Gare em França recorda judeus deportados para Auschwitz: "Esta memória tem de ser perene"

Agência Lusa , MM
16 jul 2022, 10:42
Auschwitz

Cerca de 80 mil judeus franceses foram deportados para os campos de concentração nazis com a colaboração da administração francesa

Em França, cerca de 80 mil judeus foram deportados para os campos de concentração nazis com a colaboração da administração francesa, e mais de oito mil partiram de Pithiviers, entre eles três mil crianças que não sobreviveram a Auschwitz.

A gare reabre agora, a 18 de julho, como lugar de memória, testemunho das deportações, dos milhares de pessoas que daqui foram enviadas para os campos de extermínio, no âmbito da Solução Final nazi, porque "esta memória tem de ser perene", como disse uma sobrevivente, durante a apresentação do projeto à imprensa.

"A SNCF [empresa de caminhos de ferro francesa] ia vender algumas das suas gares, entre elas a de Pithiviers, e pedimos-lhe se podíamos ser nós a renovar esta gare. Os campos já não existem, portanto esta gare é o único vestígio desse período. É um lugar de memória de tudo o que se passou aqui, porque foi aqui que as pessoas chegaram em 1941 e 1942, e foi daqui que as pessoas partiram para os campos de concentração", afirmou o diretor do Memorial da Shoah, Jacques Fredj, em declarações aos jornalistas.

Alguns dias antes da abertura oficial ao público, que acontece na próxima segunda-feira, o Memorial da Shoah, fundação em França que preserva a memória do Holocausto, abriu pela primeira vez esta gare aos jornalistas, numa visita acompanhada pelos sobreviventes do campo de Pithiviers e de Beaune le Rolande, na região Centro do país, a cerca de uma hora e meia de Paris.

Em 1941, os campos destas duas pequenas cidades acolheram cerca de 4.000 homens da Rusga do Bilhete Verde, em Paris, e, em 1942, as suas mulheres e os seus filhos na Rusga do Vel d'Hiv, que assinala em 2022 o seu 80.º aniversário.

Aos poucos, desta gare partiram, no espaço de um ano, mais de oito mil judeus em direção a Auschwitz.

Nenhuma das crianças que entrou nos comboios em direção à Polónia sobreviveu.

"A partir do momento que as pessoas que estavam internadas nestes campos metem os pés nos vagões que as levaram para Auschwitz-Birkenau, estamos perante um genocídio europeu. E é isso que se passa em 1942. As decisões são tomadas pelos nazis, mas são postas em prática pela administração francesa, especialmente a polícia, mas também os meios de transporte", precisou Jacques Fredj.

Pithiviers é também o símbolo da aceleração da Solução Final de Adolf Hitler, e como a administração francesa de Pétain contribuiu para o extermínio de judeus, incluindo judeus franceses, como era o caso de muitas das crianças enviadas para os campos de concentração. 

"O meu pai dizia, antes da Rusga do Bilhete Verde: 'Os meus filhos são franceses, eu bati-me pela França, nada nos vai acontecer'. Ele acreditou que era só uma verificação da identidade. Foi uma armadilha", descreveu Arlette Testyler, uma sobrevivente das deportações.

O pai de Arlette Testyler, Abraham Reiman, foi deportado para Auschwitz a partir de Pithiviers, no início de 1942 e tanto ela, como a irmã e a mãe vieram para o mesmo campo alguns meses mais tarde, conseguindo escapar à deportação por terem 'ateliers' de costura em Paris. Hoje com 89 anos, e deslocando-se de cadeira de rodas, Arlette Testyler quis entrar de pé nesta gare.

"Eu quis entrar de pé, o meu pai sempre entrou de pé em todo o lado, porque tinha orgulho de viver em França e ter filhos franceses. Quando penso hoje que ele morreu com 37 anos... Ele era um jovem. É um luto que não acaba", comoveu-se.

Renovada "sobriamente", esta gare conta com uma pequena exposição permanente onde se conta a história deste local e vai servir daqui para a frente para acolher principalmente grupos escolares que estejam a estudar o Holocausto e as suas consequências em França.

"Com o aumento do antissemitismo, do racismo, das tentativas de falsificação da história a que temos assistido na campanha eleitoral, a explosão de teorias da conspiração nos últimos anos, na paisagem política francesa e internacional, temos muito trabalho a fazer. Com os adultos, claro, mas principalmente com as crianças", sublinhou Jacques Fredj.

Todos os sobreviventes da Rusga do Vel d'Hiv que acompanharam esta visita, que hoje têm mais de 80 anos, multiplicam-se em testemunhos nas escolas, em conferências e encontros organizados pelo Memorial da Shoah, para contarem o que viveram e lembrar os seus entes queridos mortos pelo regime nazi.

"Há quem continue a negar que foram mortos judeus nos campos de concentração. Eu tenho o certificado de óbito do meu pai. Ele foi gaseado, sei o dia em que ele morreu. Esta memória tem de ser perene. Eu sou o 'dinossauro' da Shoah. Depois de nós, tal como nos dizia a Simone Veil, não há nada", concluiu Arlette Testyler.

Os restantes judeus deportados a partir de França partiram de Drancy, uma cidade perto de Paris, onde também existiu um grande campo de deportação.

Para assinalar este lugar, há um memorial, com um museu e um vagão similar aos utilizados para as deportações para o território alemão, com uma parte dos campos a ter sido renovada no pós-guerra, e a servir ainda hoje de alojamento social.

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