A juíza levantou a cabeça e Sócrates tinha desaparecido. Quando ele reapareceu: tensão

3 jul, 13:30

A parte da manhã do primeiro dia do julgamento do processo Marquês ficou marcada por tentativas de José Sócrates de suspender o início dos trabalhos. Juíza garante que vai retirar a palavra a quem "abusivamente" atrase o decorrer da sessão. Pelo meio houve um insólito episódio WC

Não demorou muito até que a juíza Susana Seca, que preside o julgamento do processo Marquês, entrasse em conflito com José Sócrates e com a sua defesa. Aconteceu cerca de uma hora depois do início dos trabalhos, quando Pedro Delille, advogado do antigo primeiro-ministro, pediu que fosse decidido o requerimento que apresentou no dia anterior a solicitar a suspensão do julgamento, criticando o facto de a juíza não ter decidido juntar a este processo um outro em que Sócrates consta acusado de três crimes de branqueamento de capitais. 

Neste momento, afirmou Delille, "acho que não há condições de prosseguir o julgamento sem decidir os incidentes de recusa". E, ao mesmo tempo que a juíza procurava o requerimento, José Sócrates levantou-se para ir à casa de banho sem comunicar essa decisão a ninguém. 

Minutos depois, na sala, ouve-se a juíza a perguntar pelo ex-primeiro-ministro. Ao questionar o seu advogado sobre o paradeiro do cliente, fica frustrada. "Pediu autorização para sair da sala?", questionou Susana Seca.

Quando José Sócrates regressou à sala, a juíza deu-lhe um raspanete. "Tem de pedir autorização." Discordando disto, Sócrates pediu a palavra, mas foi mandado sentar. "Vai manter-se sentado e aguardar o momento." “Não me vai dar a palavra? Pedi para falar e não me vai dar a palavra?”, criticou José Socrates, ao mesmo tempo que o tribunal fez uma pausa para analisar o conteúdo do requerimento.

"Não é o senhor doutor que decide quando fala"

Após uma pausa de cerca de 15 minutos, Susana Seca voltou com a sua decisão de não dar cabimento ao requerimento, descartando a possibilidade de se suspender o julgamento. Além disso, pediu ao advogado do ex-primeiro-ministro para que fosse "conciso e objetivo" nos pedidos que realiza em sede de julgamento. "O requerimento não é uma exposição introdutória." 

Isto levou a um novo crescer de tensões entre a juíza e a defesa de Sócrates, que, perante a decisão do tribunal, voltou a criticar a continuidade do julgamento, sublinhando que o mesmo deveria ser suspenso - o que levou a juíza Susana Seca a levantar a voz. 

"Senhor doutor", afirmou já irritada, "quem preside ao tribunal coletivo sou". "Eu. Quem preside sou. Não é o senhor doutor que decide quando fala. (...) O tribunal não pode compactuar com condutas processuais que pretendem entorpecer o andamento do julgamento. O senhor doutor não interrompe, não determina quando fala e respeita. Estamos entendidos?"

Perante a recusa da juíza, o advogado de Sócrates repetiu várias vezes que “a audiência ainda não começou”, tendo, no entanto, o Ministério Público, pela palavra do procurador Rui Real, adiantado que o coletivo deve avançar com a sessão de julgamento. 

"Relativamente à questão relacionada com o facto de estarmos em audiência, não só o tribunal a declarou aberta como decorre da sistematização do Código de Processo Penal que o julgamento se inicia com os atos preliminares", acrescentou a juíza Susana Seca.

Minutos depois, Susana Seca e Pedro Delille entrariam numa outra discussão. Desta feita por a juíza ter requisitado ao advogado que, por estarem a atrasar os trabalhos, os seus requerimentos ao tribunal devem ser feitos por escrito. Mal a juíza pára de falar, contudo, o advogado de Sócrates pede imediatamente a nulidade dessa decisão. “Isso significa que eu não posso fazer o requerimento como entendo mais adequado para a defesa.”

Perante isto, a juíza decide ordenar que os atos processuais "que manifestamente e abusivamente possam embaraçar ou protelar os trabalhos" podem levar a advertimentos ou, eventualmente, "à retirada da palavra". 

"Um problema muito sério"

Já fora da sala de audiências, José Sócrates, acompanhado de agentes da PSP, reforçou que o comportamento da presidente do coletivo de juízes foi o de alguém com um "complexo de autoridade".  " A juíza vai mostrando a sua completa parcialidade”, acrescentou, sublinhando que todas as magistradas à frente do processo estão em exclusividade e que isso cria "um problema muito sério" em relação ao processo, por estar a “exercer uma tutela administrativa sobre um processo judicial”.

“O Conselho Superior da Magistratura também faz a avaliação dos juízes. (...) Há um conflito entre estar em exclusividade e ser depois avaliado só sobre o que aconteceu neste processo”, disse ao final da manhã, depois de a sessão ter sido interrompida para almoço.

Onze anos após a detenção de José Sócrates no aeroporto de Lisboa, arrancou o julgamento da Operação Marquês, que leva a tribunal o ex-primeiro-ministro e mais 20 arguidos e conta com mais de 650 testemunhas.

Estão em causa 117 crimes, incluindo corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, pelos quais serão julgados os 21 arguidos neste processo. Para já, estão marcadas 53 sessões que se estendem até ao final deste ano, devendo no futuro ser feita a marcação das seguintes e, durante este julgamento serão ouvidas 225 testemunhas chamadas pelo Ministério Público e cerca de 20 chamadas pela defesa de cada um dos 21 arguidos.

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