Jovens: “Quando damos rótulos estamos a esquecer outros problemas reais”

28 nov 2021, 12:17
Debate FFMS, com Lia Pappámikail Magda Nico Maria Gouveia Pereira. Fotograia de Pedro Pina

A juventude está em debate em Lisboa, na conferência Novos Encontros Juventude da Fundação Franscisco Manuel dos Santos. Três especialistas alertam para os riscos de rotular as gerações mais jovens

O que distingue a juventude de hoje com a do passado? Não muito. Os problemas da juventude arrastam-se de geração em geração, acentuam as desigualdades de género, mas adaptam-se aos tempos, continuando a incentivar “rótulos acríticos” e ideias pré-concebidas que em nada facilitam a vida dos jovens e jovens adultos, alertou a investigadora Magda Nico.

A tendência para catalogar e rotular as gerações mais novas esteve em destaque no primeiro dia da Novos Encontros Juventude da Fundação Franscisco Manuel dos Santos, que decorre este fim de semana em Lisboa.

Vários especialistas, incluindo o sociólogo britânico John Goodwin, abordaram as dificuldades que os jovens e jovens adultos sentem nas mais variadas áreas da sua vida, um retrato que a investigação Os jovens em Portugal, hoje pôs a nu naquele que é o maior estudo sobre jovens e jovens adultos feito em Portugal - e que apresenta dados que vão da saúde mental e do suicício à pressão sentida relativamente ao próprio corpo.

O risco dos rótulos

“Quando damos rótulos estamos a esquecer outros problemas reais”, começou por dizer a socióloga e investigadora Magda Nico. Da mesma opinião é Vítor Sérgio Ferreira, doutorado em Sociologia, com especialidade de Sociologia da Educação, Cultura e Comunicação, que durante a sua intervenção alertou para o facto de "quando estamos a falar em geração estamos a falar em processos de mudança social”, o que faz com que não seja correto usar rótulos.

O sociólogo falou de “geracionalismo”, da tendência de catalogar gerações - como Z e Y, por exemplo, um fenómeno abordado também por outros especialistas. “É preciso entender porque é que essas etiquetas são produzidas, que são as grandes consultoras de marketing e que do ponto de vista do consumo dá jeito olhar para os jovens assim. (...) Mas também encontramos alguma tendência deste discurso geracionalista para homogeneizar determinado tipo de jovens e dizer que ‘hoje a geração tem maior abertura’, que ‘hoje a geração é mais precária’ e isso tem a ver com os próprios interesses de quem vai catalogar este tipo de categorias”.

Um dos rótulos mais associados aos jovens adultos é o termo ‘nem-nem’ - jovens que não estudam e não trabalham, um conceito criado nos anos 80 em Inglaterra. Para a também socióloga Lia Pappámikai, este conceito tem de ser "desconstruído" porque a categoria abarca uma série de questões, como a saúde mental, “em que os jovens não encontram no mercado de trabalho espaço para si” ou jovens qualificados que “são apanhados na estatística”. O conceito ‘nem-nem’ “ganhou vida própria e construiu-se como um estereótipo”, o que, disse Maria Gouveia Pereira, professora no  no Departamento de Psicologia Clínica e da Saúde no ISPA-IU, “é simplificador da realidade”.

À boleia destes rótulos criados, as políticas públicas são informadas “pelo estereótipo e têm dificuldade em ouvir os jovens, que na verdade raramente são ouvidos”, lamentou Lia Pappámikai.

Fetichismo do presente, mas com problemas do passado

Os problemas que se verificam atualmente na juventude não são assim tão diferentes dos problemas dos jovens das gerações passadas. No entanto, verifica-se aquilo a que os investigadores chamam de “fetichismo do presente”, uma tendência para olhar para o que está a acontecer agora, sem perceber se isso é ou não uma consequência ou uma continuidade do que já acontecia anteriormente. Porém, nem tudo é mau.

Sobre o fetichismo do presente, a socióloga e investigadora Magda Nico disse que, de facto, “existem leituras presentistas nos estudos de juventude, o que não é sempre negativo”, uma vez que, a título de exemplo, “do ponto de vista das políticas públicas é normal que se faça uma análise em tempo útil” e, por isso, faz sentido olhar mais para o presente, até porque “o próprio discurso geracional presentista dos jovens é muito real”.

Um outro termo muitas vezes para descrever a juventude e que espelha este fetichismo do presente é o ‘jovens de hoje’ - os jovens de hoje são apolíticos, os jovens de hoje são desapegados da família, os jovens de hoje não trabalham, jovens de hoje são mais preocupados com a imagem, a título de exemplo - “é uma caricatura, toma conta do debate e isso ofusca as velhas desigualdades”, lamenta Magda Nico, explicando que estes rótulos acabam por ser apenas um "espelho das realidades ocidentais", deixando de parte outras realidades atuais.

Sobre a questão da imagem, um dos dados mais alarmantes do estudo indica que a maioria dos jovens em Portugal não gosta do próprio corpo. Mas é este um problema de agora? Não. Vítor Sério Ferreira, também coordenador do grupo de pesquisa LIFE – Percursos de Vida, Desigualdades e Solidariedades, e vice-coordenador do Observatório Permanente da Juventude, disse que hoje em dia “valoriza-se muito o corpo jovem como abstrato, mas isto não é novidade (...) já se ouvia isto nos anos 80 perante a publicidade, do mundo da música. Havia modelos de referência até da própria expressão corporal. Hoje o jovem tem isso à disposição no telemóvel de uma forma muito mais alargada e microscópica, pelas microcelebridades que estão muito mais perto do que é o jovem”.

Uma vez que os problemas dos jovens de hoje não são uma exclusividade dos tempos modernos, o sociólogo John Goodwin falou da importância de estudar o passado para compreender o presente, uma tendência académica que se tem mostrado eficaz na hora de compreender hábitos e vulnerabilidades em determinadas faixas etárias.

Mais formados, mas ainda há lacunas

“Esta geração tem um ensino mais massificado, mas há muita discussão entre a massificação e a qualidade. E quando olharmos para os dados portugueses, são relativamente otimistas. Portugal é o terceiro país que mais melhorou em leitura e o terceiro que mais melhorou em ciência e matemática segundo o PISA”, disse o economista Pedro Freitas, que, porém, frisou que “o que não conseguimos [foi] melhorar as diferenças de sucesso escolar nas classes mais desfavorecidas”.

Sobre este ponto, o especialista defende a necessidade de os sistemas de ensino terem "ferramentas de apoio aos jovens mais carenciados", como "apoios extra, fora da aula e feitos à medida", um método que, frisou, "tem enormes impactos" no desempenho escolar.

Neste sentido, o também assistente convidado na Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e investigador no Centro da Economia da Educação defendeu que “o ensino em Portugal é altamente segregado, temos bolhas dentro das escolas”. “As diferenças e bolhas sociais das gerações de hoje requer debate de equilíbrio entre gerações”, tendo a pandemia agravado a situação, sobretudo “na geração dos mais novos”, alertou Pedro Freitas.

Sobre a dificuldade em entrar no mercado de trabalho, “o que noto é uma queda” do salário para pessoas formadas, afirmou o economista. “Mas de facto, o prémio salarial caiu para metade”, alertou, embora reconheça que “ainda compensa estudar mais”. Além disso, destacou a diferença salarial entre homens e mulheres, um dos pontos do estudo, e que vem mostrar a desigualdade que ainda existe. "Elas tendem a ter melhores resultados nas notas dadas pelos professores e sao melhores em exames nacionais, era bom que [isso] se refletisse no mercado de trabalho", concluiu.

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