NOTA DO EDITOR | Jill Grimes é a autora de “The Ultimate College Student Health Handbook: Your Guide for Everything From Hangovers to Homesickness” (“O manual de saúde indispensável para estudantes universitários: guia para tudo, desde ressacas até saudades de casa”, numa tradução livre para português). Grimes tem mais de 30 anos de experiência em prática privada e medicina académica, e partilha a sua sabedoria médica em plataformas como The College Doc
Raramente passa uma semana sem que eu receba uma mensagem de texto ou uma chamada frenética de um pai desesperado cujo filho em idade universitária está nas urgências a ser tratado a um problema relacionado com drogas.
Os jovens adultos com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos representam 11,1% dos mais de 7,7 milhões de visitas anuais às urgências relacionadas com drogas nos Estados Unidos. E têm a taxa mais elevada de visitas às urgências relacionadas com cannabis, de acordo com um relatório de 2023 da Substance Abuse and Mental Health Services Administration, ou SAMHSA.
Sou médica de família e especialista em saúde universitária e os pais recorrem frequentemente a mim para os ajudar a perceber o que fazer quando os filhos estão em crise, o que me dá um terceiro título: destruidora de mitos médicos.
Antes de enviarem os vossos filhos adolescentes para a universidade, vale a pena explorar os mitos e as realidades em torno do consumo de drogas na universidade para terem uma melhor visão do que os pais podem fazer para manter os seus filhos jovens adultos mais seguros neste novo clima cultural.
Aqui estão alguns dos mitos mais perigosos que ouço e os meus conselhos para os combater.
Mito n.º 1: Não preciso de falar com os meus filhos sobre drogas porque eles são "bons" miúdos.
Falso. Para os pais, é incompreensível que o seu filho inteligente, bem-sucedido e cumpridor da lei comece subitamente a consumir drogas. Os pais não conseguem imaginar porque é que o seu filho responsável confiaria num estranho que lhe oferece comprimidos ou erva.
A minha experiência diz-me que mesmo que os seus filhos sejam alunos de 20, escuteiros ou o voluntário do ano do liceu, podem na mesma consumir drogas. É por isso que qualquer pai pode receber uma chamada sobre uma overdose de drogas, alucinações, paranoia, depressão ou um acidente de viação relacionado com drogas ou álcool.
Mito n.º 2: O meu filho sabe que deve manter-se afastado dos traficantes.
Falso. A maioria dos traficantes de droga universitários não se parece com o que imaginamos que sejam os criminosos assustadores. Na verdade, eles parecem-se com os típicos estudantes universitários, porque muitas vezes são-no. Por isso, apague a imagem de uma troca de heroína num beco escuro e substitua-a por um amigo preocupado num dormitório.
Eis como pode começar: Digamos que o seu filho não dorme há vários dias porque está a estudar muito para Química. Um amigo pode oferecer-lhe alguns comprimidos para que ele descanse um pouco e consiga fazer o teste no dia seguinte.
E se ele não conseguir ficar acordado, mas precisar de acabar o trabalho que tem de entregar amanhã de manhã? Pode experimentar o comprimido de “ajuda ao estudo” oferecido por um amigo – muitas vezes um estimulante para a perturbação de défice de atenção e hiperatividade (PDAH), disponível mediante receita médica.
A ansiedade social do seu filho está a causar um quase ataque de pânico antes de ir para uma festa? Talvez experimente uma goma (com THC) para se sentirem bem. (O tetrahidrocanabinol, ou THC, é a principal substância psicoativa da canábis).
Haverá algo mais inocente do que uma goma em forma de animal? Não só os produtos comestíveis de THC são deliberadamente embalados em gráficos juvenis e de cores vivas, como também se assemelham a gomas de infância, brownies, barras de chocolate, batatas fritas e muito mais.
Estes produtos comestíveis de THC contornam as coisas “más” para as quais alertámos os nossos filhos, como fumar, inalar ou tomar comprimidos. Mesmo os jovens que nunca acenderiam um cigarro ou um ‘charro’ podem sentir-se tentadas a experimentar um rebuçado.
Mito n.º 3: Nós experimentámos erva nos nossos tempos de faculdade e ficámos bem, por isso os nossos filhos também vão ficar.
Talvez seja falso. Os jovens universitários já não andam só a experimentar. O consumo de cannabis tornou-se muito comum nos campus universitários, quer seja legal no estado do seu filho ou não. Num estudo realizado em 2022 e publicado em 2023, com mais de 14,000 alunos matriculados em 19 faculdades do Texas (onde a cannabis recreativa ainda é ilegal), quase 40% dos alunos usaram cannabis e mais de 26% usaram-na no seu campus universitário.
Para além disso, a erva de agora é mais forte do que a que se pode ter consumido. O THC dos anos 80 e anteriores não era considerado viciante porque não existia uma síndrome de abstinência identificável, de acordo com a psiquiatra Elizabeth Stuyt, especialista em dependências.
A concentração de THC passou de menos de 1,5%, em 1980, para 3,96%, em 1995, e para uma média de 16,14%, em 2022, como refere o Instituto Nacional de Abuso de Drogas, com base em amostras de canábis apreendidas pela Administração de Combate à Droga dos EUA.
