE foi sinalizado que poderia haver mais subidas se a inflação continuasse persistente. “Os custos para Portugal poderão subir se esta dinâmica inflação/taxas de juro se mantiver”, antecipa o economista, adiantando, no entanto, que “será uma questão de tempo até vemos a inflação a diminuir e com isso as taxas de refinanciamento a estagnarem ou até abrandarem”.

João Moreira Rato diz, por seu lado, que ainda “é cedo para dizer que chegámos ao pico de taxas de juro” e que estas “deverão continuar a subir até existirem sinais mais claros de abrandamento da inflação”.

Também Sandro Mendonça aponta que a subida das taxas de juro se irá manter, naquilo que apelida de uma política “monetária abrasiva”, o que, conjugado “com a calendarização de duas grandes idas ao mercado pela República Portuguesa em outubro de 2023 e fevereiro de 2024”, se poderá tornar numa “temível tenaz”.

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