A flor de cannabis produzida no Colorado agora tem uma média de 19,2% de THC por grama; produtos concentrados, como haxixe ou óleos, têm uma média de 67,8% por grama; e os cartuchos de vaporizador têm uma média de 79,7% de THC por grama, de acordo com o relatório 2020 Colorado Market Size and Demand Update.
A erva de hoje é, de facto, viciante para pelo menos 1 em cada 6 adolescentes e 1 em cada 10 adultos, de acordo com a SAMHSA. Embora as probabilidades gerais possam estar do seu lado, não há forma de prever se será ou não um dos 16,7% de adolescentes ou dos 10% de adultos que se tornam viciados.
Mito n.º 4: Só os festeiros mais radicais consomem drogas na universidade.
Falso. Fora da cultura da droga nas festas, vejo mais estudantes universitários a automedicarem-se. Os estudantes procuram uma forma de se manterem alerta e concentrados ou de acalmarem a ansiedade do seu cérebro para estudarem, dormirem e socializarem mais eficazmente. Não estão à procura de uma sensação de excitação - estão a tentar atingir uma norma funcional.
Entretanto, embora quase toda a gente esteja ciente da crise do fentanil, poucos estudantes universitários veem um risco significativo em aceitar ou comprar o que acreditam ser um comprimido de Xanax ou Adderall. É provável que os traficantes de droga se apercebam de um risco mínimo, porque muitas vezes estão a vender produtos que eles próprios consomem.
Mito n.º 5: O meu filho não é um traficante de droga.
Talvez seja falso. Fiquei fascinada com o facto de muitos estudantes que estão a vender droga não se considerarem traficantes. Normalmente ficam chocados e ofendidos quando uso essas palavras e falo sobre as graves consequências legais da venda de medicamentos sujeitos a receita médica. Existe claramente uma desconexão na mente destes jovens entre as suas ações e as das pessoas que vendem drogas ilegais não sujeitas a receita médica.
Alguns estudantes vendem uma parte dos seus próprios estimulantes para a PDAH ou outros medicamentos, devidamente prescritos, e esses comprimidos são frequentemente partilhados ou revendidos. É provável que esta prática contribua para a ideia errada de que os outros comprimidos oferecidos pelos colegas também são seguros, fabricados e receitados legalmente.
Facto: Os pais podem preparar os seus filhos para a realidade das drogas e da vida universitária.
Verdadeiro. Em primeiro lugar, certifique-se de que adiciona Narcan em spray, um antagonista opiáceo que pode reverter imediatamente uma overdose de fentanil, ao estojo de primeiros socorros do seu estudante na faculdade. O Narcan está disponível sem receita médica, embora seja provável que tenha de o pedir a um farmacêutico, uma vez que a maioria das lojas o mantém “atrás do balcão” para evitar o furto do produto, que é vendido por cerca de 44 dólares por duas unidades (em Portugal, uma embalagem de 28 comprimidos, na dosagem de 8 mg + 2mg custa cerca de 35 euros).
Converse com seu filho adolescente sobre as instruções do Narcan, mas ele é simples de usar: O spray é uma unidade de dose única que se pulveriza com um esguicho no nariz da vítima depois de a deitar de costas. Se a vítima, que está a lutar para respirar ou inconsciente, não tiver fentanil ou qualquer outro opiáceo no seu organismo, o Narcan não causará qualquer dano. Certifique-se de que o seu filho sabe que deve ligar sempre para o 112 e ficar com a vítima se administrar Narcan; pode ser necessária uma segunda dose.
Em segundo lugar, encoraje ativamente o seu filho a procurar ajuda médica se se queixar de incapacidade para se concentrar nos estudos, se não conseguir dormir ou se se sentir em pânico com a ansiedade social ou dos testes. O aconselhamento e a prescrição legítima de medicamentos podem ajudar muito a resolver estes problemas, e estas situações são uma grande parte do que os serviços de saúde universitários tratam.
Assegure-lhes que não devem esperar até atingirem níveis de crise para procurar ajuda, quer se trate de uma doença física, lesão, stress, ansiedade ou depressão. Especialmente no caso de problemas de saúde mental, os estudantes tentarão tudo para se auto-ajudarem e se automedicarem e é exatamente assim que muitos “bons miúdos” acabam por consumir drogas.
Nota do editor: Se você ou alguém que conhece está a debater-se com problemas de saúde mental, há ajuda disponível. O SNS24 - 808242424 – tem uma linha de aconselhamento psicológico a funcionar 24 horas por dia. Tem também disponíveis linhas de apoio como:
SOS VOZ AMIGA
Horário: Diariamente das 15:30 às 00:30
Contacto Telefónico: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660
CONVERSA AMIGA
Horário: 15:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 808 237 327 | 210 027 159
VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL
Horário: 16:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 222 030 707
TELEFONE DA AMIZADE
Horário: 16:00 – 23:00
Contacto Telefónico: 222 080 707
VOZ DE APOIO
Horário: 21:00 – 24:00
Contacto Telefónico: 225 506 070
Email: sos@vozdeapoio.pt